sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O teimoso e o perseverante

Josafá R. Lima

É preciso discernimento para perceber que alguns meios que estamos usando para atingir certo fim atrasarão muito a chegada, ou mesmo a inviabilizarão, e então ter desprendimento e coragem para buscar outros caminhos mais viáveis que levarão ao mesmo lugar, desde que sejam legítimos”. Foi a partir desta ideia que um amigo me contou, recentemente, a diferença entre o teimoso e o perseverante. Ele sentou-se comigo e mandou preparar um suco natural de laranja propício àquela tarde quente e, enquanto sugávamos o líquido fresco, ele dizia que tanto o teimoso quanto o perseverante tem um alvo, ou seja, um lugar determinado para chegar, mas a grande diferença é que o perseverante considera as várias possibilidades para atingir seu objetivo, podendo transitar entre uma e outra, dependendo do grau de dificuldade encontrado, enquanto o teimoso não consegue enxergar mais que uma possibilidade. Achei muito interessante e fui para casa pensando sobre o assunto.

Mais tarde, ensinando aos crentes de minha igreja, fiz referência às palavras do pastor Marcelo Barbosa para falar sobre o vasto campo de possibilidades que a vida proporciona. Neste vasto universo de possibilidades, muitos são os trajetos que podem conduzir ao mesmo alvo, e a gente só precisa ter maleabilidade para buscar as alternativas mais adequadas sempre que percebermos que o meio por que estamos buscando algo atingiu um grau tão alto de dificuldades que não mais vale a pena persistir nele. Acrescentei que para o perseverante, o trajeto e o alvo são complementares, porém diferentes; para o teimoso, todavia, uma coisa é parte integrante da outra. Por isso que há momentos em que o primeiro muda a rota, apesar de persistir no mesmo alvo, pois sabe que mudança de rota não significa necessariamente mudança de objetivo, enquanto que o segundo não vê a possibilidade de mudar uma coisa sem alterar a outra.

Quantas pessoas, acalentando um sonho, palmilham há anos o mesmo caminho, vendo suas chances se limitarem cada vez mais, porém teimam em andar por uma estrada íngreme, desconsiderando todos os outros trajetos que lhe poderão conduzir ao mesmo lugar. São escravos de velhos hábitos e de antigos padrões. Já dizia o poeta: “Morre lentamente quem se torna escravo dos hábitos, repetindo todos os dias o mesmo percurso”. Não significa mudar todo momento a direção ou buscar atalhos aparentemente fáceis, mas ter uma visão aguçada para perceber quando não dá mais para insistir numa direção e precisamos pegar um desvio na estrada. As ferramentas se desgastam pelo uso, e o apego a ferramentas gastas torna-se um grande desperdício de energia.

O apóstolo João, no capítulo cinco de seu evangelho, registra a história de um paralítico que, há 38 anos, esperava um milagre á beira de um tanque chamado Betesda (casa de misericórdia). Havia na região uma história segundo a qual um anjo descia em certo tempo e agitava aquelas águas, e a primeira pessoa que mergulhasse no tanque, após a agitação das águas, seria curada de qualquer enfermidade. Não sabemos com que frequência o anjo descia, ou se descia de fato, o que temos de concreto é que aquele paralítico nunca conseguiu a graça de ser o primeiro a entrar nas águas agitadas pelo anjo, porque sempre que ele tentava, descia alguém antes dele. Suas chances diminuíam com a idade, sua tristeza não tinha fim, seu tempo de espera era indefinido e o resultado incerto. 

O paralítico de Betesda concentrou toda sua vida na expectativa da cura por meio do fenômeno do tanque. Ele estabeleceu um fluxo rigoroso em que a felicidade passava pela cura, e a cura passava terminantemente pelas águas de Betesda. Era uma pessoa extremamente centrada naquela única possibilidade, a ponto de se tornar distraída em relação a toda a vida que se passava ao redor. Convém ressaltar que uma pessoa distraída não é alguém sem objetivo ou disperso, trata-se de uma pessoa extremamente focada em um objetivo, a ponto de todo o resto desaparecer do campo de visão. É assim que um aluno em dias de provas e o estudante que vai prestar o concurso público esquecem até a senha do banco que usa há anos, ou a noiva que, com a proximidade da data do casamento, esquece a panela no fogo ou o ferro de passar roupas ligado.

João conta que Jesus se aproximou daquele homem e, sabendo que estava assim há trinta e oito anos, perguntou-lhe se queria ficar curado. Mas o paralítico estava tão focado nas águas de Betesda e, por conseguinte, tamanha era sua distração ao que se passava à sua volta, que ele não conseguiu atentar para a graça majestosa no olhar daquele que lhe falava. Sua resposta é sintomática de uma alma engessada e distraída. Ele se queixou, primeiramente de que não tinha ninguém por ele e, segundo, de não conseguir entrar nas águas. Como já fizemos referência acima, ele estabeleceu um fluxo: a água é agitada – alguém o mete no tanque – ele recebe a cura. Tudo o que fugisse disso não mereceria atenção. Ele não considerava nenhum outro meio para cura, além das águas de Betesda, nem mesmo este encontro privilegiado com o Filho de Deus. Jesus o curou por misericórdia.

Muitos estão numa luta inglória, porque não conseguem separar o alvo que estão buscando do caminho em que estão trilhando, e mesmo que os obstáculos à frente tornem-se intransponíveis para os recursos que possuem, teimam em prosseguir, porque não conseguem enxergar as múltiplas vias que a vida proporciona para se chegar a um mesmo lugar, possibilidades, aliás, muito bem exploradas pelo sábio perseverante que, ao perceber que a estrada em que está não faz mais sentido, busca uma trilha, vai ampliando sua rota até atingir o alvo de sua vida.

