sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Uma vida solitária

James Allan Francis

Ele nasceu em um vilarejo desconhecido, o filho de uma camponesa. Cresceu em outro vilarejo onde trabalhou em uma carpintaria até completar trinta anos. Então, durante três anos, foi um pregador itinerante. Nunca escreveu um livro. Nunca ocupou uma posição. Nunca teve uma família ou uma casa. Não freqüentou a faculdade. Nunca conheceu uma cidade grande. Não se afastou sequer trezentos quilômetros do lugar onde nasceu. Não fez nada do que normalmente acompanha o poder. Não tinha credenciais, era simplesmente ele.

Tinha apenas 33 anos quando toda a opinião pública se voltou contra ele. Seus amigos fugiram e um deles chegou a negá-lo. Foi entregue a seus inimigos e passou pelo escárnio de um julgamento. Foi crucificado entre dois ladrões.

Quando estava morrendo, seus executores disputavam por suas roupas, suas únicas propriedades neste mundo. Quando morreu, foi sepultado em um túmulo emprestado por um amigo misericordioso. Vinte séculos se passaram, e hoje ele é a figura central da raça humana.

Todos os exércitos que já marcharam, todas as frotas navais que já navegaram, todos os parlamentos que já existiram e todos os reis que já reinaram, colocados juntos, não influenciaram a vida do homem como essa vida solitária.



domingo, 19 de dezembro de 2010

"São as finanças, estúpido"

artigos | artigo cientifico
Hoje precisei entrar numa agência bancária para pagar contas. Já há algum tempo eu não fazia isso. Trata-se de uma agência da periferia de um desses bancos populares que, por distar quilômetros de distância de outras agências mais próximas, recebe todos os moradores da região. Logo na entrada, as pessoas se apinham tetando convencer a porta automática de que a sua presença não representa perigo. Para isso expõem tudo o que trazem nas bolsas, sob os olhares curiosos de outros clientes. Os guardas, impassíveis, observam com olhar perscrutador. Parece que todo mundo desconfia de todo mundo. Abro minha mochila e retiro as chaves de casa, uma caneta e o celular, o que logo convence a porta de que sou boa gente.

Enquanto espero na fila, fico olhando o movimento frenético das pessoas. Clientes se misturam com funcionários - do próprio banco ou prestadores de serviço - uns pedindo e outros fornecendo informações. Homens trajando uniformes verde-escuros, com um malote não mão, entram, assustados, como se fugindo ou acautelando-se de um mal invisível. Há os que falam no celular o tempo todo, e alguns usam fones tão diminutos para tal que mal se pode perceber que estão usando o celular, apenas os vemos falando sozinhos. Fico imaginando que há alguns anos, na cidade onde eu nasci, falar sozinho era, para as pessoas daquela localidade, um dos sintomas da loucura. Hoje este preconceito já não existe. Qualquer pessoa pode jogar palavras ao vento, ainda que em lugares propícios à loucura, frequentados por gente de estado psicológico comprometido, a primeira hipótese levantada é a de que está falando no celular. E alguns conseguem traduzir muito bem os sentimentos e reproduzir situações no tom da voz e nos gestos que apresentam enquanto conversam com o outro, distante, por meio do aparelho sem fio. Uns traduzem indignação, gritando, outros reproduzem momentos de discussões e brigas, gesticulando, contraindo a musculatura do rosto, e há também os que externam paixões e desejos sexuais reprimidos, afrouxando o tom da voz. E cada um conversa aparentemente sozinho, sem interlocutor à vista. À primeira compreensão, são monólogos, permeados por pausas, as quais, desconfia-se, são determinadas pelo momento em que o outro lado está falando. Há algum tempo, um professor de Psicopatologia pediu aos seus alunos que tirassem uma foto em qualquer lugar que passasse a ideia de loucura. Ocorreu-me que aquele era o cenário propício.

Mas todos aqui têm algo em comum: acertar sua situação financeira, pagar suas contas. Os atendentes, os atendidos, os que sacam dos caixas, os que pagam aos caixas, os vigilantes que entram com sacolas vazias e saem com as mesmas cheias de dinheiro, todos convergem para o mesmo fim: resolver a situação financeira, ou seja, pagar as contas. Lembro-me do slogan que, em 1992, viabilizou a eleição de Clintom à presidência dos Estados Unidos: “É a economia, estúpido”. É esta Economia (com “E” maiúsculo mesmo), que se promove como personificada, autônoma, onipotente, que determina o jeito de viver das pessoas. Parece que ela está numa posição transcendental, independente, enquanto que todos os mortais dependemos desesperadamente dela.

De repente uma cena absurdamente contrastante me salta aos olhos. Uma senhora de aproximadamente 65 anos começa uma conversa que me soa familiar. Volto a atenção para o que ela está dizendo, e tudo o mais que acontece vira pano de fundo. Ela está tentando evangelizar o seu colega de fila, um senhor que aparenta a mesma idade dela, enquanto uma outra senhora, impaciente, observa. A evangelizante diz, virada para o lado oposto da fila, que o único jeito de salvar a alma é aceitar Jesus como único e suficiente salvador. A fila anda, enquanto a mulher, absorta na sua mensagem, era avisada por alguém que a fila andou e ela devia acompanhar. A senhora se corrige e continua insistindo. O seu ouvinte parece já impaciente, não contra-argumenta, mas esboça inquietação. “Tem que aproveitar enquanto a porta da graça está aberta”, insiste a mulher. “Depois que o Espírito Santo sair daqui, não tem mais jeito” continua. O alvo direto daquele sermão olha para os caixas, um dos quais logo o chamará, como quem vendo neles a tábua de salvação, enquanto que a mulher se apressa, sabendo que tem pouco tempo, uma vez que logo ela também será chamada por um dos caixas. Lembro-me de tê-la ouvido pronunciar a última frase ao seu evangelizando: “a porta da graça vai se fechar”, quando o caixa número 2 acendeu a luzinha, pondo fim ao sermão e libertando o ouvinte.

Que cena desoladora, deprimente... uma mulher empreendendo toda a sua força para anunciar o maravilhoso evangelho, mensagem que não cai bem em um ambiente como este. Aliás, em que ambiente a mensagem da salvação cai bem hoje em dia? Que contraste: as pessoas tentando pagar suas contas, fazer empréstimos, resolver suas vidas aqui e agora, e alguém falando de salvação da alma e vida eterna! De que mundo era aquela admirável senhora? Em que igreja ela deve congregar? Será que não percebeu ainda que as pessoas de nossa sociedade capitalista não querem salvação para a alma? Elas querem é pagar suas contas, as contas pelos recursos e conforto do mundo moderno. E ela não percebeu ainda que até mesmo a igreja já se conscientizou disso e adaptou o discurso, empurrando a mensagem salvífica para o escanteio?

Voltando ao slogan que elegeu Clínton, fico pensando: na sociedade hodierna, não é a salvação da alma nem a esperança de vida eterna... são as finanças,estúpido (a).

Voltei para casa lembrando a pergunta milenar de Jesus: “Quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?”












quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Uma pérola entre as futilidades da TV brasileira


Entendo o dilema de quem costuma ficar até altas horas da noite em frente à televisão, com o controle remoto na mão, passando de emissora em emissora, a fim de encontrar alguma coisa interessante para ver antes do sono chegar. Reconheço, pela própria experiência, que achar algum programa edificante na TV aberta é uma busca difícil. Mas nem tudo está perdido. Se você faz parte desse quadro de caçadores de pérolas televisivas, indico o programa “Provocações”, apresentado na TV Cultura, por Antônio Abujamra, que vai ao ar todas as terças-feiras às 23:00h.

Criado pelo parceiro de Abujamra, Gregório Bacio, na década de 90 (na verdade, estreou em 2000), o programa tem como finalidade, nas palavras do próprio apresentador, “lembrar às pessoas que existem outros na vida”, diversos outros, espaços e cenários possíveis. É um canal aberto para o pluralismo e a liberdade de expressão, que enaltece a democracia.

O programa se divide em quatro quadros que se entremeiam durante a apresentação. Inicialmente, Abujamra entrevista o convidado, o qual pode vir das mais diversas classes sociais, para discorrer sobre os mais complexos assuntos (vida, morte, religião, política, literatura, etc.), todos a partir das lentes subjetivas do entrevistado. Aquela coisa bem fenomenológica de que o mundo que existe é um mundo diferente para cada observador. A conversa é totalmente desprovida de censura e mostra-se recheada de franqueza. Porque a lógica é provocar, levar o outro a externar os seus mais recônditos sentimentos relacionados às nuances da existência, bem como aguçar o espírito crítico do telespectador.

Ali, diante do olhar perspicaz de Abujamra, já foram provocados expressividades nacionais como Juca Kfouri, Roberto Freire, Paulo Autran, João Sayad, bem como outros personagens não muito conhecidos, ex morador de rua, médicos e escritores cujos nomes não nos daremos ao trabalho de citar por acreditarmos serem totalmente desconhecidos do leitor. Na parte final desse quadro, o apresentador pede para seu convidado olhar para uma câmera à sua frente e dizer tudo o que já desejara falar, mas que, por algum motivo, foi impedido, ou a “enforcar-se na corda da liberdade”. Foi em um desses momentos que vi Miguel Arraes externar sentimentos em relação ao Brasil até então inimagináveis para mim.

No segundo quadro, chamado “Vozes de Rua” um repórter sai pelos logradouros públicos de diversas cidades do Brasil, entrevistando pessoas das mais diversas classes sociais e estilos de vida (médicos, advogados, motoristas, domésticas, prostitutas, moradores de rua, pregadores do evangelho). Enfim, para ser abordado, basta estar no caminho do repórter. Essa diversidade de alvos e as diferentes visões de mundo que emergem das conversas traduzem perfeitamente a temática do programam: existe o outro.

No último quadro – Textos e Poesias – o apresentador recita textos de autores consagrados da literatura universal, o que enriquece imensamente o repertório cultural do telespectador. E o melhor é que muitos desses textos, que poderiam ser de difícil compreensão para um leitor iniciante, são adaptados numa linguagem bem compreensível.

