segunda-feira, 11 de junho de 2012

Dignidade humana

RESENHA

Por Josafá Rosendo de Lima

Conceitos de dignidade humana e qualidade de vida*

Léo Pessini traz à lume a polêmica questão da eutanásia e as controvérsias que envolvem os valores e conceitos embasadores das posições favoráveis e desfavoráveis. De um lado, com a palavra os que defendem a vida em qualquer situação em nome do respeito à dignidade humana. Do outro lado, falam os defensores do direito de morrer com dignidade. Como podemos ver, embaraçosamente, opositores e defensores da eutanásia têm algo em comum: ambos recorrem ao conceito da dignidade humana em nome da vida e da morte. Usa-se também o conceito de qualidade de vida para advogar um momento quando a vida não pode ser mais prolongada. Tais conceitos, assaz citados nos mais diversos âmbitos sociais, parecem, à primeira vista, claros e bem definidos, mas Passini vai submetê-los a uma análise minuciosa a fim de estimular uma reflexão mais profunda sobre o assunto. A intenção é mostrar como esses conceitos por vezes se mostram antagônicos, complexos e encerra em si significados e valores éticos diferentes, apesar de  utilizados para defender posições conflitantes.

No que diz respeito ao conceito de dignidade humana, deve-se levar em conta  o desentendimento relacionado ao uso desse termo entre vários documentos oficiais de áreas de saber e instituições internacionais para denunciar a ambigüidade que cerca o seu conceito, bem como seu uso indiscriminado para legitimar causas contraditórias. Assim, na contemporaneidade, a palavra aparece eminentemente nas declarações internacionais e nas Constituições de muitos países, inspirados na Carta das Nações Unidas que declara a dignidade como sendo inerente à pessoa humana, reconhecimento de que todo indivíduo encerra em si direitos inalienáveis que determinam a sua indiscutível dignidade.

Na Europa, a Convenção Sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina visam proteger o ser humano em sua dignidade e identidade. Também Na Declaração Universal dos Direitos do Genoma Humano e dos direitos Humanos, de 1997, adotada pela UNESCO, o termo dignidade aparece com importância central.

Já no âmbito da pesquisa biomédica norte-americana aparece o princípio de respeito à autonomia que vai se sobressair em relação ao princípio de dignidade. Suprime-se o termo dignidade humana e aparece em seu lugar o princípio do respeito às pessoas, segundo o qual: 1) as pessoas devem ser tratadas como agentes autônomos e 2) as pessoas cuja autonomia é diminuída devem ser protegidas.

Quando o assunto é eutanásia, o texto joga luz sobre uma expressão que se espalhou por toda sociedade ocidental: a da morte com dignidade. Essa expressão alude a que o respeito pela dignidade das pessoas deve ser mantido também na proximidade da morte. Mas o que aqui está em evidência não é o sentido clássico de dignidade, ou seja, respeito inerente, valor inalienável a toda pessoa em qualquer situação, mas afirma-se a inviabilidade de certas condições de vida a partir da compreensão de que dignidade teria a ver com autonomia e independência para decidir pela própria vida.

Outra questão relevante aparece no texto diz respeito à dificuldade de definição de dignidade humana. Recorre-se ao iluminismo, principalmente ao pensamento de Kant, para quem dignidade humana acha sentido na vida humana como um fim em si próprio e na conseqüente proibição de instrumentalizá-la. É a liberdade da vontade livre de decidir pela sua própria vida e destino. Mas um impasse aparece quando se considera que muitas pessoas são, por vários motivos, desprovidas dessas aptidões. E a pergunta que surge é: Neste caso, onde fica a dignidade da pessoa? Tais impasses forçam uma reconsideração sobre o que de fato se deve respeitar no ser humano, se aqueles atributos da razão ou respeitar em cada pessoa uma humanidade que é comum a todos, independente da situação em que a pessoa se encontre.

A ideia que se desenrola a partir daqui é que, se imaginarmos que dignidade tem a ver com essa capacidade racional no ser humano, e se também imaginarmos que a perda dessa capacidade o lança num estado de indignidade, devemos respeitá-lo, sobretudo, em sua indignidade, apelando para o valor intrínseco de sua humanidade comum a todos nós. No texto em apreço, é usada a Parábola do bom samaritano que socorreu um moribundo que jazia desprovido de qualquer traço de dignidade.

A razão da ambigüidade em torno da ideia de dignidade humana encontra-se no confronto duas posições. Primeiro temos uma visão secular que supervaloriza a autonomia pessoal a ponto de elevar o indivíduo à posição de protagonista principal na escolha do processo vida/morte. Essa visão faz um link entre dignidade e qualidade de vida, pressupondo que há algumas vidas que, dada a precariedade se sua situação, não vale a pena ser vivida. Segundo, temos uma visão cristã que entende que a dignidade humana reside no fato de que somos criaturas de Deus, foi Ele quem deu a vida e só ele pode decidir pôr-lhe um fim. Nessa perspectiva, a vida é sagrada e intangível, portanto sua dignidade não escapa em nenhum momento.