As águas vão contornando os obstáculos até que desaguam no mar. Há muitos caminhos para o mesmo destino e, desde que sejam legítimos, podemos e devemos escolher os mais viáveis.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Deus, esta realidade infinita

Hoje, conversando com um amigo teólogo que não simpatiza com a ideia da possibilidade de uma aproximação entre a criatura e o Criador à parte da igreja, argumentei que a igreja, apesar de ser a principal agência do Reino de Deus na terra, não pode comportar a plenitude de Deus. Ela é um canal por onde Deus frui para o mundo, mas por demais estreito para comportar o borbotar de graças que sempre respinga para fora, espalhando nuances de graças sobre todo o mundo. 
Aprendi, depois de algum tempo, que Deus é uma realidade que está para além da religião, para além além da igreja, para além dos dogmas...  que Ele respeita o recorte dele que faço para dar conta de um infinito que só por meio do recorte dou conta, mas Deus está para além de tudo isso. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre vontade e livre arbítrio

Josafá R. Lima

O homem é livre porque tem vontade e pode, pela própria vontade, escolher entre as várias possibilidades diante de si, isso é fato. Mas o que determina a vontade do indivíduo? Por que que gosto de Português e não de Matemática? Por que gosto de café puro e não com leite? Por que sou cristão e não ateu ou agnóstico? Por que penso a realidade assim e não do jeito do outro? Por que sou demasiadamente hétero? Será que existem algumas escolhas que fazemos na vida, pelas quais somos censurados ou aplaudidos, e que não são, a bem da verdade, legítimas e livres escolhas, mas que forças misteriosas ou naturais nos forçaram a agir daquela maneira e fomos vitimizados pelo engano de achar que somos os próprios responsáveis por tecer a história de nossa vida? Tenho me debatido com essas questões ultimamente.

Se por um lado a ideia de liberdade tem a ver com a faculdade de escolher segundo a própria vontade, arcando, é claro, cada um com as consequências de suas escolhas, por outro lado, a vontade não pode ter origem no nada, ela é determinada por muitos e variados fatores que dão origem a muitas e variadas vontades. Então, se posso escolher de acordo com minha vontade, sou livre, mas se considero que minha vontade é determinada por fatores que desconheço, visto que escapam a minha vontade consciente, sou escravo. Sendo assim, a liberdade só é possível superficialmente, no nível da consciência e da nossa própria conceituação do termo, até onde vai o limite de nosso saber.

Gosto muito da mitologia grega, porque nos oferece uma resposta simples à questão que ora levanto: os deuses gostam de brincar com o destino dos homens, ou seja, os deuses gostam de inventar destino. É assim que Homero se sobressai entre outros escritores por ressaltar em sua literatura essas peripécias dos deuses, principalmente em Odisseu, personagem mitológico que, ao regressar da guerra de Troia para sua pátria, virou brinquedo das divindades enquanto navegava com seus homens. Ele teria dia e hora determinados para chegar e, portanto, tudo o que acontecesse no trajeto, inclusive suas próprias escolhas, bem como a de seus homens, seria um meio de atender aos caprichos dos habitantes do Olimpo. Confesso que tenho observado alguns acontecimentos em minha vida e na vida de pessoas próximas que causam a impressão de que estamos aqui apenas atendendo aos caprichos de divindades, e estas divindades podem ser, como já expuseram muitos pensadores, Deus, o ambiente, o bio-psiquismo, a pressão social ou todos estes fatores juntos. 

Não foram poucos os pensadores se debateram com a questão da livre arbítrio versus determinismo. Alguns questionaram seriamente o pretenso livre-arbítrio humano e atribuíram nossas ações a algum determinismo, sejam de ordem social, biopsíquico ou espiritual - alguns bem radicais, outros nem tanto. Os deterministas naturais acham sua maior expressão em Skinner, pensador que defendia que tudo o que fazemos e somos é invariavelmente determinado pelo ambiente. Skinner defende exaltadamente sua ideia determinista no texto o O Mito da Liberdade. Para ele, nossos desejos, vontades, escolhas e comportamentos são apenas respostas do organismo animal aos estímulos do ambiente físico e social, sendo que aqueles comportamentos que são reforçados tendem a ser perpetuar, gerando os hábitos e a forma como indivíduos e sociedade se configuram. 

Outro grupo de pensadores bem expressivos, porém não tão radicais como Skinner, inclui a figura de Sigmund Freud. O pai da psicanálise atribuía todo o comportamento humano a uma junção de forças inconscientes do aparelho psíquico e eventos fortuitos que, como a própria palavra sugere, fogem totalmente ao controle da vontade e decisões humanas. Para Freud, nós não somos tão senhores de nossa casa assim como pensamos.

Como bom cristão que tento ser, tendo a desenvolver mecanismos de defesa para fazer frente a estes questionadores da liberdade humana e também para preservar a ideia cristã de livre arbítrio e consequente responsabilidade diante de Deus e dos homens pelas escolhas que, consciente e deliberadamente, tomo na vida. Nesta ideia se sustenta todo conceito de pecado, perdão e redenção. Tais mecanismos de defesa se insurgem também contra minhas próprias incertezas e questionamentos, este fantasma da dúvida que me assalta sempre que analiso acontecimentos intrigantes em minha volta. Vejo pessoas cometerem as maiores loucuras, impulsionadas por sentimentos aparentemente indomáveis. Tentado a imaginar que fizeram aquela escolha para as suas vidas, contraponho-me a mim mesmo, rebatendo que ninguém, consciente e deliberadamente, abraçaria uma situação tão deplorável. Mas, na dúvida, prefiro continuar no meio da incerteza, a fim de me valer do benefício da dúvida diante do tribunal de minha consciência. 

Mas consola-me olhar e ver entre teólogos cristãos expressivos aqueles que também lançaram um olhar de questionamento sobre essa pretensa liberdade. Entre os maiores estão Calvino e Edwards. O primeiro concebeu a ideia de uma salvação espiritual totalmente determinista que alcança um grupo de eleitos contemplados desde a eternidade e, por outro lado, uma perdição determinista para os reprovados desde os tempos eternos. Pressupõe-se que este predeterminismo vai gerenciar todos os acontecimentos da vida das pessoas de forma a convergir de forma coerente e auto-explicativa para o destino delas. Edwards não foi tão radical quanto Calvino, mas , ao tentar conciliar livre arbítrio com soberania divina, criou um embaraço ao apregoar que o homem tem vontade e, a partir de sua vontade, faz escolhas livres, mas toda a sua vontade é causada por Deus.

Voltamos, então, às questões levantadas no início de nosso texto: Se a vontade é causada por alguma coisa que não seja a própria vontade, onde está o livre arbítrio? Bom, não tenho respostas. E as questões continuam em discussão. Somos mesmos livres? Se somos, qual o grau de nossa liberdade? Se nossa liberdade é mesmo limitada, por Deus, pelo ambiente, pelos padrões sociais ou qualquer outro fator, isso é, de fato, liberdade? 

