quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Elias, um caso bíblico de depressão

Parte II

No capítulo 19 de 1°Reis, encontramos o exemplo bíblico mais forte de uma pessoa profundamente deprimida. Essa pessoa é nada menos do que o grande profeta Elias, o qual desabou acometido de uma depressão que podemos classificar como severa. Os sintomas manifestados no profeta indicam uma prostração total, da qual ele não poderia sair sem ajuda de outrem. Tanto é que, somente depois da interferência divina, ele consegue recobrar as forças e caminhar até o monte Horebe.

Carrenho (2007) diagnostica os sintomas do profeta Elias como depressão após o sucesso, afirmando que diante de um desafio, o corpo passa a produzir um excesso de adrenalina para que a pessoa dê conta de executar todo o seu plano até ver o desafio cumprido. E então encerrada a tarefa, cessa a produção de adrenalina, trazendo para o corpo uma prostração e um cansaço que levam tempo para a recuperação.

I.  O GATILHO PARA A INSTAURAÇÃO DE QUADRO DEPRESSIVO


No capítulo 18 do primeiro livro dos Reis, há o registro de três vitórias espetaculares do profeta Elias. Primeiro, ele matou 450 profetas de Baal após desafiar todo o Israel a servir ao Senhor. O desafio consistia em dois sacrifícios, um para os profetas de Baal, outro para o profeta Elias. Clamando cada parte ao seu respectivo deus, o que respondesse com fogo era o verdadeiro Deus. Após exterminar os profetas falsos, Elias prediz uma grande chuva (não chovia em Israel por três anos e meio) e vai ao monte Carmelo orar pelo advento da mesma. Tendo ainda avisado a Acabe, rei de Israel, que se apressasse para não ser apanhado pelo temporal, é tomado de uma força sobrenatural, a ponto de correr diante do carro do rei até chegar em Jezreel.
 
Era só vitória na vida do profeta. Sendo assim, era natural que ele imaginasse que todo o Israel se convertesse ao seu Deus, que a oposição do rei e da rainha Jezabel fosse quebrada e que houvesse – eu imagino – até uma aceitação de sua pessoa como o verdadeiro profeta do Senhor. Saiu tudo ao contrário do que Elias imaginara. O rei Acabe relata a Jezabel tudo o que Elias havia feito aos profetas de Baal, e a rainha, simpatizante dos profetas exterminados, ameaça Elias de morte. Foi o suficiente para o profeta desabar.

II. CAUSAS DA DEPRESSÃO DE ELIAS

1. Oposição obstinada. Veja que depois de tudo o que Elias havia realizado em nome do Senhor, ainda assim o coração do rei e da rainha não se compungiu, antes continuaram em ferrenha oposição ao profeta. É desesperador quando notamos que, quanto mais laboramos para minar a resistência dos recalcitrantes, mais o coração deles se endurece. É como se o nosso trabalho tivesse um efeito contrário. Não é de admirar que encontremos nas páginas sagradas grande contingente de profetas deprimidos (1 Rs 22.22-28; Hc 1.3; Jr 20.7) , isso porque a missão deles era convencer o povo de seus erros, mas o coração obstinado do povo se opunha cada vez mais a eles.

2. Frustração. Ser frustrado é ser enganado em sua expectativa. Foi isso o que aconteceu com o profeta Elias. Esperava que o resultado de seu árduo trabalho fosse a conversão total de Israel. Quando lutamos intensamente por um objetivo e não conseguimos atingi-lo, é como se a vida perdesse a razão, e então a depressão bate à porta. Afundado na sua grande frustração, Elias perdera a vontade de viver: “toma agora minha vida, pois não sou melhor do que os meus pais” (1 Rs 19.4). Gosto de uma frase de Gilberto Amado que diz: “Ao lançar a semente, sem ver crescer a planta no solo árido, o braço do semeador se fatiga”. Não são poucas as pessoas em nosso meio que entraram em um processo profundo de depressão por não verem o reconhecimento e o bom resultado de seu trabalho.

3. Esgotamento físico e emocional. Depois de uma batalha intensa, era natural que o profeta estivesse exausto física, emocional e espiritualmente. Ele havia confrontado os profetas de Baal, passado um tempo em intensa oração, corrido à frente do carro do rei e percorrido mais de 150 quilômetros para fugir de Jezabel. Na há organismo que aguente. Note que, tão logo ele orou pedindo a morte, deitou-se debaixo de uma árvore e adormeceu profundamente.