Perdido em meio a tantas futilidades que a televisão brasileira tem produzido, o telespectador pode achar uma verdadeira pérola – PROVOCAÇÕES –, um programa enriquecedor e edificante, um convite ao enforcamento na corda da liberdade.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A importância da oração na vida do crente

Por Josafá Rosendo de Lima

Leitura bíblica: Filipenses 4.4-9.

TEXTO ÁUREO

“Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim se sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.16).

O crente em Jesus desenvolve o seu relacionamento com Deus e a fé cristã por meio da oração constante, confiante e disciplinada


INTRODUÇÃO

A oração é o único canal de comunicação pelo qual o crente pode desenvolver um relacionamento íntimo com Deus. Sua importância pode ser avaliada na ênfase com que os santos homens da Bíblia a abordaram, tanto praticando-a como ensinando-a, sendo Jesus o principal deles. Estes santos nos legaram a lição de que falar com Deus é uma dádiva inestimável que não pode ser preterida sem sérios prejuízos para a vida cristã. Nesta oportunidade, buscaremos reconhecer o real valor da oração, explicar a ação do Espírito Santo no processo de comunicação com Deus e promover a conscientização de que, ao nos aproximarmos do Pai celeste, devemos adotar uma postura honesta, reverente e confiante.

I. RECONHECENDO O VALOR DA ORAÇÃO

A importância que tem a comunicação para as relações humanas tem a oração para o relacionamento com Deus
1. A oração estreita a comunhão com Deus.

“Comunhão” é o vínculo que une duas pessoas diferentes, é ter algo em comum. Pode referir-se a bens, opiniões, modo de vida, de sentir e agir. Viver em comunhão pressupõe a ideia de relacionamentos interpessoais. E é o processo de comunicação que intermedeia as relações. Por isso acredito que o significado mais profundo de oração deva encontrar-se no termo “relacionamento”. A oração é o único meio de comunicação com Deus pelo qual o homem se chega a Ele e se mantém num relacionamento contínuo, em que ambos, criatura e Criador, se afetam mutuamente. Como observa Warren, “você jamais cultivará um relacionamento íntimo com Deus apenas indo à igreja uma vez por semana […]. Uma amizade com Deus é construída ao partilharmos com Ele todas as nossas experiências”.1 Por isso o conselho do apóstolo Paulo: “Orai sem cessar” (1Ts 5.17). Isso não significa necessariamente se engajar em retiros espirituais. “Você pode manter uma conversa contínua e ilimitada com Deus ao longo do dia, conversando sobre o que quer que você esteja fazendo ou pensando no momento. […] significa conversar com Deus enquanto faço compras, trabalho ou realizo qualquer outra tarefa diária”.2 Em contrapartida, acontece um desvelamento constante de Deus para a alma que o busca (Sl 55.17). Portanto, “estreitar a comunhão com Deus” significa conhecê-lo cada vez mais experiencialmente, num relacionamento diário, e isso não se faz simplesmente através do estudo sistemático da Bíblia ou de outros meios, somente por intermédio da oração. Como disse o profeta Oseias: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor”. E este é o propósito final de Deus para os seus filhos, que nos aproximemos cada vez mais Dele, como acontecia no jardim do Éden, quando Adão tinha perfeita comunhão com o Criador, pois ambos se comunicavam constantemente (Gn 2.15; 3.8).

Em toda a Bíblia Sagrada, vamos encontrar exemplos de homens que gozaram de íntima comunhão com Deus por meio da oração: Enoque, quando estava com 65 anos, passou a ter comunhão com o Senhor, através da oração. A cada dia, ele se aproximava mais e mais do seu Criador. Trezentos anos depois, não foi mais visto, pois o Senhor o tomou para si (Gn 5.24).

Moisés passava horas a fio com Deus e falava com Ele face a face, como qualquer fala com o seu amigo (Ex 33.11). Este relacionamento devia-se ao fato de que Moisés vivia totalmente dedicado aos propósitos e vontade divinos. Ele compartilhava dos próprios sentimentos de Deus, a ponto de padecer quando Ele padecia e de entristecer-se quando Deus ficava entristecido (Ex 32.19).

Abraão tinha tanta comunhão com Deus que travava diálogos extensos com Ele (Gn 18.23-33) e foi chamado por Este de meu amigo (Is 41.8). Daniel, chamado de homem mui amado e desejado (Dn 9.23;10.11,19) costumava orar três vezes ao dia (Dn 6.10).

Não podemos esquecer nunca: a comunhão é fruto do relacionamento. O relacionamento só acontece na comunicação. A oração é o único meio de comunicação com Deus.

2. A oração com ação de graça.

A oração normalmente se constitui de petição, confissão, intercessão e ação de graças. Ações de graça são expressões gerais de gratidão a Deus por todas as Suas realizações em nossa vida, passadas, presentes ou mesmo futuras. Nesta atitude, o fiel faz menção daquilo que o Senhor fez em seu favor, salienta os dons recebidos, os quais constitui-se prova cabal do amor individual que o Pai celeste dedica a cada um de seus filhos. As páginas sagradas estão repletas de exemplos de piedosos homens que nunca descuidaram da importância do agradecimento:

Os salmistas

“Louvarei com cânticos o nome de Deus e exaltarei com ações de graças” (Sl 69.30).
“Cantai ao Senhor com ações de graças” (Sl 147.7).
“Perseverai na oração, vigiando com ações de graças” (Cl 4.2).

O apóstolo Paulo

"[…] dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 1.8).
“Perseverai na oração, vigiando com ações de graças” (Cl 4.2).

O próprio Jesus

"Então Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu entre os que estavam assentados, tanto quanto queriam; e fez o mesmo com os peixes" (João 6:11) .
"Pai, eu te agradeço porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves, mas disse isso por causa do povo que está aqui, para que creia que tu me enviaste." (João 11:41-42).

Portanto a orientação bíblica é que entremos na presença do Senhor com ações de graça: “Entrai pelas portas Dele com ações de graças, e em seus átrios com louvor, rendei-lhe graças e louvai ao seu nome” (Sl 100.5); e também: “Em tudo dai graças” (1Ts 5.18). Acredito que razões não faltam para sermos agradecidos – na prosperidade, reconhecemos que todas as bênçãos vêm de Deus; na adversidade, sabemos que Deus pode tirar algo bom daquilo que julgamos ruim. Essas verdades foram sintetizadas por August Ludwig Storm no poema que se segue:

Graças dou por esta esta vida, pelo bem que revelou
Graças dou pelo futuro e por tudo que passou.
Pelas bênçãos derramadas, pelo amor pela aflição,
pelas graças reveladas, graças dou pelo perdão.

Graças pelo azul celeste e por nuvens que há também;
Pelas rosas do caminho e os espinhos que elas têm.
Pelas noites desta vida, pela estrela que brilhou,
Pela prece respondida e a esperança que falhou..

Pela cruz e o sofrimento e, afinal, ressurreição;
Pelo amor que é sem medida, pela paz no coração;
Pela lágrima vertida, e o consolo que é sem par,
Pelo dom da eterna vida,sempre graça hei de dar.

3. Jesus destaca o valor da oração.

O ministério de Jesus foi marcado por um exemplo singular de oração. Do início ao fim de sua vida, Ele ressalta a importância da prática de conversar com Deus, primeiramente através de sua própria vida de constante oração (Mt 14.22-25), segundo, por meio de abundante ensino aos seus seguidores sobre por que eles deveriam orar (Mt 26.41), como eles deveriam orar (Lc 6.9-13) e o que deveriam evitar na oração (Lc 6.5-13).

Em Lucas 11.5-8, o Mestre cita uma curiosa parábola, conhecida como a do amigo importuno, onde o tema central é a oração. Uma pessoa vai à casa do amigo, à meia-noite, pedir  três pães emprestados; e conclui dizendo: “se o amigo não se levantar para atender, levando em conta a amizade, o fará por causa da importunação, atendendo prontamente”. O mesmo Lucas, no capítulo 18 de seu evangelho, afirma que “[Jesus] contou-lhes uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer” para introduzir a história de uma viúva pobre que, sentido-se injustiçada, pede justiça a um juiz iníquo que, a princípio não lhe deu importância, mas, devido a persistência da viúva, a socorreu, a fim de se livrar da importunação dela.

No tocante à sua própria experiência de oração, vemos que o Mestre, antes da difícil tarefa de escolher seus apóstolos, subiu ao monte e passou toda a noite em oração. Quando o dia raiou, Ele se levantou, e, além de escolher os doze apóstolos” (Lc 6.12,13), curou muitos enfermos (vv. 17-19) e pregou seus sermões mais conhecidos (vv. 20-49).

Antes de ir ao Calvário, Jesus orou insistentemente em favor de seus discípulos (Jo 17.1,9,20). Horas depois, na iminência de encarar a crucificação, o Filho de Deus subiu ao monte das Oliveiras, como costumava fazer, e lá no Guetsêmani, orou fervorosamente, submetendo-se à vontade do Pai (Lc 22.39-42).

Numa situação difícil, diante do sepulcro de Lázaro, morto há quatro dias, Jesus orou ao Pai, agradecendo-Lhe por sempre o haver ouvido (Jo 11.41,42). Jesus não tomava decisões importantes de improviso, nem apelava para os critérios humanos, de sorte que, do início ao fim de seu ministério, temos Nele um exemplo marcante de oração.

Pense nisto: Se a oração não fosse tão importante, Jesus não a teria enfatizado tanto.

II. A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA VIDA DO CRENTE

Toda vez que orava, o Espírito vinha ajudar-me a orar, tomando minha linguagem coreana e substituindo-a por uma linguagem celestial que eu jamais aprendera. Sabia que o meu espírito se tornara um com o Espírito Santo, e eu podia orar durante uma hora inteira ou mais com a maior facilidade.1
 1. O Espírito Santo, intercessor que nos socorre na oração. A comunicação entre o Deus infinito e a criatura finita seria impossível se não fosse a intervenção do Espírito Santo. É Ele quem nos guia neste processo, inspirando e comunicando vida às nossas orações, de forma a expressarmos ao Pai celeste os profundos sentimentos de nossos corações, inexprimíveis pelos recursos humanos. Se o Consolador não nos ajudasse a falar com Deus, nossas preces seriam como as dos fariseus, totalmente desprovidas de vida. Por isso é importante que, ao entrar na presença de Deus em oração, o crente esteja consciente de que não está sozinho, pois a Bíblia ensina que temos um intercessor, o qual orienta-nos a falar com o Pai celeste e intervém em nosso favor com gemidos inexprimíveis (Rm 8.26).