 Um dia você acorda com uns questionamentos estranhos! Bate uma vontade de transgredir, de ser você... Tudo bem, você pode dizer NÃO para a sua vontade transgressora ou entregar-se a ela, e isso é livre arbítrio. Mas que influências determinaram a sua vontade de dizer NÃO ou SIM? Sei lá, melhor parar. Parece que Freud, Skinner, Calvino, Edwards e outros DETERMINISTAS voltam, às vezes, do além para assombrar a gente. "

sábado, 24 de agosto de 2013

Para além da existência finita: a questão do sentido

Josafá R. Lima

Nós precisamos ampliar nossa visão, para além do horizonte, para além do presente, do aqui-e-agora, para atribuir sentido à nossa existência, ao que fazemos. Leio que José, antes de morrer, deu ordem acerca da retirada de seus ossos do Egito. Abraão, lá em Moriá, olhou e viu o dia de Cristo a centenas de anos à frente. E alguns heróis da fé creram e abraçaram promessas que se concretizariam muito depois de suas breves vidas. A gente precisa focar alguma coisa que esteja para além de nós, para que a nossa esperança não se esgote nos dias que passam velozmente, no esgotamento continuado das forças, na imagem do espelho que se transforma a cada dia. E por falar em sentido para a vida, a psicologia trata desta questão, a filosofia também, mas me parece que a religião dá um passo gigantesco à frente por lançar o olhar por cima do muro do temporal, do finito, e capturar o eterno. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

PROVOCAÇÃO

Luís Fernando Veríssimo

A primeira provocação ele aguentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.
Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram lhe provocando por toda a vida.
Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.
Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.
Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam lhe provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.
Terra era o que não faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou.
Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
- Violência, não!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A necessidade e a urgência do culto doméstico

INTRODUÇÃO

A configuração social e familiar de nossos dias parece não favorecer a prática do culto doméstico, por isso a adoração ao Senhor no seio do lar tem sido negligenciada e esquecida, mas isso não diminui em nada a importância dela, pois os resultados trágicos dessa negligência temos visto de maneira gritante na igreja e na sociedade em geral. É fato que a configuração da família tem mudado muito nos últimos anos. Além da configuração estrutural, por exemplo, famílias formadas apenas por pai e filhos, ou apenas mãe e filhos, etc., a maneira de os membros se relacionarem entre sim vem passando por mudanças incríveis, de maneira a não comportar mais a tradição que delineava o comportamento familiar até bem perto do final do século passado. Em muitos casos, as pessoas se comportam como se morassem na mesma casa, mas sem vínculos familiares, cada qual com sua própria vida. Vivem dispersas e alheias, cada uma com sua vida, seus projetos, sonhos e, muitas vezes, suas próprias crenças.

É fato que a televisão, e muito mais ainda a internet, dá contribuição muito grande para tamanha dispersão, sem esquecer as ocupações do dia-a-dia, que jogam as pessoas numa corrida tresloucada para atender às exigências da sociedade moderna, sobrando muito pouco tempo e espaço para as relações familiares. Os pais quase não têm tempo para os filhos, por isso terceirizam a educação deles, transferindo à escola e a outros cuidadores uma prerrogativa que é exclusivamente paterna. Todas essas atividades intensas deixam muito pouco tempo para a interação e vivência entre os entes familiares que estão cada vez mais dispersos, ignorantes acerca dos problemas uns dos outros e individualista.   Em se tratando dos cristãos, a antiga e salutar tradição do culto doméstico com fim de a família se fortalecer espiritualmente, promovendo consolo e instrução aos seus membros, principalmente as crianças, de há muito foi substituído por outras atividades próprias dos entretenimentos modernos que se instalaram como deuses em nossos lares, aos quais cada membro presta o seu culto isoladamente. A lição de hoje vem discutir o lugar do culto doméstico nos lares modernos, despertar-nos no tocante a importância de voltarmos à prática do culto em família e mostrar os benefícios dele decorrentes e os males de se viver numa família dispersa e alienada da adoração intralar a Deus.

I.  O CULTO DOMÉSTICO
“Nunca se omitia o culto doméstico do programa do dia, no lar de Samuel Wesley”.  
1. Adoração em família. Nos dias do Antigo Testamento, eram prática comum as reuniões familiares, quando os pais ensinavam a Palavra de Deus aos filhos. As crianças eram ensinadas acerca do temor e gratidão devidos ao Senhor e das beatitudes resultantes da obediência à vontade divina. Aliás, todo processo de educação estava centrado no lar, e os pais eram os responsáveis por instruir seus filhos na lei do Senhor. Do que podemos depreender de Deuteronômio 6.6, as reuniões em família para os cultos de ensino eram prática constante nas famílias de Israel, prática que se estendeu por séculos e permeou a história da igreja de Cristo até sucumbir ante os embaraços de nossos dias pós-modernos. No livro Heróis da Fé, Orlando Boyer nos deixa esta pérola acerca da família Wesley que deu ao mundo o grande pregador, pai do metodismo, João Wesley, em cuja vida a influência dos ensinos domésticos da mãe Susana Wesley é inegável:

Nunca se omitia o culto doméstico do programa do dia no lar de Samuel Wesley. Qualquer que fosse a ocupação dos membros da família, ou dos criados, todos se reuniam para adorar a Deus. Na ausência do marido, Susana, com o coração aceso pelo fogo dos céus, dirigia os cultos. Conta-se que, certa vez, quando ele prolongou a ausência mais do que de costume, trinta e quarenta pessoas assistiram aos cultos no lar dos Wesley e a fome pela Palavra de Deus aumentou, a ponto de a casa ficar repleta das pessoas da vizinhança que assistiam aos cultos.