A seguir, a Eutanásia é apresentada minuciosamente dentro dessas duas perspectivas, assinalando-se que tanto uma como a outra usa o conceito de dignidade humana para defender sua posição. Mas o importante é pontuar que a polêmica relacionada à ambigüidade do termo dignidade humana não é resolvida no texto, o que aparece é uma sugestão do autor para que se evite a banalização de um termo que, sem dúvida, representou e representa grande avanço em relação aos direitos humanos. Outrossim, faz-se necessário, todas as vezes que o termo for invocado, fazer distinção entre os significados que lhe são atribuídos.

O conceito qualidade de vida, frequentemente proposto como critério que deve nortear o tratamento de doentes de doenças crônicas, não difere do conceito de dignidade humana no concerne à ambigüidade e à dificuldade de definição. Primeiramente, a dificuldade surge a partir de uma dupla significação da palavra vida que pode denotar tanto o processo vital e metabólico, como a vida humana pessoal que inclui, além do processo biológico, a capacidade de escolher e pensar. Segundo, a definição de qualidade de vida esbarra no caráter subjetivo do que seja qualidade. Dentro deste contexto de indefinição e ambigüidade, a discussão em torno dessa relação Eutanásia-qualidade de vida se torna mais acirrada.

Avaliação do texto

Achei o texto muito enriquecedor, primeiro pelo repertório teórico carregado de conceitos e termos que até então, eu só tinha visto de maneira superficial, mas que são abordados de maneira profunda pelo autor. Segundo pela maneira como o texto é tocante ao tratar de um assunto que diz respeito diretamente ao leitor, as questões que inquietam todas as pessoas no decorrer da vida: a dignidade humana e suas implicações. Posso assinalar que o meu olhar sobre o humano e suas questões será alterado a partir da leitura do texto.

Também me chamou a atenção a realidade de como muitos termos são ambíguos e usados pelas pessoas para defender posições que são opostas sem considerarem as implicações disso. É um conceito para ser aplicado na vida prática, principalmente no ministério, onde lidamos diretamente com pessoas, todas, sem exceção, protegidas por direitos e dignidade intrínsecos.

Em relação à clareza do texto, achei-o um tanto confuso, exigindo um esforço muito grande para apreender a linearidade do pensamento. E, apesar de o autor defender no final a sacralidade da vida, tive dificuldade para entender sua posição em relação à prática da Eutanásia. É isto: acho que falta uma posição clara no texto. Todavia, em relação aos argumentos, acho que são claros e convincentes. Minha crítica se dirige à coesão do texto.


*Conceitos de dignidade humana e qualidade de vida: PESSINI, Leo. Eutanásia – por que abreviar a vida? São Paulo: Loyola/São Camilo, 2004. Capítulo 5.

Josafá Rosendo de Lima



Sobre resiliência

Resiliência: Uma perspectiva de esperança na superação das adversidades*

Resiliência: entrei em contato com esse conceito nas aulas de psicologia hospitalar e de lá para cá tem sido assunto onipresente em minhas experiências, na vida pessoal, como terapeuta e nos sermões e orientações que tenho ministrado no âmbito eclesiástico. Gosto muito de observar esta virtude na vida das pessoas e motivá-las a partir do esclarecimento desse potencial humano; para isso, tenho lido frequentemente sobre o assunto.

O último texto que li sobre resiliência foi o de  L. Susana M. ROCCA*, o qual me tocou especialmente por fazer uma abordagem do assunto a partir duma perpectiva religiosa-espiritual, elucidando a importância da compreensão e utilização desse conheciemnto no meio eclesiástico, porém sem deixar escapar  a compreensão geral do conceito. Portanto, o que se segue é um pequeno comentário a partir da copreensão do texto de Rocca.

RESILIÊNCIA é um conceito relativamente novo na área da saúde, porém bem comentado hoje no contexto das ciências humanas, principalmente no âmbito da Psicologia: . Digo relativamente novo porque os estudos que deram origem a este ramo do saber começaram há três décadas apenas, com Michael Rutter, na Inglaterra, e Emmy Werner, nos Estados Unidos, o que posteriormente se espalhou por vários países, chegando à América Latina.

O conceito de RESILIÊNCIA foi emprestado da física e refere-se originalmente à capacidade de alguns materiais de retomar sua forma original depois de terem sido submetidos a uma pressão deformadora, e foi apropriado pela psicologia para caracterizar a capacidade que têm a pessoa humana de se recompor e seguir com sua vida depois de ter passado por situações extremamente estressantes e traumatizantes. Portanto, trata-se da capacidade do indivíduo desenvolver-se bem, para continuar se projetando para o futuro, apesar de acontecimentos presentes desestabilizadores.

