quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"Ao Deus desconhecido" / Paulo na cidade de Sócrates




CIRCUNSTÂNCIA QUE PROPICIARAM A PREGAÇÃO DE PAULO EM ATENAS

1. Paulo empreende sua segunda viagem missionária na companhia de Silas após a Assembleia de Jerusalém, começando pela Síria e Filícia, onde confirma algumas igrejas já instaladas ali. Depois passa por Derbe e Listra, onde encontra pela primeira vez o crente Timóteo, que Paulo circuncida e leva consigo.

Em seguida, o trio de evangelistas vai a Trôade, passando antes pela Frígia e pela Galácia, onde foram impedidos pelo Espírito Santo de pregarem o evangelho. De Trôade, vem a revelação para que Paulo e seus companheiros vão à Macedônia, o que fizeram, passando pela Samotrácia, logo depois Neápolis, e chegaram a Filipos, onde aconteceu a libertação de uma pitonisa, a conversão de Lídia e do carcereiro.

De Filipos, foram para Tessalônica, passando por Anfílopes e Apolônia. Em Tessalônica, Paulo prega numa sinagoga de judeus por três sábados, resultando num bom número de conversos. Mas judeus invejosos denunciaram-no ao governador dizendo que “aqueles que alvoroçam o mundo chegaram até nós”, o que forçou uma fuga para a Bereia.

Tendo os judeus de Tessalônica informação de que Paulo estava apregoando Jesus na Bereia, foram em busca dele, obrigando alguns irmãos bereanos a fugirem com Paulo para o mar. Porém Timóteo e Silas ficaram na Bereia. Então os que acompanhavam Paulo o levaram até Atenas, navegando pelo mar da Bereia. Ele ficaria ali apenas para esperar Silas e Timóteo que estavam atrasados em dois dias, antes de seguir viagem.

2. Paulo ficou perturbado ao ver a situação espiritual e moral de Atenas

Antenas era o centro intelectual do mundo de então, berço da filosofia e da democracia, a cidade de Sócrates, Platão e Aristóteles. Apesar de não ostentar mais as glórias de outros tempos, ainda era objeto de admiração e devoção, principalmente dos governantes romanos.

Paulo estava muito cansado e precisava descansar, mas resolveu dar uma volta pelas ruas da cidade de Sócrates. Na medida em que caminhava pelas ruas, o que ele via o deixava perturbado, indignado, horrorizado, irado. Paulo sentiu-se desafiado com o que viu. Ele viu a corrupção moral e as centenas de ídolos de Atenas.

Como observou o reverendo Billy Graham, numa mensagem pregada no Madison Square Garden, “os antigos divinizavam suas paixões. Baco era a deificação do desejo. Vênus e Afrodite eram as deificações do sexo. Marte e Júpiter representavam o instinto de luta, eram os deuses da guerra. Hoje, o homem superou a imagem de Baco, mas ainda é governado por seus apetites. O templo de Vênus já não existe, mas ainda somos dominados pelas paixões. Dispensamos Marte como fruto da superstição, mas os deuses da guerra ainda estão conosco, e o home continua lutando. Assim, todos os velhos deuses ainda estão por aí”.

Matthew Henry destaca que havia mais ídolos em Atenas que em toda a Grécia reunida. Todo deus estranho que lhes fosse recomendado, eles o aceitavam e lhe concediam um templo e um altar, de modo que eles tinham quase tantos deuses quanto homens. Mesmo quando o império romano se tornou cristão, Atenas continuou idólatra. E Henry continua destacando que onde a cultura humana mais floresceu, foi onde a idolatria mais abundou, O povo era influenciado à idolatria mais horrorosa por sacerdotes pagãos vendidos ás próprias conveniências, e permanecia neste estado de ignorância devido ao silêncio dos filósofos que se mostravam indiferentes, tanto aos deuses, quanto à idolatria do povo. Isso endossa as palavras de Paulo na carta aos romanos: “Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” ( 1.22).


3. Capacidade de se horrorizar

A Bíblia diz que Paulo se horrorizou ao ver a situação de Atenas. Ele se sentiu desafiado. E esta é uma das características de Paulo que me prendem a atenção: a sensibilidade para se horrorizar. Os atenienses estavam anestesiados pela prática constante da idolatria e imoralidade, anestesiados pela exposição constante ao vício, por séculos de tradição. Temo que a exposição contínua aos pecados de nossos dias tire de nós a capacidade de se horrorizar com o mal. Tudo o que temos é essa capacidade de se sensibilizar. E é essa capacidade que nos move à ação, na tentativa de mudar o estado de coisas.