Deus sempre esboçou seu desejo de estar presente no lar, desde o primeiro casal, quando ele aparecia diariamente para desfrutar de íntima comunhão com eles. Passando pela época dos patriarcas, vemos manifestações claras da presença de Deus nos lares de Abraão, Isaque e Jacó. Nos dias de Moisés, havia a ordenança para que os pais instruíssem na lei do Senhor em casa. Os cultos em casa eram frequentes na época da igreja primitiva. Hoje, lamentavelmente, a cultura da adoração no lar foi substituída pela cultura do entretenimento, que nada acrescenta à vida espiritual, mas servem de embaraço e tropeço. A qualquer hora do dia que acessemos qualquer rede social, há centenas de pessoas conhecidas conectadas, crentes, e depois damos a desculpa de que não fazemos culto doméstico porque não temos tempo. 

Mas é claro que entendemos que a maneira como as comunidades se configuravam na época favorecia as reuniões cultuais nos lares, pois não havia templos como temos hoje e não havia tanto entretenimento concorrendo com o espaço devido ao culto. Por isso precisamos ser realistas para sinalizar que a aula não pretende que voltemos a um tempo que não se encaixa mais, porém nos insta a fazer o que ainda dá para fazer.

2. A restauração da instrução doméstica.
“E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; e intimarás aos teus filhos e delas falarás assentado em tua casa (...)”. Dt 6.6,7.

Li em algum lugar que o culto doméstico, além de desenvolver na criança o princípio da adoração a Deus, sedimenta em nossos filhos os verdadeiros valores morais. Por isso a preocupação de Deus nos dias do Antigo Testamento (hoje também) para que os pais não descuidassem da instrução dos filhos. O sábio Salomão já advertia: "Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer, não se desviará dele" Provérbios 22.6. Nestes dias de terceirização da educação dos filhos, vendo os resultados deletérios dessa terceirização na sociedade, com as drogas, a imoralidade, o sexo precoce e as gravidezes indesejadas, faz-se urgente que os pais reassumam a responsabilidade pela educação de seus filhos, a qual começa no seio do lar, principalmente com o ensino sobre a importância se se amar e temer a Deus. E como os infantes aprendem vendo os adultos fazerem, nada mais importante do que incutir na mente deles o amor e a adoração a Deus por meio do culto doméstico.  

3. A prática do culto doméstico e sua importância. O hábito vem pela persistência na prática de alguma coisa. Às vezes precisamos insistir numa prática até que ela vire hábito. São muitos os obstáculos para que não consigamos reservar um momento do dia em nossa casa para a adoração ao Senhor. Mormente nesta sociedade materialista em que as pessoas andam correndo tanto e normalmente estão cansadas. Entre outros obstáculos para a realização do culto doméstico, temos o desencontro de horários dos membros da família que nem sempre estão em casa no mesmo momento, a fadiga excessiva e, de fato, a pouca importância que se dá à vida de devoção em nossos dias. Além de que o espaço para a prática do culto doméstico concorre com concorrentes fortes como os entretenimentos da internet e televisão.  Mas se tomarmos uma posição firme na vida, nós podemos decidir como Josué: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor” (Jo 24.15).
O valor do culto doméstico para a edificação de famílias inteiras e vidas em particular pode ser aquilatado nas biografias e relatos empolgantes de grandes vultos da fé, como João Wesley, cujo exemplo já citamos acima. Mas vale a pena ler o relato extraído da página da Assembleia de Deus do Belém em Limeira, posto abaixo.


“Conta-se que um dos mais conhecidos pregadores na história da Inglaterra foi Ricardo Baxter. Quando ainda jovem, foi chamado a pastorear uma grande igreja, cujos membros eram ricos e instruídos. Achou-os todos frios e carnais, e, por isso, ficou desapontado e desanimado. O jovem pregador dizia: O único meio de salvar a igreja e a circunvizinhança é estabelecer a religião nos lares, levantando em cada família um altar. Passou três anos trabalhando, visitando as casas, disposto a estabelecer o culto doméstico em todos os lares. Atingiu nisto um grau admirável, e o ambiente nos lares foi a base do movimento que encheu a igreja de ouvintes e iniciou o glorioso ministério de sua vida. Baxter provou que, para a igreja, o altar familiar nos lares dos membros é indispensável. A família Wesley tinha 19 filhos, mas nunca se acharam demasiadamente ocupados, a ponto de não poderem realizar o culto doméstico. Gozavam de tão grandes bênçãos nestas reuniões, em ler a Bíblia e orar que, às vezes cem vizinhos se congregavam nas divisões da humilde casa, para ajoelharem-se com a família perante o trono de Deus. Eram horas perdidas? Não; muito pelo contrário, eram os alicerces do grande avivamento mundial que acompanhou o ministério do grande pregador João Wesley e seu irmão Carlos que se tornou o hinólogo do movimento Metodista. A importância do culto doméstico e a instrução das crianças é tão importante que Cortland Myers relata que conhecia dois irmãos, que alguns anos depois da morte do pai, resolveram vender a velha casa onde se criaram. Os dois voltaram juntos para ver a casa de novo. Andavam pela varanda, quando um deles parou, e disse: Roberto, não podemos vender a casa. O outro também parou e respondeu: Como é interessante; resolvi a mesma coisa neste instante, quando olhei para esta cadeira e me lembrei como papai se assentava nela e lia a Bíblia, no culto doméstico. É a cadeira que rodeávamos de joelhos, enquanto papai nos dirigia, ao elevarmos a Deus em oração. E, ali, aqueles dois irmãos se ajoelharam ao lado da velha cadeira e arrependeram-se com muitas lágrimas. Saíram de lá salvos e depois sempre viveram para Deus e contribuíram para a sua obra.” http://assembleiadedeuslimeira.com.br/noticia_147.html


II. O CULTO NO LAR 

Como tudo o que vamos fazer na vida, todo processo começa com a firme decisão de que se vai fazer algo. A partir daí, precisa-se estabelecer o dia ou dias da semana e o horário. Deve ser escolhido o momento que seja mais adequado à presença de todos. Os três principais elementos do culto devem estar presentes: oração, louvor e a pregação da Palavra. Outras variáveis do culto acontecerão de acordo com a peculiaridade da família

É possível encontrar todo um esquema montado sobre como realizar bem um culto doméstico, como este extraído do site da Igreja Assembleia de Deus em Quarta Parada:

1. Colocar no coração o propósito de realizar o Culto Doméstico pelo menos uma vez por semana e orar para Deus livrar de todos os impedimentos