Vale lembrar o que disse a esse respeito a psicóloga Esther Carrenho, o que já foi citado acima: “Normalmente, diante de um desafio, o corpo passa a produzir um excesso de adrenalina para que a pessoa dê conta de executar todo o seu plano até ver o desafio cumprido. Uma vez que a tarefa está encerrada, a produção de adrenalina também cessa, trazendo para o corpo uma prostração e um cansaço de tal forma que algumas pessoas demoram alguns dias para se recuperarem novamente”.

3. Medo inconsequente. O medo natural é um mecanismo de defesa da vida. No caso de Elias, todavia, tratava-se de um temor inconsequente. Ele não teve medo quando enfrentou Acabe. Não teve medo quando confrontou 850 profetas pagãos no monte Carmelo. Mas agora, inexplicavelmente, estava todo assombrado ante as ameaças de Jezabel. Seria coerente supor que um homem tão destemido como este não se intimidasse. Porém a Bíblia mostra que Elias teve medo e fugiu para escapar com vida.

III. SINTOMAS

1. Desorientação e confusão: incoerência. Quando se está nas profundezas do desespero e da derrota, perde-se o contato com a realidade. O homem que fugiu para escapar com vida ora a Deus pedindo a morte. Ora, se Elias queria realmente morrer, por que não permaneceu em Jezreel. Jezabel teria feito o serviço. Esther Carrenho observa: “Nem sempre há lógica no comportamento do deprimido. O esforço em convencê-lo pela lógica nem sempre traz resultados positivos, exatamente porque a depressão pode jogar a pessoa numa grande confusão que não faz sentido para ninguém” (Carrenho, Esther. Depressão: tem luz no fim do túnel. São Paulo: Editora Vida, 2007, p 184).

2. Desejo de morrer. Elias se recolhe sob um pé de zimbro e pede a morte. Encontramos na Bíblia Sagrada homens como Jó, Moisés e Jonas fazendo o mesmo pedido. Sem dúvida alguma, é um sintoma comum a todos os deprimidos.

3. Autodepreciação. Elias lembra os seus antepassados, os quais foram mortos pelo fato de serem profetas, e diz: “não sou melhor que eles”. Ou seja, qual o valor deles, qual o resultado de seu trabalho? Sou tão indigno e desprezível quanto eles.

4. Alteração do sono. Uma pessoa deprimida normalmente dorme de mais ou de menos. No caso de Elias, ele dormiu de mais. O profeta só consegue acordar quando alguém lhe toca trazendo-lhe alimento; mesmo assim, após comer, o profeta volta a dormir.

5. Inapetência (alteração nos hábitos alimentares). Na pessoa em estado depressivo crônico normalmente acontece alterações nos hábitos alimentares, quando tanto pode ocorrer a falta de apetite como o comer exageradamente. No caso do profeta, ele não se preocupou nem um pouco em providenciar sua alimentação, só queria dormir, e só comeu quando o anjo lhe trouxe alimento.

6. Autocomiseração. Elias passa a ter uma visão distorcida de si mesmo como alguém injustiçado e, consequentemente, como um pobre coitado. Quando, já em Horebe, o Senhor lhe pergunta: “O que fazes aqui, Elias?” Ele responde: “Tenho sido muito zeloso pelo Senhor, o Deus dos Exércitos. Os israelitas rejeitaram tua aliança, quebraram teus altares, e mataram teus profetas à espada. Sou o único que sobrou, e agora também estão procurando matar-me”.

IV. REAÇÕES NATURAIS DE UM DEPRIMIDO

1. Fugir. Fugir é a reação de alguém que se acha impotente para encarar uma situação. Não significa necessariamente a locomoção de um lugar para outro distante e desconhecido, e sim uma fuga da realidade perturbadora. No caso de Elias, ele fugiu, literalmente, por não se achar capaz de confrontar Jezabel. Davi, vivenciando um quadro depressivo, externa o desejo de fugir de um problema com as seguintes palavras: “Pelo que disse: Ah! Quem me dera asas com de pomba! Voaria, e estaria em descanso. Eis que fugiria para longe, e pernoitaria no deserto” (Sl 55.6,7).