Segundo Rocca, as pesquisas e descobertas sobre o assunto vieram trazer um novo paradigma nas relações de cuidado, ao jogar luz numa necessidade de se focarem os recursos que a pessoa  possui, com o intuito de potencializá-la ao máximo. E, apesar das limitações inerentes ao gênero humano, cujo limiar pode variar de indivíduo para indivíduo, é fato que todas as pessoas possuem recursos positivos que, se potencializados, podem ser determinantes na recuperação dos traumas e na força para prosseguir com a vida. E não é algo que se limita ao indivíduo, mas que engloba também a capacidade de uma comunidade, cidade ou nação de superar com determinação as tragédias que lhes acontecem.

Em relação à natureza dessa capacidade humana de superação, propõe-se que não se trata de uma característica exclusivamente inata no indivíduo, muito menos uma qualidade absoluta ou um esquema fechado: é algo dinâmico, que todo ser humano tem em maior ou menor medida, que acontece durante todo o ciclo vital humano e é estimulada ou inibida de acordo com as pressões do ambiente. Logo, é possível a prática consciente da promoção de resiliência nas pessoas, o que, ainda segundo Rocca, pode ser feito, entre outros âmbitos, por meio de redes de apoio social, apropriação do sentido da vida e fé religiosa. Todavia, o aspecto mais importante de promoção da resiliência é a necessidade de um outro como ponto de sustentação e apoio na superação da adversidade; sustentação que só acontece através de uma aceitação incondicional da pessoa que sofre. O outro aqui referido pode ser pai, mãe, amigo, professor, pastor ou toda uma rede de proteção. Ou seja, qualquer pessoa capaz de estabelecer um vínculo com a pessoa necessitada.

É fato que algumas pessoas são mais resilientes que outras, e isso porque o nível de resiliência de uma pessoa está muito ligado a algumas aptidões pessoais. Pessoas que gozam de boa auto-estima, que são mais sociáveis e costumam compartilhar suas preocupações e solicitudes, principalmente em grupos de apoio a pessoas que padecem do mesmo tipo de sofrimento, tendem a ser mais resilientes. Outro fator importante é o senso de humor de alguns, capaz de encontrar a comicidade em sofrimentos lancinantes. Isso não significa evasão, negação patológica do sofrimento, mas si um realismo otimista que possibilita uma incorporação da realidade e sua transformação em algo menos doloroso.

Por fim, o texto trata de resiliência e espiritualidade, ao considerar o quanto o sentido existencial encontrado na religiosidade prática pode ser um grande promotor de resiliência. Com recursos argumentativos convincentes, a autora mostra que a crença em Deus, traduzida em ações práticas, como a participação na igreja, pode ajudar o fiel a assumir as suas adversidades, engendrar um sentido para elas, até mesmo para os resquícios que ficarem, e ter coragem para lutar por recuperação e transformação, levando-o a crescer e se fortalecer por meio das intempéries.

Nesta perspectiva, o texto vem ao encontro da necessidade de que a liderança eclesiástica da qual alguns estudantes deste curso de teologia fazem parte, se apropriem deste conhecimento a fim de que tenham discernimento das reais necessidades dos indivíduos sob sua influência e tenham sensibilidade para olhar a pessoa em sua singularidade, cada uma com seu próprio potencial e limitações. Confesso que, apesar de já ter algum conhecimento sobre o tema, nunca tinha me apercebido da importância do mesmo no âmbito religioso, ou seja, como este conhecimento pode ser útil aliado aos recursos consoladores e motivadores da Palavra de Deus.

Todas as pessoas têm essa capacidade de superação, de continuar com a própria vida, de achar sentido, durante e depois de sofrerem situações sobremodo traumáticas. Todavia esta capacidade não é ilimitada, considerando que as limitações são inerentes à condição humana, e há intempéries que extrapolam os limites, apesar de não sabermos quais os reais limites de uma pessoa. Senti-me especialmente tocado pela ideia da necessidade do outro como ponto imprescindível de apoio e sustentação, isso, indubitavelmente, fará toda a diferença em meu ministério. E por falar em ministério (eclesiástico), o último parágrafo, em que foi falado de religiosidade como promotora de resiliência, sensibilizou-me muito. Este sentido existencial que se pode encontrar na fé talvez se configure mesmo um conhecimento novo para mim.

O texto de ROCCa me encantou pela clareza dos argumentos, pela objetividade e simplicidade da autora na abordagem de um conceito que é tão profundo e tocante. Mostrou-me que é possível ser simples e profundo ao mesmo tempo na comunicação de um tema.


*ROCCA L. Susana M. Resiliência: Uma perspectiva de esperança na superação das adversidades. In: Sofrimentos, Resiliência e Fé: Implicações para as relações de cuidado. São Leopoldo: Sinodal e EST. 2007. P. 9-27.