2. Escolher o melhor dia e horário onde se possa reunir o máximo possível de pessoas da casa/família.
3. Iniciar o trabalho com uma oração e, em seguida, escolher um  ou dois hinos da Harpa Cristã ou corinhos fáceis de cantar e conhecido de todos.
4. Fazer a leitura de um Salmo ou passagem Bíblica, ou de um livro devocional, como por exemplo, o Pão Diário, encontrado em qualquer livraria Evangélica.
5. Após a leitura fazer um breve comentário sobre o que entendeu e como esta leitura se aplica na vida de todos. Pode ser dada a oportunidade aos outros da família que também desejam comentar brevemente o que entenderam
6. Após a leitura, será iniciada a oração que pode ser dirigida por uma pessoa ou distribuído entre os presentes. Cada membro da família pode fazer seu pedido de oração (pela família, estudos, saúde, trabalho, etc.)
7. Ao término da oração, canta-se outro Hino ou Corinho, com todos de mãos dadas, e se encerra o Culto Doméstico.
Algumas observações importantes:
O Culto Doméstico não pode ser muito longo, principalmente quando houver crianças. Meia hora é o suficiente
No momento da Oração lembre-se que agradecer também é tão importante quanto pedir
Este deve ser um momento prazeroso para todos, e não deve trazer aborrecimentos, brigas ou repreensões.
Se estiver na sala, desligue TV ou rádio; se não puder, vá para o quarto.
http://adquartaparada.org/2012/03/24/como-realizar-um-culto-domestico/

III. BÊNÇÃOS AVINDAS DO CULTO DOMÉSTICO


Veja a seguir dez razões para se praticar o culto doméstico, segundo o pastor Napoleão Falcão.


1. Porque nos dispõe para enfrentarmos as tarefas diárias com um coração mais alegre, torna-nos mais fortes para o trabalho, mais dedicados ao nosso dever e predispõe-nos a glorificar a Deus em tudo que fizermos. Ler Colossenses 3.17.

2. Porque nos dá força para enfrentarmos o desânimo, as decepções, as adversidades inesperadas e as frustrações com que nos deparamos. Ler Hebreus 2.18.
3. Porque nos torna mais cônscios, no decorrer do dia, da presença reconfortante do Deus que nos ajuda a vencer pensamentos impuros e outros inimigos quaisquer, que porventura vierem atacar-nos. Ler Filipenses 4.4-7.
4. Porque o culto doméstico suaviza as asperezas do relacionamento no lar e enriquece grandemente o convívio em família. Ler Efésios 6.1-9.
5. Porque esclarece os mal-entendidos e tende a aliviar as tensões que por vezes invadem o ambiente sagrado do lar. Ler Romanos 12.9-11.
6. Porque o culto doméstico ajuda a manter na fé os filhos que saem de casa, afastando-se da influência dos pais. Na maioria dos casos, é o culto doméstico que mais tarde irá determinar a salvação de filhos de lares crentes. Ler  II Timóteo 3.15-17.
7. Porque ele poderá ter influência sadia e santa sobre as pessoas que possam estar visitando a família. Ler Romanos 14.7-9.
8. Porque o culto doméstico reforça o trabalho pastoral e, além disso, estimula em muito a participação na Igreja. Ler Romanos 15.6-7.
9. Porque o culto doméstico faz de um lar exemplo e estímulo a outros lares, para que tenham a mesma vida de devoção e adoração a Deus. Ler Atos 2.46,47.
10. Porque a palavra de Deus ensina que devemos fazer o culto doméstico. Ao obedecermos a Deus, estamos dando honra àquele que é o doador de todo o bem e fonte de toda a benção. Ler Romanos 12.1,2.

Fonte: www.centraldepregadores.com.br/napoleaofalcao/

Além de tudo o que já se viu sobre razões para se pratica o culto doméstico, por meio deles os membros descrentes podem entregar suas vidas a Cristo, se sabiamente forem convidados a participar.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Fundamentos da Ética

TEORIAS ÉTICAS

As aulas de Ética não eram os melhores momentos da faculdade. Havia teorias demais, todas desprovidas de aplicação prática. Um ano estudando o assunto e vendo toda esperança de absorção do conteúdo indo pelo ralo. Um dia, já egresso do curso superior, fui desafiado a escrever sobre as principais teorias éticas. Comecei uma pesquisa bibliográfica que me levou ao texto de Mariano Junior: Sobre fundamentos da ética, e ao livro Introdução à Filosofia: uma perspectiva cristã, de Norman Geisler e Paul Feinberg. Os autores dessas obras apresentam uma visão panorâmica das principais teorias relacionadas a esta disciplina: Antinomismo, Relativismo e Absolutismo, as quais se formaram ao longo dos tempos e influenciam a nossa maneira de pensar eticamente hoje. A seguir, apresentamos um resumo.

O Antinomismo (contra-lei) é a ideia de que não há regras objetivas ou universais pré-estabelecidas para guiar moralmente as ações humanas. As normas são construídas subjetivamente, de acordo com as necessidades do momento. Neste recorte, inclui-se a corrente existencialista, cujos representantes mais expressivos são Kierkegaard e Sartre. O primeiro propõe uma transcendência antinomista ao afirmar e dividir os valores morais em duas vertentes: os deveres éticos e os deveres religiosos. Kierkegaard argumenta que, em caso de conflito, o segundo grupo deveria ter primazia em relação ao primeiro. Sartre rejeita qualquer tipo de ética universal e absoluta, a partir da concepção de que a existência humana é absurda e que o homem é originalmente nada, ou seja, não tem essência humana pré-estabelecida e, portanto, ele é o resultado das próprias escolhas. Ainda segundo a concepção sartriana, os valores não são prescritos ao homem por qualquer entidade fora dele mesmo, mas cabe a este criá-los. Sartre usa a frase de Dostoiévski, em Os irmãos Karamazov: "Se Deus não existe, tudo é permitido", para defender que os valores éticos e morais são criações humanas de acordo com as necessidades do momento.  

Ainda dentro da forma de pensar antinomista, aparece Nietzsche, propondo que tanto o ético quanto o religioso devem ser transvalorizados a partir da ideia da morte de Deus, o que joga o homem numa condição em que ele mesmo deve criar seus próprios valores. 

