quinta-feira, 26 de julho de 2012

O cristão e a morte

Josafá R. Lima
O FENÔMENO DA MORTE

" O problema  da morte se encontra no começo de toda filosofia." Schopenhauer. 

"Todo medo que temos é, em última análise, o medo da morte." Wilhelm

"Se nós temos de morrer, a nossa vida não tem nenhum sentido, porque os seus problemas não recebem qualquer solução [...]. " Sartre

"Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá. E todo aquele que crê em mim nunca morrerá." Jesus de Nazaré


A morte é um fenômeno inescapável da vida, destino inexorável de todos os seres vivos, porém, somente o humano tem consciência da própria morte. A percepção da própria finitude joga o homem num mar de angústia e ansiedade acerca do que acontecerá depois e o leva a construir várias maneiras de dar conta  dessa angústia  Certamente, a crença na imortalidade, presente em todas as culturas de todas as épocas, é o que mais simboliza a recusa humana da própria destruição e o seu anseio pela eternidade.

Devido à angústia, mistérios e inevitabilidade da morte, é o fenômeno natural que mais tem causado discussão na história do homem. Discutida e conceituada na religião, ciência, filosofia e poesia, tem sido caracterizada com misticismo, magia, mistérios e segredos. Gosto de um personagem do cinema que toda vez que se deparava com a realidade da morte, citava estes versos de Ariano Suassuna:

Morreu. Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável. Aquilo que é marca do nosso destino sobre a terra. Aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados. Porque tudo o que é vivo morre.

Em outra mega produção do cinema, um personagem diz para o seu interlocutor ao referir-se à morte: “Os deuses nos invejam, porque somos mortais. E qualquer momento pode ser o último [...] e nós nunca mais estaremos aqui.” Nah Palmiene.

Existem muitas maneiras de se lidar com a morte entre os povos, e entre um mesmo povo, a maneira de se lidar com ela pode variar de tempos em tempos. Em muitas culturas orientais, a morte é encarada como um dado natural da vida, que é necessária para o próprio equilíbrio e sobrevivência do grupo, além de ser um elemento intrínseco à natureza. Para outras sociedades primitivas, a morte é encarada como parte do processo de viver, e isso implica em lidar com a morte de maneira contínua, sem bani-la da experiência da vida, onde os rituais de passagem e de luto ajudam os enlutados na adaptação à nova realidade.

Paradoxalmente às sociedades tribais, em sociedades do Ocidente, a morte tem se constituído um tabu no decorrer de nossa história. Ela passou a ser vista como uma incapacidade do homem para dominar e controlar a natureza, como um fracasso do humano e não parte integrante do processo de viver. Mas nem sempre foi assim. Como observa Maria Luíza Dias , Já houve outras relações com a morte no passado. Mas com o avanço da medicina e da tecnologia, e com os novos valores advindos daí, se originou o tabu. A mesma autora comenta que nos nossos dias a morte torna-se vergonhosa, interdita. Os que cercam um moribundo tendem a ocultar-lhe a verdade de sua morte iminente com a ocultação do diagnóstico médico. Os indivíduos passam a morrer em hospitais, sozinhos, escondidos da vida triunfalista lá fora, porque os médicos não conseguiram curar e não porque é realmente finito. Sendo assim, a morte é agora um fenômeno técnico cujo significado é definido apenas pela medicina.

Na verdade, o que podemos inferir de tudo isso é que a maneira como um povo enfrenta a morte ou o significado que lhe dá reflete de certa forma o significado que ele confere à vida.

Recorrendo à Bíblia, podemos ver que, de certo ponto de vista, a morte é a mais natural das coisas, pois aos homens está ordenado morrerem uma só vez ( Hb 9.27). Ela é a única certeza que todos têm: “Porque certamente morreremos e seremos como águas derramadas na terra, que não se ajuntam mais” (2 Sm 14.14). De outro ponto de vista, porém, é a coisa mais antinatural que existe. É a pena pelo pecado (Rm 6.23), e como tal deve ser temida. Para as Escrituras, portanto, a morte é uma necessidade biológica, mas os homens não morrem simplesmente, do modo como os animais morrem. Aqui o fenômeno inevitável da morte adquire conotações mais abrangentes e profundas, o que estudaremos nessa lição.