Precisamos considerar que as nossas orações são motivadas por uma montanha russa de emoções. Também po ação de graças e louvores, mas principalmente por embate (Gn 32.24-31), conflitos internos (Sl 73.16,17) e confronto com forças espirituais (Dn 10.12,13). Às vezes traduz uma tentativa desesperada de apaziguar o conflito entre a carne e o espírito, ou a procura de proteção e armadura contra as hostes espirituais da maldade (Ef 6.12ss), até mesmo a busca de força para conformar a própria vontade à vontade de Deus (Lc 22.41,42).

O escritor Philip Yancey apreende esse estado de espírito flutuante em seu comentário sobre as orações no livro dos Salmos:

O livro de Salmos dá exemplos de pessoas comuns, lutando freneticamente para harmonizar a crença que nutrem a respeito de Deus com o que estão experimentando no dia a dia. […] Este livro contém os diários angustiantes de pessoas que queriam crer num Deus bom, amoroso e fiel, enquanto o mundo continuava desabando à sua volta. 1

Em momentos assim, o Espírito Santo nos assiste em nossas orações: “Da mesma maneira também os Espírito ajuda as nossas fraquezas, porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8.26). Normalmente períodos de grandes aflições redundam em experiências profundas para o crente, quando ele sente bem de perto a ação intercessória do Consolador.

2. O Espírito Santo habita no crente. Nos momentos derradeiros do ministério de Cristo, Ele confortou os seus discípulos, garantido que eles não estariam sozinhos depois de sua partida, mas haveria de enviar o Espírito Santo, o qual – disse Jesus – “habita convosco e estará em vós” (1Jo 14.17). Depois da ressurreição, o Senhor Jesus cumpriu a promessa integralmente quando assoprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20.22).

Portanto, o crente salvo em Jesus é templo do Espírito Santo (1Co 6.19). Isso significa uma intimidade que excede em profundidade qualquer outra relação humana, porque o que está em nós conhece todas as nossas necessidades, anseios, pensamentos, falhas, sentimentos, desejos, frustrações e intenções, e é Sua ação que promove as características de Cristo em nós (Gl 5.22-25), renovando o nosso entendimento e nos conformando à boa, perfeita e agradável vontade (ver Rm 122).

III. COMO O CRENTE DEVE CHEGAR-SE A DEUS EM ORAÇÃO

1. Reverentemente. A maneira como nós apreendemos uma pessoa determina a nossa forma de se relacionar com ela. Já vimos em outras lições que Deus é Pai, o que nos encoraja a irmos a Ele como filhos. A Bíblia ensina que Deus é também Senhor, o que exige de nós a postura de servos. Ele é ainda o Criador, o que exige de nós a postura de criaturas. Em suma, tudo o que Deus é em relação a nós, exige em contrapartida uma postura de reverência diante Dele. Por isso as nossas palavras na oração devem ser delimitadas por uma atitude de respeito, obediência e gratidão. Afinal de contas, encontramo-nos diante Daquele a quem é devida toda honra, glória, louvor e exaltação , o Santo, Eterno, Todo-poderoso, justo e bom.

Outrossim, somente o reconhecimento grandeza de Deus revela as limitações e fraquezas humanas, um antídoto contra a soberba. Como bem observou o pastor Eliezer Silva, “A reverência voluntária a Deus e o seu santo temor em nós sufocam o orgulho , que é tão comum no homem e muitas vezes se encontra disfarçado extremamente nele, mas latente em seu interior”. 1

2. Honestamente. Ser honesto é proceder com decência, dignidade e compostura. O pastor Eliezer Silva foi feliz ao dizer que “quando o crente, convicto pelo Espírito Santo, e segundo a Palavra de Deus, arrependido confessa seus pecados, erros, faltas e fraquezas, os impedimentos são removidos para Deus agir em seu favor”.2 Para Deus, um coração honesto é aquele que reconhece as suas fraquezas e erros, e não busca meios nebulosos de escondê-los. Aliás, a honestidade é a virtude que marcou os profetas e salmistas. Como observa Yancey, “nos salmos aprendi que tenho o direito de levar a Deus qualquer tipo de sentimentos que tenha em relação a Ele. Não preciso disfarçar meus fracassos nem tentar limpar minha podridão; é bem melhor levar essas fraquezas a Deus, pois só Ele tem o poder de curá-las”.3 A Bíblia afirma que o crente torna-se alvo das misericórdia divinas, quando desnuda a sua alma perante Aquele que se compraz em perdoar o coração arrependido (Pv 28.13). Li em algum lugar que Deus ouve mais pessoas honestas do que pessoas “santas”. Temos um exemplo disso na parábola sobre o fariseu e o publicano (Lc 18.9-14), em que a sinceridade do publicano em pedir misericórdia pela sua condição de pecador contrastava com a hipocrisia do fariseu ao dizer que era justo. E Jesus conta que Deus atentou para a oração do publicando e desprezou a do fariseu.

O servo do Senhor, sempre que recorrer a Deus em oração, precisa estar no mesmo espírito do salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eteno” (Sl 139).

3. Confiantemente. A confiança em Deus é a admissão de nossas limitações e o reconhecimento de Seu poder ilimitado, bem como de seu caráter santo, justo e bom. Só se pode confiar em alguém a partir do conhecimento sólido de seu caráter e potencial, conhecimento que só se consegue dentro de um relacionamento estreito e permanente. Ao entrarmos na presença do Pai celeste, precisamos estar cônscios de que Ele nos ama (Sl 145.9), nunca nos perde de vista, preocupa-se com cada detalhe de nossas vidas e é galardoador dos que O buscam (Hb 11.6). O Senhor já nos deu uma prova gritante de que é confiável quando entregou o Seu Filho por nós: “Aquele que nem mesmo o seu próprio filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas” (Rm 8.23). “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.6).

CONCLUSÃO

A plenitude da vida cristã reside numa vida de constante oração. Somente por meio do hábito de orar, é possível ao homem desenvolver um relacionamento íntimo com Deus e se agigantar diante dos problemas da vida. Vivemos numa época em que a igreja discursa muito e ora pouco, mas o nosso pedido ao Pai das luzes é que esta lição, repleta de exemplos maravilhosos de homens que entregaram a vida no altar da oração, pois a entendiam como uma necessidade premente, já tenha começado a nos pôr de joelho. Lembro-me de ter ouvido o pastor da maior igreja da Coreia do Sul, David Yonggi Cho, afirmar que, se tivesse que dizer uma última palavra aos seus ouvintes, ele lhes diria: “Orem”. Não foi essa a mesma mensagem que Moisés, Davi, Jesus, Paulo e tantos outros heróis da fé nos transmitiram com o seu exemplo de vida?. O que estamos esperando então? Comecemos a orar agora.

Atenção: Para ver comentários de lições anteriores, consulte a página "Estudos bíblicos" na parte superior deste blog.
Contato (11)58972705






quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quero mais que conceito

Tenho muita dificuldade para assimilar os filósofos. Isso não significa que eu não os aprecie. Pelo contrário, acho até que as suas engenhosas elaborações foram imprescindíveis para que a humanidade atingisse o estágio em que se encontra hoje. Também acredito que algumas obras filosóficas deveriam ser de leitura obrigatória para a vida. Mas o grande problema é que as grandes construções filosóficas não são nada práticas. Com razão, já se foi dito que o que todos os filósofos têm em comum é o desejo inconsciente de não serem compreendidos, ou pelo menos de serem compreendidos apenas por uma parcela diminuta de iluminados.

Uma amiga me emprestou uma obra de Kierkegaard intitulada Desespero Humano, achou que o título tinha tudo a ver comigo. Neste caso, ela tinha razão: sempre achei que a condição humana ou leva à alienação ou ao desespero. Peguei o livro com sofreguidão e abri na primeira página, onde li esta mensagem “esclarecedora”: O desespero inconsciente de ter um eu – o que é verdadeiro desespero; o desespero que não quer e o desespero que quer ser ele mesmo. Confesso que fiquei tão desesperado que fechei imediatamente o livro, sem ao menos dar uma olhada na próxima frase. Desesperei por me sentir na obrigação de ler o referido livro – afinal de contas, a amiga disse ter tudo a ver comigo – e não ter disposição suficiente para continuar. Outra vez uma professora contou que demorou dois anos para, numa leitura programada, ler “Ser e Tempo” de Martin Heidegger. Haja vista que ela é da área da fenomenologia, tema central da filosofia Heideggeriana. Seu depoimento ergueu mais uma barreira, agora entre mim e a obra referida, e me convenci mais ainda que os filósofos são construtores de muros, não de pontes; de labirintos, não de estradas. Todavia é inevitável a angústia de saber que há realmente verdadeiros tesouros nos escritos desses autores, mas estão muito bem escondidos. E só alguns conhecem o mapa.

Gosto das coisas práticas, das respostas concisas, dos exemplos precisos. Não faz muito tempo, numa aula sobre soberania de Deus, um aluno perguntou ao professor o que era um déspota. (Ele fez essa pergunta porque o professor havia dito que soberania divina não é sinônimo de tirania ou despotismo e que, portanto, Deus não é um déspota). Aquele mestre poderia, a estilo dos filósofos, ter recorrido a um dicionário para uma definição prolixa e dizer que um déspota é aquele que exerce poder absoluto e arbitrário, ou o que domina tiranicamente, como normalmente fazem os palestrantes do programa Café Filosófico, da TV Cultura. Ele poderia ainda ter recorrido à etimologia da palavra e discorrido sobre as mudanças de significado sofrido pelo vocábulo no decorrer dos séculos, mas não havia tempo para uma resposta tão engenhosamente elaborada, e ninguém garante que ele seria entendido. Respondeu, então, que o Fidel Castro é um déspota e foi imediatamente compreendido – pelo menos é o que imagino. Outro aluno o ajudou citando Hugo Chavez.