Ayer defende que a ética não preceitua, mas é simplesmente emotiva. Logo, acontece a eliminação da ética absoluta pela teoria  do Emotivismo, segundo a qual, não há mandamentos absolutos: há apenas as expressões dos sentimentos pessoais do indivíduo.
De acordo com Ayer, quando alguém afirma que deve fazer alguma coisa, isso equivale a dizer que este alguém sente que deve fazer o que pretende
. Por exemplo: quando digo que devo respeitar as pessoas, não estou orientado por um mandamento supremo e absoluto - o de que o respeito às pessoas tem valor intrínseco -, mas porque sinto a necessidade de respeitá-las, simplesmente porque não gosto de desrespeitá-las, mas eu poderia pensar diferente. Sendo assim, nenhuma declaração ética tem significado cognitivo, sendo apenas emotivas e expressivas do sentimento de quem fala e, portanto, as ações humanas não podem ser objetivadas em categorias de certo e errado, verdadeiro ou falso.

As teorias relativistas pretendem resolver as incongruências dos pensadores antinomistas. Sendo assim, o Generalismo apela para a ideia da existência de muitas normas éticas de aplicação geral, mas não universal, e é aqui que acha expressão o utilitarismo, pensamento segundo o qual, nenhum ato deve ser julgado por um valor intrínseco, mas pelos resultados decorrentes dele, ou seja, o que deve avaliar uma ação não é a ideia de universalidade e absolutismo de princípios, mas o resultado, se será bom ou ruim. Logo, nenhum ato tem qualquer significado ético à parte de suas conseqüências. Entre os representantes mais expressivos dessa teoria estão Jeremy Bentham, John Stuart Mil e G. E. Moore. Este último assinala que o resultado dos atos deve determinar, além de sua moralidade, seu direito a generalizações e exceções.

Entre os extremos do antinomismo e do legalismo, aparece o Situacionismo, cujo proponente mais vigoroso é Joseph Fletcher, que propõe o princípio inquebrantável do amor como avaliador ético de nossas ações, norma que pode ser aplicada a qualquer situação ética. A ideia, bem teísta e amparada no Novo Testamento, é a de que todas as ações humanas devem ser motivadas pelo amor às pessoas.  

O absolutismo aparece dividido em três correntes: Normas Universais Não-conflitantes, Normas Universais Conflitantes (absolutismo ideal) e Normas Universais Hierarquicamente Ordenadas (Hierarquismo). O primeiro, amparado inicialmente nas idéias de Platão, passando mais tarde por Immanuel Kant, apregoa a ideia de que existem muitas normas que são universais e absolutas, de valor intrínseco e que, todavia, não são conflitantes entre si. Platão, no seu Mito da Caverna, sugere a ideia de um bem absoluto de onde emana todas as outras formas inferiores de virtudes. A desobediência as essas virtudes, em qualquer situação, constituiria um erro.

Para o absolutismo ideal, muitas regras universais são conflitantes, apesar desses conflitos serem apenas aparentes, e, neste caso, devemos escolher seguir aquela regra que causará o menor dano possível; logo, não se trata de quebrar alguma regra, mas de agir de acordo com a que trará menos dano e mais bem às pessoas. 

O Hierarquismo destoa do Absolutismo Ideal ao propor que existem sim conflitos entre as regaras absolutas, e resolve o problema afirmando a supremacia de umas sobre as outras e que, no caso de conflitos, deve-se sempre seguir a norma que impõe a obrigação mais alta.

Como já dissemos em algum lugar, o autor faz uma avaliação de cada uma das teorias resumidas acima, apresentando o que há de louvável e reprovável nelas, e então, conclui que o amor deve, de fato, ser o elemento avaliador das motivações e condutas humanas, argumentação que converge com a ideia de Platão, segundo a qual há um princípio maior de onde emanam todas as virtudes, o que, dentro de uma perspectiva teísta, nos remete a Deus. Destarte, o autor conclui afirmando posição com o absolutismo hierarquista. 

Quanto a mim, senti-me muito enriquecido com o novo conhecimento que me foi apresentado sobre ética, assunto a que normalmente nos referimos no dia-a-dia de maneira muito superficial. Atentei diligentemente para cada teoria e percebi que cada uma traz princípios interessantes que podem ser pensados e aplicados em todas as áreas da vida. Vale salientar que, em minha opinião, os princípios que se mostram mais coerentes e de acordo com os princípios cristãos que defendo são as teorias absolutistas.




[i] Fundamentos da Ética e da Bioética: Mariano JR. Em busca de uma bioética global – Princípios para uma moral mundial universal e de uma medicina mais humana. São Paulo: Hagnos, 2009. Capítulo 3.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Adoração, filha do mistério




A adoração reside no mistério,nas fantasias oriundas da curiosidade pelo desconhecido que persiste em não se revelar. Quando se revela, desencanta, perde o provocar do suspense e acaba no lugar comum.É lá que Deus se concebe, está e se esconde: no lugar inacessível do mistério mais profundo, revelando aqui e ali apenas uma partícula microscópica de Si, para aguçar nossa curiosidade e atiçar nossas fantasias em relação a Ele. Ele se esconde para inspirar sentimento de adoração nos mortais. Porque só se rende adoração ao mistério, ao incapturável, ao inacessível. Se a Divindade se revelasse plenamente, não levaria muito tempo para que nós a desprezássemos e, talvez, a nossa frustração e intolerância a dependurassem novamente numa cruz.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Tu, porém, vai até ao fim (Dn 13.12)





"Precisamos integrar passado, presente e futuro em um todo que dê sentido à vida. O passado, não importa quais experiências tenham sido, me diz que tenho uma história; o presente com seus grandes desafios me diz que minha história de vida não está fechada, ela é abertura, possibilidade, e a qualquer momento um novo e impactante capítulo pode surgir; o futuro com suas promessas me cochicha aos ouvidos que minha história terá um capítulo final; e como naquelas histórias infantis, imagino esta frase na última linha do último capítulo: E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE."

E ouvi uma grande voz do céu que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seu olhos toda lágrima.... (Ap 21.3,4).


Obs. A gravação ficou ruim, mas vale a pena ouvir o conteúdo.

domingo, 14 de abril de 2013

As promessas de Deus, fundamento de nossa eterna esperança



“Eu dou um passo, ela dá dois passos. Eu dou dois passos, ela dá quatro passos. Eu dou quatro passos, ela dá oito passos. Para isso serve a utopia, para eu seguir caminhando.” Eduardo Galeano.
"Esperança é essa impressão de que a grandiosidade dos resultados vindouros compensará qualquer sacrifício no presente" J. R. Lima. 
" O futuro é tão promissor quanto as promessas de Deus." William Carey.