O QUE É A MORTE.

1. Conceito. Segundo a enciclopédia Wikipédia, “morte foi anteriormente definida como parada cardíaca e respiratória, mas, com o desenvolvimento da ressuscitação cardiopulmonar e da desfibrilação, surgia um dilema: ou a definição de morte estava errada, ou técnicas que realmente ressuscitavam uma pessoa foram descobertas (em vários casos, respiração e pulso cardíaco podem ser restabelecidos). A primeira explicação foi aceita, e atualmente, a definição médica de morte é conhecida como morte clínica, morte cerebral ou parada cardíaca irreversível”. A morte cerebral é definida pela cessão de atividade elétrica no cérebro e um indivíduo é considerado clinicamente morto quando o seu registro electroencefalográfico é mudo, sinal de que as células cerebrais cessaram de viver. A questão tem sido muito debatida pelas considerações de ordem moral, levantadas a propósito da retirada de órgãos ainda vivos (as células do coração, do rim e de outros órgãos sobrevivem durante tempo maior do que as células cerebrais), para efetuar transplantes.

2. O que as Escrituras dizem. Já vimos que a morte vem a todos e parece um fenômeno natural necessário a seres constituídos de corpos sujeitos à decadência física e à dissolução final. Todavia, a Bíblia retrata a morte com significação além de um fenômeno natural, como uma maldição pelo pecado. Ou seja, o homem não foi feito para morrer, embora a morte sempre fosse uma possibilidade para ele.

Foi o próprio Deus quem advertiu a Adão: “Mas da árvore da ciência do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). Havendo, pois, Adão desobedecido, o poder da morte tornou-se real sobre ele e todos os seus descendentes (Gn 3.19).

Paulo nos ensina que por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte (Rm 5.12), e novamente, que o salário do pecado é a morte (Rm 6.23). Todavia, quando examinamos mais detidamente a questão, vemos que Adão não morreu fisicamente no dia em que desobedeceu a Deus. E no quinto e sexto capítulos de sua carta aos romanos, Paulo contrasta a morte que ocorreu por meio do pecado de Adão com a vida que Cristo trouxe aos homens. Ora, a possessão da vida eterna não cancela a nossa morte física. A inferência que de tudo isso podemos tirar é que a morte que é o resultado do pecado é mais do que a morte do corpo.

O que podemos inferir dos textos sagrados é que primeiramente a desobediência de nossos primeiros pais resultou em morte espiritual, que significa separação de Deus (Gn 2.17; Ef 2.1-3). E a morte espiritual tornou real sobre toda a humanidade a morte física, que já era uma possibilidade antes da queda (Gn 3.19; Rm5.17 Hb 9.27).

Esta morte física, segundo as Escrituras, é a separação entre a alma, parte imaterial do homem, e o corpo, invólucro da alma. O texto escriturístico que embasa nosso entendimento é o de Gênesis 35.18, onde o escritor sagrado, referindo-se à morte de Raquel, afirma que saindo-se-lhe a alma, ela veio a morrer. No Novo Testamento, Tiago corrobora tal entendimento ao afirmar que o corpo sem o espírito está morto (Tg 2.26). Sendo assim, segundo a Bíblia Sagrada, a morte natural consiste numa separação entre a alma e o corpo.