Dias atrás, ouvi outro professor falar para um grupo de jovens sobre lealdade. Todos estávamos ansiosos para saber o real significado desta virtude. O palestrante comentou que há conceitos que não podem ser compreendidos à luz de outros conceitos, por isso ele precisava recorrer a factualidade da vida para, como dizia Voltare, definir os termos. Citou a história de Ananias , Misael e Azarias, os três jovens hebreus que desafiaram o grande rei Nabucodonosor e, por se recusarem terminantemente a adorarem outro deus além de Iavé, foram lançados numa fornalha. E finalizou dizendo que o conceito correto de lealdade encontrava-se na atitude arrojada daqueles três jovens. Quem quisesse ser leal deveria agir do mesmo jeito. Os ouvintes ficaram maravilhados com a praticidade da definição. Eu particularmente amei.

Imagino que deva ser por isso que tenho fascínio por Jesus de Nazaré, por sua forma muito particular de definir grandes verdades, recorrendo a fatos ou personagens do cotidiano. Ora o Mestre citava um pescador arrumando as redes, ora se referia a uma mulher procurando sua moeda perdida, e ensinava verdades que as palavras de um dia todo não conseguiriam dizer. Por isso e muito mais, Ele supera, de longe, todos os mestres que já passaram por este mundo. Jesus apelava para o imediatamente vivido e evitava os borbotões de conceitos próprios dos filósofos. Fico imaginado se ele resolvesse conceituar temas profundos como a solicitude doentia pela vida, ansiedade, espiritualidade, o problema do sofrimento e da morte, usando o estilo de Kierkegaard, Russerl, Heidegger e tantos outros, o Cristianismo seria privilégio de poucos iluminados. Mas Jesus era mais que conceito, era praticidade: mostrava pássaros tranquilos voando e dava uma aula profunda sobre ansiedade e solicitude pela vida. Ao referir-se ao sofrimento e à morte, comentava sobre o grão de trigo que precisa morrer no solo para dar muitos frutos; se não morrer, fica sozinho. Sobre a nova religião que veio trazer, contava sobre um homem que achou um tesouro enquanto trabalhava no campo e vendeu tudo o que tinha para comprar a propriedade onde estava o tesouro. O Mestre sabia que um exemplo vale mais que mil palavras e, portanto, revolucionou a história humana com suas parábolas, as quais são amadas por bons leitores até hoje.

A minha dificuldade com os filósofos é a mesma que tenho com alguns pregadores do evangelho da atualidade: simplesmente não consigo compreendê-los. Eles se transformaram em verdadeiros filósofos de púlpitos. Havendo já espremido tanto a Bíblia e não conseguindo mais tirar dela uma mensagem nova todos os dias para atenderem a uma agenda superlotada, muitos começaram a falar coisas tão embaraçosas que parecem mais aula de filosofia heideggeriana do que pregação evangélica. Outro dia, sintonizei uma rádio gospel, um pastor renomado estava pregando sobre os males que a religião causa nas pessoas, e então ele enveredou por uma emaranhado discurso acadêmico sobre o assunto. Sinceramente este academicismo de púlpito me deixa inconvertido. Primeiramente o dileto pastor distorceu a Palavra de Deus atribuindo à região um significado pejorativo, quando, na verdade, a própria Bíblia legitima a religião, discriminando, é claro, a pura e imaculada (Tg 1.27). Ou talvez o mesmo tenha esquecido que o Cristianismo é a maior de todas as religiões. Desconfio que ele não sabia o que estava falando.

Outro tema que tem se tornado em verdadeiros tratados filosóficos é o avivamento espiritual . Ouvi um pregador dar algumas definições de avivamento, e também definir o que o avivamento não é. Ele se valeu da oração de Habacuque para dizer que avivamento é o ato de Deus, causado por Ele mesmo, de ministrar a sua unção sobre o seu povo no decorrer dos anos. O mesmo ainda afirmou que avivamento é um retorno ao princípio - creio que se referiaco à igreja primitiva - ou um retorno à coisa mesma. Dá prara entender isso?

Agora, em relação ao poder miraculoso outorgado pelo Espírito Santo à igreja, já estão falando de duas dimensões de poder: o poder parcial e o poder dinâmico. Um irmão bem intencionado tentou-me explicar a diferença entre ambos, mas – valeu pela intenção – eu não entendi nada. Fico imaginando Jesus ministrando uma aula sobre pregação, ou homilética, o que Ele diria destes pregadores, todos muito eruditos para usarem a simplicidade do “era uma vez” que o Mestre usou a exaustão.

Sinceramente tenho andado preocupado com esta avalanche de definições eruditas, tão parecidas com as construções filosóficas, desacompanhadas de praticidade, irrelevantes para a vida real, e alheias a simplicidade do evangelho que têm inundado algumas igrejas. Lembro-me de uma definição pejorativa de filosofia que alguém, provavelmente enroscado com um desses emaranhados tratados filosóficos, cunhou: “Quando quem fala não sabe bem o que está falando, e quem ouve não sabe bem o que está ouvindo, isto é filosofia”. Pois bem, o universo evangélico também produziu seus filósofos, de sorte que poderíamos usar a definição pejorativa acima para dizer que “quando quem fala não sabe bem o que está falando, e quem ouve não sabe bem o que está ouvindo: é o que tem sido algumas pregações do evangelho na atualidade.













quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O anseio da alma humana





“Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti, o meu corpo te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água.”
O clamor do salmista neste salmo é um anelo inerente toda alma humana. Consciente ou inconscientemente, todas as pessoas suspiram por Deus em seu íntimo.

Segundo a Bíblia, Deus criou o homem para ter comunhão com Ele (ver Gn 2.18-20; 3.9), portanto o propósito da vida de todo ser humano seria andar com o seu Criador e glorificar-lhe o nome santo. Desviado desse objetivo final da existência, a criatura, como não poderia deixar de ser, acha-se acometida de uma crônica falta de sentido. É como se o chapéu, feito obviamente para a cabeça, estivesse sendo usado como sapato. Não teria sentido. Foi o pecado que desviou o homem do plano original que o Criador traçou para a sua vida (Rm 3.23). A palavra grega usualmente para pecado é “hamartia” e tem o sentido básico de “errar o alvo”. Como um arqueiro que atira a flecha, mas erra o alvo,  o pecador erra no tocante ao objetivo final da vida: fazer a vontade de Deus e ter comunhão com Ele. Isso explica o vazio existencial que tem acometido os corações.

O romancista russo Fiodor Dostoievski disse que há no homem um vazio do tamanho de Deus. Nessa afirmativa reside a explicação para tantos desatinos perpetrados pela espécie humana na busca insaciável de se preencher.

Albert Camus, filósofo francês, afirmou uma vez que o homem não pode viver sem significado. E este parece ser o grande mal do mundo hodierno: falta de um significado legítimo para a existência.  Nós nascemos, passamos a vida fugindo e morremos fugitivos. Fugimos porque consciente ou incosncientemente rejeitamos a realidade mais desconcertante de todas: erramos o alvo e precisamos retornar imediatamente ao Criador.

O doutor Fábio Ikedo, no livro Um Vazio do Tamanho de Deus, conta que há alguns anos foi efetuada uma pesquisa de opinião pública na França. O resultado mostrou que 89% das pessoas consultadas admitiram que o ser humano precisa de “algo” pelo qual possa viver, ou seja, andam em busca de alguma outra coisa que eles não sabem o que é. Estão como os atenienses que buscavam um deus cujo nome não sabiam e, por isso, se reportavam a ele chamando-o de deus desconhecido (At 17.23).

Um levantamento - continua o doutor Fábio Ikedo - feito com 100 alunos da Universidade de Havard, todos provenientes de famílias abastadas, revelou que 25% desses alunos duvidavam que suas vidas tivessem algum sentido. Revistas psiquiatras relatam que esse mesmo fenômeno ocorria em todos os países comunistas.

O evangelista Billy Graham disse certa vez: “Queremos paz e alegria e felicidade que não achamos em lugar nenhum, porque isso não pode se achar à parte de Deus”. Perfeito. Os seres humanos nunca estarão satisfeitos com aquilo que têm, pois a necessidade da alma é grande demais, é da ordem do eterno, e, portanto não pode ser preenchida com coisas fúteis e perecíveis. Muitos têm buscado preencher-se com os tesouros deste mundo: dinheiro, fama, prazeres; outros se entregam ao sexo, drogas e álcool, mas a sensação de que algo está faltando é onipresente. Não adianta tentar fugir: o homem vai dar sempre de cara com esta realidade: ou Deus ou o caos. Paulo diria que esse “algo” que vocês buscam, sem nem mesmo saber o nome, é o Deus que eu anuncio, o Criador dos céus e da terra (ver At 17.23,24).

sábado, 21 de agosto de 2010

O que há com o homem?

Há os que criticam a maneira de viver do homem pós-moderno. Comentam que o capitalismo, que lança a sociedade na esteira do consumismo doentio, tem levado as pessoas a um estado de total alienação. A crítica mais forte e convincente que já tenho ouvido diz que corremos o tempo todo em busca de coisas a que atribuímos significado maior do que a própria vida (vida dos outros principalmente), que no afã de atender as obrigações de uma agenda abarrotada, reclamamos o tempo todo da exiguidade do tempo, mas quando nos desocupamos de alguma obrigação, o tempo contiua exíguo. Um amigo me contou que o tempo nunca era suficiente para executar as tarefas necessárias, até que um dia teve que parar de trabalhar por um problema de saúde, e ele lamentou que o tempo continuou exíguo. Uma professora comentou que o microondas economizou um tempinho nosso, mas nós não sabemos onde foi parar este tempo ou o que fizemos dele.