Todos nós precisamos de um sonho, uma utopia, um carro chefe que arraste nossa visão para frente e nos proporcione uma dose adequada de esperança que não nos deixe sucumbir aos desafios do presente. Vítor Frankl, no seu livro Em busca de sentido, que conta sobre sua experiência no campo de concentração nazista, relata que entre os prisioneiros, aqueles que tinham uma visão projetada para frente conseguiam achar força e motivação para continuar lutando e vivendo. Eles pensavam em como seria o reencontro com as famílias e amigos, ou qual seria a sensação de refazerem as  atividades preferidas, os encontros entre antigos conhecidos nos bares de sua cidade natal onde poderiam contar todas aquelas experiências terríveis entre um gole e outro de sua bebida predileta. Mas os que não tinham essa perspectiva facilmente sucumbiam, porque estavam aferrados a um "passado feliz e sem volta" contrastado com as agruras da vida presente.


Para onde lançamos o olhar? Essa é uma das questões cruciais da vida. Temos as experiências do passado, os desafios do presente e as promessas para o futuro. Entre os companheiros de Frankl, havia os que estavam aferrados a “um passado que não volta mais” que impossibilitava qualquer esperança no futuro. Outros se aferravam apenas ao presente aterrorizante e deletaram sua história de vida, pois resumiam-se apenas a prisioneiros de campo de concentração. Como afirma um prisioneiro descrito no livro A noite*,que também trata de experiência no campo de concentração nazista, “Eu era apenas um estômago faminto”.

Não podemos fragmentar temporalmente nossa história de vida sem grandes prejuízos, pois o que somos  se alicerça no que já experimentamos, na forma como lidamos com nossos desafios no presente e nos projetos e planos que nos projeta para a frente. Precisamos integrar essas facetas de tempo em um todo que dê sentido á nossa luta, ao que fazemos. O meu passado me diz que eu tenho uma história, meu presente com seus desafios me diz que a minha história não está fechada, é abertura e possibilidades, e a visão de futuro nos cochicha o vislumbre de um capítulo final cuja frase de encerramento será parecida com aquela vista nas histórias infantis: “E viveram felizes para sempre”.

Precisamos ter esperança no futuro enquanto encaramos os desafios do presente com os recursos angariados nas experiências do passado. O que é esperança? Esperança é este olhar projetado para o futuro, a impressão, ainda que pálida, de que dias melhores virão, que a vida dará uma reviravolta e transformará as experiências em algo muito edificante, que a grandiosidade dos resultados compensará qualquer sacrifício. É isso que nos move.

As promessas de Deus, nossa real motivação.
O que nos move ou nos paralisa? Por que estamos aqui e não em outro lugar? Por que escolhemos fazer isso que fazemos dentro de uma infinidade de possibilidades que a vida proporciona? Em meio a todas estas questões e imbróglios da vida, a gente não pode perder de vista aquilo que Deus pensou para cada um de nós. E o que Ele pensou a nosso respeito é uma parte integrante de um projeto maior relacionado à sua igreja. A gente não pode perder de vista aquilo que Deus projetou para sua igreja desde os tempos eternos. 
Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude. Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo (1 Pe 1.3,4). 
          As promessas de Deus, nossa real motivação.
Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude. Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo (1 Pe 1.3,4).
Na Bíblia, Deus faz promessas que são gerais e promessas que são individuais,  promessas que são para Israel e promessas que são  para a igreja. 
As promessas de Deus cumprem seus propósitos
A sua vida cumpre parte importante dos propósitos de Deus.
Deus estabeleceu seu propósito desde a eternidade
É mais por ele do que por nós ( o caso de Moisés; o juramento feito a Abraão).

As promessas de Deus são um ato de sua soberana vontade (tem origem nos pensamentos de Deus).
No texto de Isaías 55, o profeta se refere aos pensamentos de Deus, seus propósitos e seus caminhos como a fonte soberana de onde se derivam todas as suas ações no seu relacionamento com o homem, inclusive as suas promessas (vv. 8,9). 
Estão asseguradas em seu caráter e poder
A firmeza de Seu caráter figurado em uma rocha (Dt 32).
Seu caráter figurado por meio de montanhas (Sl 125).
 As promessas de Deus: contra as  distrações do caminho
A Bíblia se refere a nós como atletas que têm uma carreira pela frente. Aliás, a vida pode ser comparada a uma maratona, um grande teste de resistência e paciência. Nesta carreira que nos foi proposta, (Hb 12.1), haverá coroação apenas  para aqueles que cruzarem a linha de chegada, independente da posição ocupada: “Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2.10). Ouvi dizer que uma pessoa é medida não por aquilo que principia a fazer, mas exatamente por aquilo que consegue terminar. O pregador disse que “é melhor o fim das coisas do que o princípio delas…” (Ec 7.8). Portanto, a promessa de Deus são o carro chefe que forçam a nossa atenção para a frente e nos instam a que 

Prossigamos para o alvo “Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” (Fl 3.14). 

Deixemos todo o embaraço “Portanto, nós também, pois, que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia e corramos, com paciência, a carreira que nos está proposta.” A grande façanha das promessas é atrair o foco da visão, é chamar a atenção para frente, é como uma voz dizendo ei, aqui (faça o gesto),para aquilo que está adiante. Aliás, é uma necessidade humana este mover-se para frente. 
A importância da fé
“Vendo-as de longe e crendo nelas e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.” Vejam todos: foi a visão de futuro deles que determinou o seu comportamento presente.

Nós estamos guardados, amparados, cercados pelas promessas de Deus. Suas promessas fortalecem a nossa fé.
“Lembra-te da palavra dada ao teu servo, pela qual me fizeste esperar, ela é a minha consolação na minha angústia, porque a tua palavra me preserva a vida.” Sl 119.49.

Deus não retarda sua promessa
O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se (2Pe 3.9). 

O tempo não é um obstáculo para Deus.
As circunstâncias não são obstáculos para Deus.