2. Esconder-se. Uma pessoa deprimida normalmente quer ficar sozinha, isolar-se, cortar relacionamentos e comunhão; aliás, não há nada mais difícil para uma pessoa deprimida do que conseguir relacionar-se bem com as pessoas. Temos lidado com alguns irmãos e amigos que evitam encontros nas ruas, mudando de caminho, não atendem o telefone e diminuem drasticamente a frequência nos lugares aonde normalmente iam. Foi assim com Elias. Logo após a ameaça de Jezabel, ele deixou a companhia de seu moço e procurou um lugar ermo para se esconder. Se você conhece alguém que está se comportando assim, compreenda que essa pessoa nunca precisou tanto de sua ajuda. Há um lugar espiritual mais seguro do que qualquer recanto deste mundo: “Porque no dia da adversidade me esconderá no seu pavilhão, no oculto do seu tabernáculo me esconderá, pôr-me-á sobre uma rocha” (Sl 27.5). Veja essa outra pérola: “Tu és o lugar em que me escondo/ Tu me preservas da angústia/ Tu me cinges de alegres cantos de livramento” (Sl 32.7).

3. Desistir. O desejo de morrer é o extremo da desistência. São muitas as pessoas que, diante da imaturidade emocional ou de autoconceito diminuído, apresentam uma apatia pela vida. Quando uma pessoa diz “eu quero morrer”, ela está dizendo que desiste de tudo, pois nada mais faz sentido. Foi o que aconteceu com Elias no deserto, quando disse: “Já basta, ó Senhor: toma agora a minha vida...” (1 Rs 19.4).

V.  A CURA PELA INTERVENÇÃO DIVINA

Deus curou Elias contemplando e suprindo a sua necessidade bio-psico-social-espiritual. Primeiro compreendeu que Elias precisava dormir muito (19.5), pois estava exausto. Em seguida, providenciou que o seu profeta se alimentasse (19.6), o que Elias fez para logo em seguida voltar a dormir. 

          Depois  que o profeta se alimentou bem e dormiu o tudo que precisava para repor as energias , o Senhor proveu suprimentos miraculosos para o copro do profeta. Note que a segunda comida que o anjo trouxe não era igual a primeira. Da segunda porção diz-se que "com a força daquela comida caminhou quarenta dias e quarenta noites.

        Após o suprimento da alimentação e do sono e de energético, Deus tomou providência para para mudar Elias de um ambiente estressante para um lugar saudável, pois o mesmo foi conduzido até Horebe (19.8), monte de Deus. Em Horebe, tem-se início uma fase realmente psicoterapêutica. A presença confortante de Deus e sua intervenção terapêutica propiciam a Elias recursos para sair da depressão.

       Depois de tudo, Deus põe seus ouvidos a disposição de Elias - um espaço para a fala. O que fazes aqui, Elias? – perguntou o Senhor. Pronto. O profeta desaguou seu coração de todas as suas queixas. Falar sobre o que sente é a essência da terapia. Quase sempre a cura começa pela escuta e acolhimento do outro.

     Após o desabafo, deu-se a intervenção divina, reorientando os pensamentos disfuncionais e reeditando as falsas crenças. O desabafo de Elias propiciou que Deus o trouxesse de volta ao mundo real, curando sua visão distorcida e superdimensionada da realidade enfrentada por ele, primeiramente mostrando que ele não estava sozinho, que havia sete mil fiéis arrostando perigos parecidos. Segundo, clarificou que seu ministério não tinha acabado. É isso.



BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, Makilim Nunes. Suicídio e Depressão: Atualizações. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 2004.
JAMISON, Kay R. Quando a noite cai: entendendo a depressão e o suicídio. Rio de Janeiro: Gryphus, 2010.  
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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Enciclopédia de medicina e sexo/ Editora Maltese.
STONE, Howard W. Depressão e esperança. São Paulo: Paulus, 2010.
▪CARRENHO, Ester. Depressão: tem luz no fim do túnel. São Paulo: Vida, 2007.
▪KEMP, Judith. Depressão e graça. São Paulo: Vida, 2001.
▪YOUSSEF, Michael. Se Deus está no controle, por que minha vida está desse jeito? São Paulo: Vida, 2003.
▪Revista ÉPOCA/ nº 259/ maio de 2003
▪Bíblia de Estudo Pentecostal. CPAD.