Funcionamos no automático o tempo todo, fazemos coisas que nem sabemos por que nem para quê. Outro dia, ouvi alguém contar de um senhor que, de repente, começou olhar para o céu e apontar alguma coisa. Poucos minutos depois, muitas pessoas à sua volta estavam também olhando para o céu e apontando, o quê, ninguém sabe. Isso ilustra muito a maneira de viver do homem atual. Ele é acometido por uma ansiedade por fazer o que todo mundo faz, em busca de objetivos que já estão predeterminados socialmente, objetivos que dificilmente lhe conferirão sentido à vida, mas que ele busca porque todo mundo busca.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) chamou este corre-corre, nas esteiras das múltiplas possibilidades, de dispositivo de fuga. Disse que as pessoas de sua época viviam na impropriedade, o que significa viver uma vida inautêntica, para fugir da angústia de se entrar em contato cosigo mesmo e evitar a angústia de pensar na finitude da existência, para a qual o homem se projeta. Para Heidegger, impropriedade é essa busca irrefletida pelo deleite nas coisas que possam conferir algum sentido à vida  e, quanto mais colado a elas o indivíduo fica, menos ele se conscientiza de sua real condição de finito e sesamparado no mundo. Por outro lado, à real condição humana, perdida na inautenticidade de nossas fugas cotidianas, ele chama de propriedade, ou seja, essa capacidade do ser de se apropriar de seu real estado, que é grande geradora de angústia. Em outras palavras, as escolhas que fazemos e ações que praticamos acontecem numa roda que gira continuamente em torno de um eixo que determina a velocidade e a posição em que tudo acontece. Somente aqueles que ousarem pular fora conseguirão viver uma vida autêntica. Mas pular fora resultará em angústia, muita angústia, principalmente pelo revés da queda. E ninguém quer dar conta dessa angústia. Amo uma frase de uma professora que disse: "A gente se agarra em sentidos fixos (um eixo) para não dar conta da angústia".

Ouço e leio esses pensadores e confesso que acho seus discursos muito bonitos, mas fico me perguntando se haveria outro jeito de este mundo se configurar que não causasse tanta insatisfação e controvésias.  Imagino que a maneira de ser do homem pós-moderno é, de alguma forma, a concretização de sonhos ambiciosos sonhados por outros homens que viveram de maneira bem diferente da nossa. Tenho dúvidas sobre se este ou aquele sistema personalizou-se, como fazem parecer os críticos, e, ardilosamente, elaborou padrões rígidos de condutas sociais para moldar o jeito de ser das pessoas. E aí eu fico me perguntando: A maneira de a gente estar no mundo poderia ser diferente? Se fosse, viveríamos melhor? Preencheríamos o nosso vazio a ponto de não precisarmos mais do comportamento que Heidegger chamou de fuga? Será que os padrões que temos foram preestabelecidos para determinar o nosso jeito de viver, ou é o nosso próprio jeito de viver que estabelece os padrões?

Lembro de ter ouvido o evangelista Billy Graham falar de um jovem que quando estava no campo, o seu maior desejo era ir para a cidade; mas, quando estava na cidade, sentia-se vazio e fugia para o campo. Talvez se isso aqui ainda fosse como nos calmos dias da sociedade campestre, nós estivéssemos lutando por algo bem parecido com o que temos hoje, como já fizeram os nossos antepassados. Por isso, olho com ceticismo os que ferrenhamente criticam os padrões que regem o comportamento da sociedade hodierna e desconfio que esta impropriedade denunciada por Heidegger caracterizaria melhor os que andam na contramão da maneira de se conduzir do homem contemporâneo, pois se todos estão fugindo, a experiência coletiva da fuga confere autenticidade a todos. Como dizia... parece-me que foi T. S. Eliot: "Num mundo em que todos são fugitivos, quem vai na direção contrária é que parece estar fugindo".

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Se...

Se você consegue manter a cabeça fria quando todos a sua volta se desesperam e põem a culpa em você.
Se você consegue esperar sem se cansar...
Se você suporta ouvir a verdade que você proferiu sendo distorcida por trapaceiros em arapuca para os tolos...
E resistir quando não houver nada em você, exceto a vontade que lhe diz: Resista.
Se você é capaz de fazer frente ao triunfo e ao infortúnio e tratar estes dois impostores adequadamente...
Sua é a terra e tudo quanto há nela...
E, o mais importante, você será um homem, meu filho.

Rudyard Kipling

domingo, 8 de agosto de 2010

INVICTUS

                       William E Henley

Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.


VERSÃO ORIGINAL EM INGLÊS

Out of the night that covers me,           

Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A soberania de Deus e o Livre Arbítrio Humano

“Pois o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno” (Dt 10.17).


Deus é soberano, porém,  apesar de sua soberania, concedeu livre-arbítrio aos homens. Embora estejamos cônscios da complexidade deste assunto e das controvérsias que têm gerado na história da Teologia Cristã, buscaremos um esclarecimento bíblico sobre o assunto. O que realmente significa “soberania de Deus”? “Qual o grau de liberdade humana?” “Como conciliar soberania divina com liberdade humana? Ou como casar a responsabilidade humana e a graça de Deus no processo da salvação?” São estas e outras questões correlatas que procuraremos esclarecer aqui.

A ONIPOTÊNCIA DE DEUS

A onipotência é um dos atributos naturais de Deus e significa que Ele é poderoso para executar tudo o que a sua soberana vontade conceber. O vocábulo onipotência deriva-se de dois termos latinos: omni, tudo, e potens, poderoso, e significa, portanto, “todo-poderoso”. Realmente, segundo a Bíblia, não há limites quanto ao poder de Deus em fazer o que Ele decide fazer. Sua onipotência encontra-se explicitamente mencionada nas Escrituras: na retórica pergunta que o anjo fez a Abraão: “Existe alguma coisa impossível para o Senhor?” (Gn 18.14); na declaração de Jeremias: “Nada é difícil demais para ti” (Jr 32.17); do anjo Gabriel a Maria: “Porque para Deus nada é impossível” (Lc 1.37); de Jesus aos seus discípulos: “Mas a Deus tudo é possível” (Mt 19.26); na oração de Paulo pelos efésios: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera” (Ef 3.20); por fim, naquilo que o próprio Deus disse de si mesmo: “Ainda antes que houvesse dia, eu sou, e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; operando eu, quem impedirá?” (Is 43.13; cf Gn 17.1; Is 14.27; Ap 1.8). A onipotência de Deus está também patente na maneira como Ele criou, preserva e governa o Universo. Segundo Hb 1.3, Ele é o Criador e sustentador do universo. Paulo diz que “nele tudo subsiste” (Cl 117); e ainda: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28). Os levitas já diziam: “Só tu és Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles, e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6).

A VONTADE DE DEUS

A vontade de Deus é a razão última e final pela qual todas as coisas acontecem. Nada neste vasto universo pode fugir ao controle de sua soberana vontade. Segundo definição de Wayne Grudem, a vontade de Deus é o atributo pelo qual Ele aprova e determina dar origem a cada ação necessária para a existência e atividade de Si próprio e de toda a criação. As Escrituras afirmam a supremacia da vontade de Deus em muitas passagens. Para começar, todas as coisas foram criadas pela vontade de Deus: “... criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas” (Ap 4.11). Paulo diz que Deus “faz todas as coisas segundo o propósito de sua vontade” (Ef 1.11). Daniel diz que os governos humanos acontecem conforme a vontade de Deus (Dn 4.32). Os eventos relacionados à morte de Cristo aconteceram segundo a vontade de Deus (At 4.27,28). Tiago nos aconselha a que vejamos todos os eventos da vida humana relacionados à vontade de Deus (Tg 4.13-15).

CONCILIANDO ONIPOTÊNCIA E VONTADE

A onipotência de Deus deve ser compreendida dentro da expressão de sua vontade, isso porque, apesar de Ele possuir poder infinito, não pode agir em dissonância com o seu caráter santo. Por isso que tivemos cuidado de definir a onipotência de Deus como a sua capacidade de fazer toda a sua vontade. O caráter santo de Deus delimita suas ações, impossibilitando-o de fazer algumas coisas. Por exemplo: Ele não pode mentir (Tt 1.2) nem pode negar-se a si mesmo (2 Tm 2.13). Embora o seu poder seja infinito, o uso que Ele faz desse poder é qualificado por seus outros atributos, e quando um atributo é isolado da totalidade do caráter divino, ou quando é enfatizado de forma desproporcional, podem surgir muitas compreensões errôneas.

A VONTADE DE DEUS E O LIVRE ARBÍTRIO HUMANO

Quando se afirma que tudo o que existe e acontece obedece à determinação da vontade de Deus, parece que se estar confrontando um outro ensino exarado nas Escrituras: o livre-arbítrio humano, pois se tudo acontece segundo a vontade divina, onde estaria a liberdade humana? Parecem duas premissas excludentes: Deus é soberano, logo o homem não é livre. Todavia, um exame cuidadoso das Escrituras pode nos ajudar a conciliar duas posições aparentemente irreconciliáveis.

Quando Deus criou o gênero humano, Ele o fez segundo a sua imagem e semelhança (Gn 1.27), deu-lhe capacidade para discernir entre o bem e o mal (Gn 2.16), e lhe outorgou o direito de escolha (ver Dt 30.15). Não é contraditório dizer que Deus, soberanamente, delegou livre arbítrio a algumas de suas criaturas. Ele não tinha necessidade de assim fazer, mas o fez soberanamente. Por isso, apesar de ter poder para impedir as ações de quem quer que seja, Deus escolheu não interferir nas escolhas humanas (Gn 2.15-17; 3; 4.7; Dt 30.15). É neste aspecto que fomos feitos à imagem e semelhança do Criador: somos criaturas racionais, com a capacidade de fazer nossas próprias escolhas morais, até mesmo aquelas que contradizem a vontade divina. A esta atitude bondosa e respeitosa do Criador em relação às escolhas de suas criaturas chamamos de vontade permissiva de Deus. É dessa forma, portanto, que a Bíblia casa perfeitamente soberania de Deus e livre-arbítrio-humano.