A VIDA APÓS A MORTE


“Morrendo o homem, porventura, tornará a viver?” A questão levantada pelo patriarca Jó permeia as inquietações dos homens de todas as épocas e civilizações, às vezes, construída de outra maneira, como por exemplo, há vida após a morte? De fato, a ideia de extinção de um ser tão complexo, inteligente e criativo como o homem é realmente insuportável. E para dar conta dessas angústias, muitas respostas já foram dadas à pergunta do patriarca, muitas das quais, otimistas demais, despertam fantasias “consoladoras” aos corações humanos; outras, pessimistas, derramam ainda mais desesperança nas almas. São muitos os ramos do saber que tentam responder à questão da finitude X eternidade do ser, mas somente a Bíblia tem autoridade para esclarecer o assunto.

Sheol. “No Antigo Testamento, a palavra hebraica sheol é usada 65 vezes. É verdade que nem sempre ela é traduzida dessa forma, há contextos em que a melhor versão é “inferno” ou “sepultura”, porém é importante perceber que todas as acepções têm correlação com a morte. A explanação do Dicionário Vine, apresentada abaixo, acerca do assunto é muito esclarecedora.

Primeiramente, sheol significa o estado de morte: “Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro, quem te louvará? (Sl 6.5; cf. Sl 18.5). É o lugar de descanso final de todos os homens: “Na prosperidade gastam seus dias e num momento descem à sepultura (Jó 21.13). Ana confessou que era o Deus onipotente que leva os homens ao Sheol (morte) ou os mata (1 Sm 2.6). Sheol é paralelo às palavras hebraicas para inferno (Jó 26.6), corrupção (Sl 16.10) e perdição (Pv 15.11).

Segundo, sheol é usada para descrever um lugar de existência consciente depois da morte. Jacó disse: “Na verdade, com choro hei de descer ao meu filho até a sepultura (Gn 37.35). Todos os homens vão para o sheol, um lugar e estado de consciência depois da morte (Sl 16.10). Os ímpios são castigados ali (Nm 16.30; Dt 32.22; Sl 9.17). Eles são postos em vergonha e silenciados no sheol (Sl 31.17). Jesus aludiu ao uso que Isaías fez da palavra sheol (Is 14.13-15), quando pronunciou o julgamento sobre Cafarnaum (Mt 11.23), traduzindo sheol por hades ou inferno, significando o lugar da existência consciente e julgamento. É um lugar indesejável para os ímpios (Jó 24.19) e um refúgio para os justos (Jó 14.13). Sheol também é um lugar de recompensa para os justos (Os 13.14; cf. 1 Co 15.55).


No Novo Testamento é empregado o termo grego hades como correspondente do hebraico sheol, o que se refere predominantemente à região dos espíritos dos mortos, incluindo-se os espíritos dos justos que morreram antes da ascensão de Cristo. Segundo o comentário do Dicionário Vine, hades nunca denota sepultura, nem é a região permanente dos perdidos, é o estado intermediário entre o falecimento e o destino final no Geena. Os ensinamentos de Jesus em Lc 36.19-31 refletem claramente o conceito do Antigo Testamento sobre o sheol. Pelo que o Mestre retrata na Parábola do Rico e Lázaro, já referida acima, existia um lugar de existência consciente depois da morte, um lado do qual estava ocupado pelo sofrimento dos mortos injustos; no outro lado, separados por um grande abismo, estavam os mortos justos desfrutando sua recompensa. Uma vez ali, o destino de todos estaria selado.

Há o entendimento, a partir de versículos como Lc 23.43, Ef 4.8-10 e 2Co 12.1-4, que o lugar de descanso dos justos (o seio de Abraão), com a morte de Jesus, foi transportado ao terceiro céu, um lugar na presença de Deus.


MORTE, O INÍCIO DA VIDA ETERNA


1. A esperança, apesar do luto. O homem natural, o cético, é um ser que se projeta para o fim, pelo menos este é o entendimento que ele tem. O cristão é um ser que se projeta para a eternidade. Ele sabe que, ainda que a morte seja uma realidade inescapável, ela não terá a palavra final. Na elaboração de nossos lutos, temos os recursos consoladores da Palavra de Deus, na promessa daquele que venceu a morte e nos abriu o caminho da vida: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá” (Jo 11.25,26). Como está exarado no Novo Dicionário da Bíblia, é muito significativo o fato que o Novo Testamento fale sobre os crentes a dormir, não como mortos (1 Ts 4.14). Jesus levou sobre si o horror completo da morte. Portanto, para aqueles que estão em Cristo, a morte tem sido de tal modo transformada que não passa de um sono.