Nós estamos vivendo dias de anestesiamento. Estamos muito embevecidos com os movimentos espirituais e com o crescimento desse movimento e não conseguimos ver a real situação do mundo a nossa volta. Estamos como os discípulos no monte da transfiguração. Eles disseram: ”Senhor, aqui está tudo muito bom. Vamos fazer cabanas para nós e fiquemos por aqui”. Ou então como observa Marvin Stone:

Encolhemos, indiferentes, os ombros diante de quase tudo. Seguimos adiante e buscamos a próxima emoção. É como se já tivéssemos ultrapassado o ponto de fazer distinção e de nos importarmos. Finalmente alcançamos um consenso de indiferença.

A Bíblia diz que Jesus viu uma multidão perdida como ovelhas sem pastor e se comoveu. Eu confesso que às vezes me comovo e me perturbo com o que vejo.

Ao olharmos grandes cidades como a cidade de São Paulo, é muito difícil não sentir-se desafiado, vendo a obsessão do sexo, o incentivo á exacerbação da sexualidade infantil, os narcóticos que escravizam crianças, adolescentes e jovens, os apetites desenfreados, o consumismo, o materialismo, (usando uma frase do Billy Graham), todas essas coisas que a sociedade moderna tem transformado em deuses.

Temo que a exposição constante a essas coisas nos leve a vê-las como algo natural, tirando de nós a capacidade de horrorizar.

4. Então Paulo começou a pregar nas ruas

A pregação precisa ser motivada por um particular estado de espírito, pela comoção resultante da percepção de uma profunda necessidade do indivíduo, da comunidade, da sociedade. Pregar por pregar, ou então pelo interesse de divulgar e defender as próprias ideias é teatralização, pura poesia.

Ao se sentir consternado com a situação de Atenas, Paulo abriu mão do descanso e começou a pregar. Ele disputava com todos os que encontrava em seu caminho: nas sinagogas, nas praças e nas ruas. Ele dizia: Atenção atenienses e residentes, trago-lhes uma excelente mensagem: Jesus Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras. Ele é a luz do mundo. Quem o segue não andará em trevas. Ele pode trazer luz à vida e à cidade de vocês.

A maioria deles não dava importância à sua pregação, principalmente os da sinagoga. Sendo então evitado pelos judeus, Paulo seguiu o costume helênico e começou pregar aos transeuntes. “Jesus Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”.

Alguns intelectuais o olharam com desprezo, acharam graça e zombaram dele. “É um falastrão, um santarrão que não sabe o que está dizendo”, comentaram outros. Ainda outros pensavam que Paulo era um pregador de deuses estranhos e que anunciava um casal de divindades: Jesus e Anastásia, palavra grega para ressurreição. Mas havia alguns membros da Academia que ficaram curiosos e quiseram ouvir a Paulo. Queriam saber o que ele tinha a dizer. E não é sem propósito que Lucas ressalta que os epicureus e os estoicos estavam lá e contendiam com Paulo.

OS ILUSTRES OUVINTES DE PAULO

1. Os epicureus acreditavam que o universo não foi criado por ninguém, que a vida veio à existência por acaso, num universo mecânico, e que a morte põe fim a tudo. Concebiam a divindade como alguém despreocupado e indiferente a tudo o que diz respeito ao mundo, distante demais da terra para ter interesse nas ações humanas e, portanto, em vão se faziam orações e sacrifícios a ele. Segundo o epicurismo, não havia critério divino algum para diferenciar entre o bem e o mal, então os humanos não tinham o que temer nem esperar em relação ao futuro, nem castigo nem recompensa. Para eles, os deuses eram perfeitamente felizes, devendo ser este o alvo principal da vida dos humanos. Por isso viam os prazeres como o supremo bem da vida. Notem que o cristianismo vem na contramão ensinando a que renunciemos a nós mesmos.

À luz do precedente, pode-se reconhecer por que havia filósofos epicureus entre aqueles que passaram a conversar polemicamente com Paulo, na praça do mercado em Atenas, e que disseram: “O que é que este paroleiro quer contar?” “Ele parece ser publicador de deidades estrangeiras.” (At 17:17, 18) A filosofia dos epicureus, com a sua ideia de “comamos e bebamos, pois amanhã morreremos”, negava a esperança da ressurreição ensinada pelos cristãos no seu ministério. — 1Co 15:32. ( ver Biblioteca Online da Torre de Vigia).

2. Os estoicos descartavam totalmente a ideia de um Deus pessoal e defendiam que todas as cosia eram parte integrante de uma divindade impessoal, de onde emanava também a alma humana. Criam na propriedade da alma de sobreviver à morte do indivíduo, porém esta mesma alma sobrevivente seria reabsorvida à deidade. Sustentavam ainda que, para alcançar a verdadeira felicidade, o homem precisava raciocinar para compreender as leis que governam o universo e se harmonizar com elas. Seguindo as leis da natureza, portanto, o indivíduo era considerado virtuoso e seria capaz de atingir um nível de indiferença à dor e ao prazer, independente de quaisquer condições ou circunstâncias. Adaptar-se as leis naturais significava entender e aceitar que o destino governa as contingências humanas, e o homem pode fazer pouco ou nada para mudar o estado de coisas.