Uma questão interessante que não podia se omitir aqui é sobre a aplicação da salvação. Paulo diz na carta aos Romanos que Deus nos predestinou a salvação por meio de Cristo (Ver 8.29,30). Alguns objetam que, se Deus predestinou alguns para a salvação, logo estes não são livres para escolherem que posição tomar em relação à oferta graciosa de Deus. Dizem que, neste caso, o livre-arbítrio humano e a soberania de Deus se excluem mutuamente, pois se é por predestinação, não há liberdade de escolha. Esse raciocínio não se sustenta quando analisamos o assunto sob o argumento da onisciência divina. O Eterno sabe de antemão o que cada pessoa fará com a sua liberdade e, se deliberadamente, aceitará ou não a graça salvífica, porém não interfere, apesar de que seu desejo é que todos os homens se salvem ao cheguem ao pleno conhecimento da verdade (ver 1 Tm 2.11).

VONTADE DIRETIVA E PREDESTINAÇÃO

Neste aspecto, a vontade de Deus não transige com o arbítrio humano. Sua soberania garante que todo o seu propósito será minuciosamente executado. Jó disse: “Bem sei eu que tudo podes e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42.2). Isaías afirma: “Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem pois o invalidará? e a sua mão estendida está; quem pois a fará voltar atrás?” (Is 14.27). É Ele quem governa o universo e determina o que vai acontecer. Vale transcrever aqui um comentário de Wayne Grudem sobre a vontade diretiva de Deus:

Também consideraremos a liberdade de Deus como parte da vontade de Deus, mas ela passa a ser atributo separado. A liberdade de Deus é o atributo pelo qual Deus faz qualquer coisa que lhe agrade. Essa definição sugere que nada em toda a criação pode impedir Deus de fazer a sua vontade. Deus não é forçado por nada externo a Si próprio, e ele é livre para fazer qualquer coisa que deseje fazer. Nenhuma pessoa ou força pode jamais ditar a Deus o que ele deve fazer. Ele não está debaixo de autoridade alguma nem sob compulsão externa (GRUDEM, Wayne A. Manual de teologia sistemática. São Paulo:Vida, 2001, p 103).

É dentro deste contexto que surge a doutrina da predestinação, que permeia toda a Bíblia Sagrada, principalmente o Novo Testamento. O Senhor, em sua soberania, escolheu e predestinou um povo para ser conforme a imagem de seu Filho (Rm 8.29,30). Na carta aos Efésios, Paulo afirma: “Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença” e “ em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo conforme o bom propósito de sua vontade, para o louvor de sua gloriosa graça” (Ef 1.4-6). Todavia, a predestinação só pode ser corretamente compreendida à luz de outra doutrina bíblica: eleição. Eleição é a iniciativa divina de, antes da criação, ter escolhido um povo para Si, não com base em qualquer mérito do povo, mas pelo propósito soberano de Deus. Quando Paulo afirma que Deus escolheu para si um povo, ele está enfatizando que a salvação é obra exclusiva de Deus. Note que em Efésios 1.4, Paulo diz que nós fomos escolhidos nele [em Cristo]. Isso deixa claro que a eleição de Deus ocorre apenas para aqueles que estão unidos a Cristo mediante a aceitação de seu sacrifício vicário por meio da fé. Uma vez que Cristo foi eleito desde a eternidade (Mt 12.18; Is 42.1,6), todos os que se chegam a Ele são com Ele aceitos e predestinados à salvação, conforme a teologia paulina em Romanos 8.29,30. A processo eleição- predestinação não se trata de algo aplicado individualmente, mas coletivamente. Considere que Deus escolheu um povo para si (1 Pe 2.9,10); este povo é a sua igreja que está predestinada à salvação (Mt 26.18). Logo, como no comentário da Bíblia de Estudo Pentecostal, a eleição de Deus é coletiva e abrange o ser humano como indivíduo somente a medida em que este se identifica e se une ao corpo de Cristo, a igreja verdadeira.

PREDESTINAÇÃO E LIVRE ARBÍTRIO

Predestinar significa destinar de antemão, escolher [os justos] desde toda a eternidade, reservar (dicionário o Globo). A Bíblia freqüentemente usa o verbo grego proorizo, “demarcar de antemão”, determinar antes”, “preordenar”, para traduzir a idéia segundo a qual Deus predestinou um povo para si desde tempos eternos, não com base em qualquer mérito previsto nas pessoas, mas somente por causa de seu beneplácito soberano. Esses versículos têm suscitado muitas controvérsias e mal-entendidos entre os estudiosos das sagradas letras.
Em Rm 8.28-30, lemos: “Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou [proorizo] para serem conformes a imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o Primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a estes também chamou, e aos que chamou, a estes também glorificou”. Na carta Aos Efésios, Paulo diz que Deus nos escolheu em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença, e que em amor, Deus nos predestinou (proorizo) para filhos de adoção por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade (ver vv 4-6). Na seqüência, no versículo 11, Paulo reforça dizendo: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados [proorizo], conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho de sua vontade”. No livro do Apocalipse, João fala de pessoas cujos nomes foram escritos no livro da vida desde a fundação do mundo, como também de outras que não tiveram o mesmo privilégio (ver Ap 13.7,8; 17.8).
Para um estudo mais abrangente do assunto, é possível achar muitos outros versículos da mesma natureza, todavia, como nos limitamos à predestinação para a salvação, resta-nos salientar que quando os escritores neotestamentários falam sobre a razão de Deus nos ter salvado e reservado para si, nega totalmente que foi por causa de algum mérito nosso e enfatiza que foi única e exclusivamente pelo propósito soberano de Deus e de sua incomensurável graça que Ele nos concedeu em Cristo Jesus desde os tempos eternos (1 Tm 1.9). Isso é a doutrina da predestinação.

Bom, já vimos que a doutrina da predestinação é fato. Agora vamos para a segunda questão: os seres humanos têm ou não o livre arbítrio? Somos realmente livres? Bom, encontramos em Dt 30.19 o Senhor propondo dois caminhos diante dos filhos de Israel e lhes falando para escolher entre ambos. Nos escritos do Novo Testamento, vemos que Deus deseja que todos os homens se salvem. (1 Tm 2.4). E Pedro diz que “ele [Deus] é paciente com os homens, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2 Pe 3.9). É dentro dessa perspectiva que o evangelho é ofertado a todos. Jesus mesmo lança o convite: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Da mesma forma, vemos um convite no final do livro de Apocalipse: “O Espírito e a noiva dizem: Vem. Quem tiver sede venha; e quem quiser beba de graça da água da vida” (22.17). Vemos então que há um convite constante para que os homens se arrependam (Lc 13.3; At 2.38) e creiam (Jo 3.36; At 16.31). Estes convites só podem ser feitos a pessoas que são capazes de ouvir e respondê-los por uma decisão de suas próprias vontades. Isso significa que fazemos escolhas deliberadas por cujas conseqüências nos responsabilizamos. Em relação a aceitar ou não o convite do evangelho, Jesus diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16.16). As Escrituras falam de nossa decisão de crer ou não como o fator que decidirá o nosso destino eterno. Este é o ensino do livre-arbítrio, segundo as Escrituras.

Sendo que a Bíblia enfatiza tanto a doutrina da predestinação como o ensino do livre-arbítrio, parece que estamos diante de um impasse (leia Rm 9.19). Como casar os dois ensinos que parecem mutuamente excludentes? É o que muitos teólogos têm tentado fazer do decorrer da história da Teologia, suscitando discussões e explicações das mais diversas ordens. A seguir mostraremos as interpretações mais conhecidas.

Existem duas teorias sobre a predestinação: a calvinista e a arminiana. A teoria calvinista vem de João Calvino;a teoria arminiana tem sua origem em Armínio, que foi discípulo de Calvino. Segundo os calvinistas, a salvação é algo que depende única e exclusivamente de Deus, e o homem não tem nenhuma participação. Dessa forma, Deus, em sua soberania, escolheu, desde a eternidade, salvar alguns, ao mesmo tempo em que resolveu não salvar outros. Os salvos estão incondicionalmente salvos, e os perdidos, incondicionalmente perdidos. Quando questionados sobre o fato de que, posto desta forma, a doutrina da predestinação exclui totalmente o livre arbítrio, respondem os calvinistas que o livre arbítrio é a capacidade de se fazer o que se quer, mas é Deus quem dá os desejos e afeições que controlam a ação. Esta explicação era apresentada por Jonathan Edwards. Argumentando assim, eles conseguem casar livre-arbítrio com predestinação.

Os arminianos divergem do calvinismo ao dizerem que a salvação é uma realização da livre graça de Deus, mas a pessoa tem a liberdade para rejeitar ou aceitar esta oferta graciosa. Com base no clássico texto de Romanos 8.29-31: Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que Ele seja o Primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a estes também chamou, e aos que chamou, a estes também glorificou”, os arminianos argumentam que Deus, na sua presciência, determinou, desde a eternidade, amar e redimir a raça humana através de Cristo. A predestinação supra referida diz respeito à igreja, passando a fazer parte as pessoas individualmente somente a partir do momento em que elas passam a fazer parte deste corpo coletivo mediante a fé permanente em Jesus. Os arminianos argumentam ainda que a predestinação (v 30) se aplica aos propostos de Deus referentes à eleição. Esta eleição, segundo o conceito arminianista, trata da escolha feita por Deus de um povo para si, porém é uma escolha feita “em Cristo”. O povo escolhido é a “Igreja Verdadeira”, incluindo aí todas as ocorrências que abrangem os indivíduos. Os comentaristas da Bíblia de Estudo Pentecostal apresentam uma interpretação parecida:

A PREDESTINAÇÃO (gr. Proorizo) significa “decidir de antemão” e se aplica aos princípios de Deus inclusos na eleição. A eleição é a escolha feita por Deus, “em Cristo”, de um povo para si mesmo (a igreja verdadeira). A predestinação abrange o que acontecerá ao povo de Deus (todos os crentes genuínos em Cristo).
(1) Deus predestina seus eleitos a serem: (a) chamados (Rm 8.30); (b) justificados (Rm 3.24); (c) glorificados (Rm 8.30); (d) conformados à imagem de seu Filho (Rm 8.29); (e) santos e inculpáveis (1.4); (f) adotados como filhos (1.5); (g) redimidos (1.7); (h) participantes de sua herança (1.13; Gl 3.14); (i) criados em Jesus Cristo para as boas obras (2.10).
(2) A predestinação, assim como a eleição, refere-se ao corpo seletivo de Cristo (i.e., a verdadeira igreja), e abrange indivíduo somente quando incluso neste corpo mediante a fé viva em Jesus Cristo (1.5,13; cf. At 2.38-41; 16.31). (Bíblia de Estudo Pentecostal, p 1808).