Gosto muito do comentário de R. C. Sproul a esse respeito:

Quando nós fechamos nossos olhos ao morrer, não deixamos de estar vivos; de fato, nós experimentamos uma continuação da consciência pessoal. Nenhuma pessoa está mais consciente, ou atento, ou mais alerta, do que quando ele passa através do véu deste mundo para o próximo. Longe de cair no sono, estamos despertos para a glória em todos os sentidos. Para o crente, a morte não tem a última palavra. A morte se rendeu ao poder conquistador do Único que ressuscitou como o primogênito de muitos irmãos.

Com Cristo, a esperança vai além do túmulo. Aleluia!

2. A morte de Cristo é a certeza da vida eterna. No capítulo 5 de Romanos, Paulo esclarece que a causa da entrada da morte no mundo foi o pecado de Adão: “Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram” (v. 12). Porém o mesmo Paulo diz que “Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para a condenação, assim também por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação da vida” (vv. 17,18). O que isso significa para nós? Veja o comentário abaixo.

Cristo assumiu a nossa natureza para que, por sua morte, aniquilasse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo (Hb 2.14) [...]. “A extensão da vitória de Cristo sobre a morte é indicada pela sua ressurreição. Havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre. A morte já não tem domínio sobre ele” (Rm 6.9). A ressurreição é o grande acontecimento triunfal, e a nota inteira neotestamentária de vitória nela se origina. Cristo é o autor da vida (At 3.15), Senhor tanto dos mortos como dos vivos (Rm 14.19), o Verbo da vida (1 Jo 1.1). Sua vitória sobre a morte foi completa. E sua vitória se tornou disponível para seu povo. A destruição da morte está garantida (1 Co 15.26,54) [...]. E não somente existe um futuro glorioso, mas também há um glorioso presente. O crente já passou da morte para a vida (Jo 5.24; 1 Jo 3.14). Ele está livre da lei do pecado e da morte (Rm 8.2). A morte não pode mais separá-lo de Deus (Rm 8.38).

Graças a Deus, para os que estamos em Cristo, nas palavras de R. C. Sproul, a morte já não é uma maldição. Seu aguilhão já foi removido. O escárnio da sepultura foi silenciado e agora a morte é meramente uma transição dessa vida para a próxima. O contraste que é dado no Novo Testamento não é o que esta vida é ruim e a próxima é boa. Pelo contrário, o apóstolo Paulo disse que esta vida é boa, mas morrer e estar com Cristo é melhor. Assim, a morte representa para o crente um lucro; de fato, um lucro extraordinário.

CONCLUSÃO

Quão efêmera é a vida do homem sobre a terra. O poeta sacro disse que os nossos dias são como um sono ou como a erva que cresce e floresce de madrugada, mas à tarde, corta e seca (Sl 90.5,6). De fato, se olharmos a vida unicamente dentro de uma perspectiva humana, a morte lhe tira todo o sentido e o desespero existencial torna-se inevitável (ver 2Co 15.19). Mas o crente em Jesus sabe que não é bem assim. Ele recebeu a esperança de vida eterna Daquele que venceu a morte e nos abriu a porta da vida (Jo 11.25,26). Nossos dias aqui são apenas o prelúdio de uma eternidade feliz, pois não somos como os demais, que se projetam para a morte: nós nos projetamos para a eternidade. Lutemos para que possamos fazer coro com o apóstolo Paulo no final de nossa vida: “Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei fé. Desde agora, a coro da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda” (2 Tm 4.7,8).

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