Como os epicureus, os estoicos reputavam como absurda a ideia de ressurreição dos mortos, o que nos faz entender o motivo por que chamaram Paulo de paroleiro e anunciador de divindades estrangeiras quando o ouviram pregar sobre Jesus e a ressurreição. Di-ze que se consideravam os melhores dos homens e se entregavam tanto à soberba da vida quanto os epicureus aos prazeres. Notem que o cristianismo vem na contramão, ensinando que a humildade é o caminho da exaltação. O cristianismo nos ensina a que refutemos toda confiança em nós mesmos para que Cristo seja tudo em todos (Cl 3.11).

O SERMÃO NO AERÓPAGO

1. Ponto de partida do sermão: o Deus insondável, criador, sustentador e Senhor do universo.

No Areópago Paulo vai adaptar o discurso ao ambiente intelectual. Sua mensagem tem endereço certo. Ele vai começar apresentando um Deus pessoal, em contraponto à impessoalidade da divindade de seus ilustres ouvintes. E ele o faz a partir da única coisa que ele percebe em comum entre aqueles pagãos e o cristianismo: o Deus insondável (ou desconhecido). E ele vai apresentar este Deus tendo como pano de fundo uma teologia natural, numa consideração acerca da origem do universo que os gregos atribuía ao acaso.

A adoração do Antigo Testamento está permeada por uma teologia natural que argumenta a ideia de um Deus grande, infinitamente sábio, que formou tudo o que existe, e cuja criação testemunha contra os ímpios.

Tu só és Senhor. Tu fizeste os céus, e o céu dos céus; a terra e tudo o que nela há, os mares e tudo o que neles há; e tu os preservas a todos com vida; e o exército do céu te adora (Ne 9.6).

Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparastes; quem é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? (Sl 8.3,4).

Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Sem linguagem e sem fala, ouvem-se as suas vozes (Sl 19. 1-4).


Levantai ao alto os vossos olhos, e vede quem criou estas coisas; foi aquele que faz sair o exército delas segundo o seu número; ele as chama a todas pelos seus nomes; por causa da grandeza das suas forças, e porquanto é forte em poder, nenhuma delas faltará (Is 40.26).

2. Uma teologia da dependência total como contraponto à ideia de que Deus não se importa com os assuntos humanos e que a felicidade depende do próprio homem, Paulo apresenta a teologia da dependência total, a qual está exarada nas páginas da Bíblia Sagrada:

“Ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas (...), porque nele vivemos nos movemos e existimos” (At 17.25, 28).

“Todos esperam de ti que lhes dês o seu sustento em tempo oportuno. Dando-lhes tu, eles o recolhem; abres a tua mão, e se enchem de bens. Escondes o teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras a respirarão, morrem e voltam ao próprio pó. Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra” (Sl 104.27).

3. Um Deus que toma, Ele mesmo, a iniciativa de se revelar. "(...) para que buscassem ao Senho, se porventura tateando o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós" (At 17.27).

4. Uma teologia da inter-relação de todos os homens em resposta ao orgulho étnico dos gregos. "(...) e de um só fez todas as gerações dos homens para habitar a face da terra". Todos estamos relacionados a Adão pelo sangue, logo todos somos pecadores. Deus não divide os homens entre ricos e pobres, letrados e indoutos, preto e branco, bonito e feio. Para Deus todos são pecadores e precisam da redenção que há em Cristo Jesus.

5. Deus há de julgar o mundo por meio do varão que destinou. Notem que Deus julga o mundo tendo como fundamento a crucificação e ressurreição de seu Filho. Deus suportou os pecados da ignorância dos ímpios até o dia em que uma grande luz brilhou na escuridão e Alguém disse: “Eu sou a luz do mundo” Jo 8.12). Agora não há mais lugar para a ignorância, por isso se diz que a manifestação de Cristo é para a elevação de muitos, porém pedra de tropeço para outros. "Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse" (Is 28.16). 

5.1 O tempo da ignorância. Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todos os lugares, que se arrependam, porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo por meio do varão que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-os dos mortos (At 17.30,31). 

5.2 Deus há de julgar o mundo tendo como fundamento a crucificação e ressurreição de seu Filho. A ressurreição é a prova incontestável que Deus há de julgar o mundo e o supremo argumento da justiça de divina. Doravante, todos os planos de Deus para a humanidade, bem como o seu trato com os homens têm como base a ressurreição de Jesus. O que seria daqueles intelectuais que não criam em ressurreição se tudo o que hoje existe e o que se estenderá pela eternidade afora só acha sentido neste fato: Jesus ressuscitou e está vivo para sempre.

Continua...