OBS. Não foi sem propósito que demos mais ênfase à apresentação da segunda interpretação, deixando assim claro a nossa posição em favor da mesma. Isso não significa que o assunto está fechado e que haja respostas para todas as questões levantadas sobre este difícil assunto. Tanto calvinistas quantos arminianos se acham às vezes em dificuldade diante de algumas objeções levantadas, mas não é o caso de discutirmos aqui, até porque o nosso propósito é esclarecer, não confundir. Paulo, quando tratou do assunto na carta aos Romanos (cap 9), previu questões difíceis de serem respondidas, porém o apóstolo não procurou lançar ainda mais confusão na cabeça de seus leitores com respostas superficiais, antes atribuiu a Deus o direito de agir conforme o seu próprio critério sobre as suas criaturas: “Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto quem resiste à sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu que a Deus repicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma forma fazer um vaso para a honra e outro para a desonra?” (Rm 9.19,20). Vale salientar ainda neste tópico a recomendação do pastor Elinaldo Renovato para que evitemos os extremos neste assunto: nem uma predestinação fatalista - o que a Bíblia não ensina -, nem uma livre-escolha absoluta, como se a salvação dependesse de algum mérito humano. Por uma questão de segurança, atentemos para a explicação paulina: Deus é soberano e tem o direito de agir como bem lhe convier.

4. A obra redentora e a presciência de Deus. Já vimos que os salvos foram predestinados para a salvação mediante a obra redentora de Cristo desde tempos eternos (1 Tm 1.9; 2 Ts 2.3). Surgem novamente as objeções: se Deus escolheu alguns, Ele rejeitou outros? Como um Deus de amor e de Justiça agiria dessa forma? Uma forma coerente de responder a essa objeção seria entender que Deus pode predeterminar as ações humanas pelo menos de duas maneiras. Primeiro, Ele pode predeterminar com base nas livres escolhas já feitas, esperando para ver o que a pessoa vai fazer. Segundo, Ele pode predeterminar com base na sua onisciência, sabendo de antemão o que a pessoa fará de acordo com o seu pré-conhecimento (1 Pe 1.2). Estas posições são muito coerentes com o livre-arbítrio. Deus sabe antecipadamente como cada pessoa agirá no exercício de sua liberdade, então não seria paradoxal dizer que Deus pode determinar o futuro das pessoas pelo livre-arbítrio delas. Sendo assim, o futuro é determinado do ponto de vista do conhecimento infalível de Deus, mas livre do ponto de vista da escolha humana.
Destarte, Deus enviou seu filho para morrer por todos os homens (1 Tm 4.10) e o seu desejo é que todos se salvem (1 Tm 2.4), apesar de saber de antemão acerca daqueles que rejeitarão a oferta de salvação (cf Jd 4). Constitui-se, pois, uma decisão muito difícil para o Pai de amor, não interferir nas decisões de pessoas que Ele sabe que vão para a perdição. Note: Não é Deus que as envia. Elas escolhem. O Eterno não tem nenhum prazer nisso.


CONCLUSÃO

Louvemos a Deus por nos ter elegido em Cristo desde a fundação do mundo e guardemos diligentemente o que dele alcançamos, a fim de que ninguém tome a nossa coroa (ver Ap 3.11),afinal de contas, o dom vem de Deus, mas a aceitação e a responsabilidade de guardá-lo é nossa.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Paulo, um modelo de líder servidor

“E nós, cooperando com ele, vos exortamos a que não recebais a graça de Deus em vão” (2 Co 6.1).

Como continuação de sua defesa ante as acusações de alguns crentes de Corinto, Paulo apresenta, no capítulo seis de sua segunda carta àquela igreja, um histórico pessoal de dedicação e cuidado para com a igreja de Cristo. Ele relata suas muitas tribulações, que resultaram do seu serviço prestado ao Reino de Deus, como cooperador de Cristo (v. 1), bem como a sua preocupação por viver uma vida ilibada, a fim de evitar censura ao seu ministério (v. 3). Ressalta-se neste capítulo a sua liderança baseada no serviço, que ele copiou do Senhor Jesus, o qual disse que quem quiser liderar tem que primeiramente servir (Mt 20.26). Nesta oportunidade, vamos, portanto, tratar das qualidades de liderança deste homem que tanta influência causou nos cristãos de todos os tempos, aprender com o seu altruísmo, sua prontidão em sofrer as maiores agruras para promover o bem-estar dos servos de Deus, suas fantásticas experiências, enfim com o grande líder- servidor que ele foi.

I. ENTENDENDO LIDERANÇA SERVIDORA

No best-seller O Monge e o Executivo, o consultor James C. Hunter define liderança como habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente na busca dos objetivos identificados como sendo para o bem comum. Hunter apresenta um novo modelo de liderança, já há algum tempo, muito disseminado e praticado por grandes corporações no mundo inteiro, o qual rompe com o velho modelo piramidal que consiste em uma pirâmide dividida em cinco colunas, onde, numa escala decrescente, estão o presidente no topo, o vice-presidente, gerentes e supervisores na sequência, e na base, os empregados. Segundo este velho paradigma, toda a corporação tem o olhar voltado para cima, objetivando fazer o chefe feliz, muitas vezes ignorando as necessidades dos clientes.

No modelo apresentado por Hunter, a pirâmide se inverte, os colaboradores assumem o topo e o presidente assume a base; a idéia é que o objetivo do presidente e de seus auxiliares mais diretos é trabalhar para atender às reais necessidades (necessidades, não vontades)dos colaboradores, a fim de que estes, tendo as suas necessidades atendidas, possam dar o melhor de si aos clientes. Este novo modelo de liderança é denominado pelo autor em apreço de “liderança a serviço” e, segundo ele, foi copiado de Jesus Cristo, o qual ensinou que a influência e a liderança devem ser construídas sobre um espírito de servo (ver Mt 20.26-28).

Como definiríamos um líder servidor? Segundo a visão moderna de administração, um líder-servidor é um indivíduo que, ao invés de liderar tendo por base uma relação superior- subalternos, procura servir aos seus liderados e atender às necessidades destes, e assim os constrange a trabalhar entusiasticamente em prol do bem comum. É um estilo de liderança baseado na “autoridade” que só se constroi com serviço e auto-sacrifício.

O especialista em consultoria Hans Finzel, ao ser questionado sobre qual o maior erro que se comete em liderança, respondeu: “Acredito que o erro número 1 em liderança é a arrogância autocrática do tipo líder-liderado”. Finzel comenta que aquela velha história de liderança autoritária, autocrática, dentro de um modelo líder-liderado, é o maior e mais freqüente pecado que se tem cometido em liderança de geração em geração.

A atitude autocrática X a liderança de servo

Na Bíblia (1Rs cap. 12) , temos um fato bem elucidativo sobre dois modelos de liderança. O povo de Israel se apresentou ao novo rei daquela nação, Roboão, o qual havia acabado de assumir o lugar de Salomão, seu pai, e disse: “Teu pai agravou o nosso jugo; agora, pois, alivia tu a dura servidão de teu pai e o seu pesado jugo que nos impôs, e nós te serviremos”. O rei foi se aconselhar com os anciãos de Israel sobre como deveria responder aos reclamantes e teve o seguinte conselho: “Se hoje fores servo deste povo, e o servires, e, respondendo-lhe, falares boas palavras, todos os dias serão teus servos”. Deixou, porém, Roboão o conselho dos anciãos e foi se aconselhar com os jovens, os quais lhe disseram: “Assim falarás a este povo: Meu dedo mínimo é mais grosso do que os lombos de meu pai. Assim que, se meu pai vos carregou de um jugo pesado, ainda eu aumentarei o vosso jugo; meu pai vos castigou com açoites, mas eu vos castigarei com escorpiões”. Roboão seguiu o conselho dos jovens e a conseqüência foi a divisão do reino de Israel.

No seu livro 10 Erros que Um Líder não Pode Cometer , Hans Finzel discorre sobre estas duas abordagens atagônicas, e ele endereça a seguinte pergunta a todas as pessoas em posição de liderança: “SUPERIOR OU SERVO?” para, em seguida,definir bem pragmaticamente o que é uma liderança de servo.

Na verdade, parece que todos na nossa organização descansam sobre meus ombros, e eu estou no topo de uma pirâmide invertida. Passo horas a fio ajudando os outros a ser eficientes, fornecendo-lhes os fatos, a energia, os recursos, os meios de trabalho, as informações ou qualquer outra coisa que eles precisam para fazerem um trabalho eficaz. A maior parte do meu dia é gasta deixando de lado minhas prioridades para ajudar os outros a realizarem as suas. Às vezes isso requer horas de trabalho nos mínimos detalhes ao lado desses trabalhadores para ajudá-los a fazer o seu trabalho". A liderança de servo exige que venhamos a sentar e chorar com os que choram dentro de nossas organizações. Requer que nos rebaixemos e nos sujemos quando há necessidade de pegar no pesado. Não há nada na minha organização que qualquer um faça, que eu não esteja disposto a fazê-lo, caso seja para o bem de todos nós.

3. O Modelo Ideal

Quando se trata de liderança servidora, os estudiosos (pelo menos os que eu já li) são unânimes em afirmar que Jesus é o maior exemplo. No capítulo 20 do Evangelho de Mateus, Jesus repreende a mãe dos filhos de Zebedeu, quando ela lhe pede que os seus dois filhos se assentem um à esquerda e outro à direita do Mestre em um eventual reino humano deste. A resposta de Jesus mostra duas abordagens conflitantes em liderança: “Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados e que os grandes exercem autoridade sobre eles [modelo autocrático]. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja o vosso serviçal; e qualquer que, entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo, bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir [liderança de servo] e dar a sua vida em resgate de muitos”.

Todavia O maior exemplo dado pelo Mestre está no capítulo treze do evangelho de João, quando na noite em que foi traído, Jesus tomou uma bacia com água e lavou os pés dos seus discípulos, ato tão baixo na escala social da época, que Pedro recusou inicialmente que o Mestre lavasse seus pés. Mas Jesus aproveita a resistência de Pedro para explicar o seu modelo de liderança de servo: “Eu lhes dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (v 15).

O comentário de Hans Finzel sobre esta atitude de Jesus é muito pertinente.

A primeira coisa que percebo nessa passagem é o alcance estupendo do poder e da autoridade de Jesus. O fundamento de sua servidão foi a verdadeira realização de seu poder, posição e prestígio. Ele era o próprio Deus encarnado e tinha todo o direito de ser ditador. Aliás, ele é o único homem que andou na face da terra com direito de ser um autocrata absoluto. Tendo isso como fundamento, Jesus demonstrou a liderança de servo, ao tirar a túnica, pegar uma toalha e lavar os pés de seus discípulos. Se eu estivesse lá naquela noite, teria ficado encabulado e sem palavras no momento de vê-lo pegar a toalha e começar a lavar os pés da primeira pessoa. Eu teria ficado envergonhado e humilhado, por não estar eu mesmo disposto a rebaixar-me à árdua tarefa do lavar pés. Contudo Jesus demonstrou que ele, podendo ser o maior entre seus discípulos, foi servo de todos.


II. PAULO, O SERVIDOR DE CRISTO

1. Paulo se descreve como cooperador de Deus no ministério da reconciliação.

Após falar sobre o ministério da reconciliação, o qual consiste na obra realizada por Cristo para reconciliar o homem pecador com Deus (2 Co 5.11-21), Paulo faz notório o seu papel de cooperador de Deus. É uma continuação do assunto anterior (o ministério da reconciliação), em que cooperar com Deus significa proclamar a obra expiatória do Senhor Jesus Cristo aos pecadores (1 Co 9.16).

O apóstolo estava muito cônscio de sua chamada para cooperar no serviço do Reino e do grande plano divino de associar pessoas em seu trabalho, como acontecera na igreja de Antioquia, quando o Espírito Santo ordenou que apartassem a Saulo e a Barnabé para a obra da evangelização (At 13. 2).

É importante lembrar que Paulo já havia falado na primeira carta aos coríntios sobre o seu papel de cooperador, juntamente com outros que, como ele, foram chamados para cooperar com Deus. Trata-se de uma dissensão ocorrida naquela igreja em torno dos nomes de Paulo, Pedro e Apolo, quando uns diziam ser de Paulo, outros diziam ser de Apolo, e outros diziam-se de Pedro. Paulo os repreende dizendo que tanto ele, quanto Apolo e também Pedro eram apenas cooperadores no cuidado da lavoura de Deus, a Igreja (1 Co 3.1-9).

O espírito despretensioso do apóstolo Paulo é um grito de alerta para líderes eclesiásticos de nossos dias. Ele poderia muito bem, em sua defesa, ter reivindicado o direito de fundador da igreja de Corinto (At 18.1-17), ou ter-lhes lançado em rosto que tudo o que eles eram devia-se ao trabalho de suas mãos (de Paulo), ter cobrado respeito e usado do poder que tinha, no entanto ele preferiu apresentar-se como um cooperador de Deus. O verdadeiro líder não terá desejo algum de dominar sobre a herança de Deus, mas será humilde, brando, dedicado totalmente ao serviço do Mestre.

A Bíblia de Estudo Pentecostal traz um comentário muito satisfatório sobre a nossa cooperação do serviço de Deus; vale a transcrição.

A obra de Deus envolve muitos indivíduos diferentes com uma variedade de dons e habilidades. Não existem estrelas nessa tarefa, somente membros da equipe executando suas funções específicas. Podemos nos tornar membros úteis da glória de Deus, colocando de lado nosso desejo de receber a glória pelo que fazemos. Não busque o elogio que vem das pessoas – este é comparativamente desprezível. Antes busque a glória de Deus. ( Nota sobre 1 Co 3.7-9; p. 1586).

2. Paulo, um modelo de líder servidor

Paulo aprendeu com Jesus que a essência da liderança é servir (Mt 20.25-28), por isso que procurava imitar em tudo o seu Senhor. Ele chegou a dizer aos crentes de Corinto: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Co 11.1).

Já vimos que liderar é influenciar – influenciar por meio de autoridade e não do poder. Então influência é algo que deve ser adquirido com muito trabalho e sacrifício, aliás, servir é sinônimo de auto-sacrifício, é muitas vezes abrir mão dos próprios interesses, a fim de promover o bem dos outros. No que diz respeito a sacrificar-se em prol dos outros, Paulo foi insuperável na história cristã:

“Como também eu em tudo agrado a todos, não buscando o meu próprio proveito, mas o de muitos, para que assim se possam salvar” (1 Co 10.33).

“Eu, de muito boa vontade, gastarei e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado” (2 Co 12.15).

“Portanto tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna” (2 Tm 2.10).

“Além das coisas exteriores, me prime cada dia o cuidado de todas as igrejas. Quem enfraquece que eu não enfraqueça? Quem se escandaliza que eu não me abrase?” (2 Co 11.28,29).

“E ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, folgo e me regozijo com todos vós” (Fl 2.17).

O líder servidor não age egoisticamente, antes serve ao povo de Deus com espírito voluntário e solícito. E eu não conheço ninguém que conseguiu superar o apóstolo Paulo em altruísmo e serviço prestado à igreja de Deus. Realmente, ele é um modelo de líder para todos os tempos.


II. A ABNEGAÇÃO DE UM LÍDER SERVIDOR (6.3-10)

1. Os cuidados de um líder servidor

Liderar sobre a herança de Deus implica em muita responsabilidade, porque o líder é sempre um referencial para os seus liderados. Paulo tinha consciência disso, por isso apresenta aos coríntios a sua reputação ilibada, fruto de seu cuidado para em tudo ser o exemplo dos fiéis, como um meio de defender a autenticidade de seu ministério. “Não dando nós escândalo em coisa alguma, para que o nosso ministério não seja censurado” (2 Co 6.3).

Liderar não é só uma questão de habilidade e serviço, é também uma questão de caráter. Como diz o pastor Josué Gonçalves, tematizando uma de suas pregações, não basta ter talento, é indispensável ter[bom] caráter. As escolhas que fazemos no dia-a-dia, a forma como nos comportamos nos lugares aonde vamos, a leitura que as pessoas fazem de nós, acredite, tudo isso vai refletir sobre aqueles que estão sob a nossa influência. Paulo era um homem exemplar e ainda assim estavam questionando o ministério dele, imaginem o que dirão daqueles cuja vida tem sido um antro de escândalos.

2. As experiências de um líder servidor.

Quando Jesus apareceu a Ananias e ordenou que fosse ao encontro de Saulo, a fim de que orasse por ele, tendo Ananias questionado sobre a vida pregressa de Saulo, como ele perseguia a igreja, disse o Senhor a Ananias: “E eu lhe mostrarei o quanto deve padecer pelo meu nome” (At 9.10-16). Agora Paulo estava mostrando aos coríntios o cumprimento daquilo que o Senhor havia falado ao seu respeito: uma bagagem de experiências que encerrava aflições, necessidades, angústias, açoites, prisões, tumultos, trabalhos, vigílias e jejuns, argumentos irrefutáveis para aqueles que estavam questionando a integridade de seu ministério. Exemplos de paciência e abnegação falavam mais alto do que palavras. Por isso a necessidade de um homem de Deus ser experimentado e aprovado para ter que responder, muitas vezes silenciosamente, àqueles que tentam questionar a autenticidade de seu ministério. Aos crentes da Galácia, Paulo já havia dito: “Desde agora ninguém me inquiete, porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus” (Gl 6.17).

3. Os elementos da graça que sustentaram nestas experiências (vv. 7-10)

Os elementos que Paulo cita nos versículos 6 nos remetem para as virtudes do fruto do Espírito em Gl 5.22. Tratam-se dos recursos que o Senhor Jesus colocou a disposição dos seus servos para se manterem firmes ante as agruras da vida e os sofrimentos inerentes ao ministério cristão (Mt 5.11; Fl 1.29). O desejo de Deus é incutir em cada crente o caráter de Cristo, mediante a ação do Espírito Santo em sua vida. Para entendermos a argumentação de Paulo nesta série de versículos, é necessário não perder de vista o versículo quatro, quando ele diz: “Antes como ministros de Deus, tornando-nos recomendáveis em tudo...”. A partir daí se compreende que o apóstolo, assim como era um homem profundamente experimentado nas tribulações, era também um homem cuja vida abundava na virtude do Espírito Santo, o que lhe possibilitava uma motivação constante no serviço prestado aos irmãos: “na pureza, na ciência, na longanimidade, na benignidade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na Palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, à esquerda e à direita” (2 Co 6.6,7).


CONCLUSÃO

O modelo de liderança a serviço vem ultimamente ganhado força no mundo inteiro. muita literatura tem sido produzida sobre o assunto. Isso é promissor porque de alguma forma estão voltando os olhos para Jesus, o qual, pelo seu próprio sacrifício, conquistou uma multidão incontável de seguidores no decorrer da história. Que esta realidade venha despertar a igreja de Cristo para o fato de que o que ela tem de mais importante são as pessoas, mais importantes do que a própria instituição, e, portanto, tudo o que fizermos deve objetivar a edificação do corpo de Cristo. Se alguns acharem que o exemplo do Mestre de Nazaré é muito alto para ser atingido, que sigam o exemplo de Paulo, que disse: “Sede meus imitadores, assim como eu sou imitador de Cristo (1 Co 11.1).



BIBLIOGRAFIA
Bíblia de Estudo Pentecostal.

Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal.

Bíblia de Referência Thompson.

Lições Bíblicas CPAD/ 1º trimestre de 2010.

FINZEL, Hans. Dez erros que um líder não pode cometer. São Paulo: Vida Nova, 1997.

SANDERS, J. Oswald. Paulo, o líder: uma visão para a liderança cristã hodierna. São Paulo: Editora Vida, 2007.

JONES, Laurie Beth. Jesus, o maior líder que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.

HUNTERS, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

________ Como se tornar um líder servidor. Rio de Janeiro: Sextante,2006.