Finalizamos com este lindo texto de João Bunyan, no livro O peregrino: Andando pelo deserto deste mundo, cheguei a um lugar onde havia uma caverna . Ali me deitei para dormir; enquanto dormia, tive um sonho. Vi um homem vestido em farrapos, com as costas voltadas para o seu lar, um livro na mão, carregando um grande fardo. Olhei, e o vi abrir o livro e ler; enquanto lia, chorava e tremia. Não podendo conter a angústia, rompeu numa dolorosa lamentação: Que farei?
Vê aquela luz brilhante? Firme os olhos na luz, vá diretamente ao rumo dela e você encontrará o portão. 

domingo, 7 de abril de 2013

Um pouco de filosofia versus teologia

A negação da doutrina do pecado no existencialismo de Sartre

Jean Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês cujo pensamento influenciou fortemente a cultura ocidental do século XX, um dos principais ícones do Existencialismo, acreditava que tudo o que existe vem à existência contingencialmente, ou seja, sem razão ou propósito predefinido, prolonga-se por causa da fraqueza e morre por acaso.

"A existência precede a essência" é a frase que tornou-se uma espécie de emblema do Existencialismo sartriano. Para compreender melhor o que significa, precisamos compreender bem o significado de essência. Essência é o que faz com que uma coisa seja o que é - e não outra coisa. Exemplificando, temos que a essência de de uma mesa é o ser próprio da mesa, sua natureza íntima que faz com que ela seja mesa e não cadeira. Há algo intrínseco nela que, indiferente de ser de madeira, fórmica ou vidro, pequena ou grande, a identifica como mesa. A partir deste entendimento, no texto O existencialismo é um humanismo, Sartre usa como exemplo um objeto qualquer, fabricado a partir da concepção da mente humana, algo como um livro, alicate, um corta papel, etc. Neles, diferente do que acontece com o homem, a essência precede a existência, porque primeiramente foram concebidos com um propósito previamente definido e somente depois da sua concepção, estes objetos vieram a existir. É dessa forma que a cultura judaico-cristã entende a existência humana, ou seja, um Deus Criador concebeu um modelo de criatura e, como sua mente o concebeu, o executou, como o artífice que corta o papel para dar forma a uma figura.. Sendo assim, segundo a cosmovisão judaico-cristã, o homem teria uma natureza humana encontrada igualmente em todos os homens, ou seja, apesar de todas as pessoas serem diferentes umas das outas, todas possuem um núcleo em comum: uma natureza humana. Dentro dessa concepção, seria a essência que precederia a existência.

A ideia de uma essência determinante do que somos permeou toda a filosofia moderna ocidental desde descartes. Mas o existencialismo sartriano vem na contramão desta visão afirmando que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo e só depois se define como alguma coisa pelas escolhas que fizer. Ou seja, o homem primeiramente não é nada, ou é apenas uma massa de modelar, informe, e só será alguma coisa depois, da maneira como a si próprio se fizer, seguindo seu próprio projeto. Destarte, segundo a filosofia da existência, não há uma natureza humana comum a todas as pessoas, visto que não há Deus para concebê-la. 

Em relação aos valores universais, cuja origem a cosmovisão judaico-cristã atribui a um Deus pessoal , justo  e santo, Sartre defendia que os valores não são nem nunca foram dados ao homem previamente, mas cabe a  ele criá-los. Para isso se utiliza da frase de Dostoiévski, Se Deus não existe, tudo é permitido (em Os irmãos Karamazov) para afirmar uma autonomia absoluta do homem para criar seus próprios valores, em oposição à ideia de valores universais preestabelecidos, e para negar a existência de qualquer realidade sobrenatural. Portanto, a negação da existência de um Deus pessoal  exclui a crença em valores sagrados e universais preestabelecidos, o que por sua vez elimina qualquer ideia de pecado e de culpa. 

Outra questão interessante discutida no existencialismo é o fenômeno da morte. Para Sartre, a morte deixa a vida órfã de qualquer sentido. São dele estas palavras: "A morte é a nadificação dos nossos projetos, a certeza de que um nada total nos espera". Com base nesse pressuposto, Sartre conclui que a existência é um absurdo e que tudo não passa de uma paixão inútil: "Se nós temos de morrer, a nossa vida não tem sentido, porque os problemas não têm qualquer solução", concepção retratada no seu famoso romance sartriano  A náusea. 

Portanto, a ideia de que a existência precede a essência, de que os princípios morais que regem o comportamento humano são criação do próprio homem e de que a morte tira qualquer sentido da vida  se soma  a uma tentativa histórica de desacreditar as principais doutrinas da Bíblia. 

segunda-feira, 25 de março de 2013

A morte de Eliseu


E sucedeu que, enterrando eles um homem, eis que viram um bando e lançaram o homem na sepultura de Eliseu; e, caindo nela o homem e tocando os ossos de Eliseu, reviveu e se levantou sobre seus pés (2 Rs 13.21).  

 INTRODUÇÃO

Na lição de hoje, acompanharemos os últimos momentos da vida desse gigante da fé que foi o profeta Eliseu. Aprenderemos com sua velhice, enfermidade e morte algumas lições sobre a brevidade da vida terrena e as vicissitudes por que todos os mortais estão destinados a passar: nascer, crescer e morrer, independente da posição espiritual que ocupa. Veremos também qual propósito de Deus em realizar o último milagre por meio do profeta Eliseu quando este já estava morto e qual o inestimável legado deixado pelo profeta de Abel-meolá.

I. A DOENÇA TERMINAL DE ELISEU

A vida é o dever que trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas. Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal! Quando se vê, já terminou o ano! Quando se vê, já se passaram cinquenta anos (...). Mário Quintana.

1.  A velhice de Eliseu, sua doença e sofrimento.

Cerca de cinquenta anos haviam se passado desde que o jovem Eliseu fora escolhido para suceder Elias. Meio século de ministério frutífero havia impactado nada menos que quatro nações: Israel, Judá, Moabe e Síria,  ministério diferenciado por manifestações extraordinárias do poder Deus. “Mas o tempo”, frase que costumamos ouvir das pessoas no dia-a-dia, “passa rápido” e Eliseu já tinha cerca de oitenta anos. A velhice havia chegado para o profeta, e com a velhice os problemas e saúde, o sofrimento e a iminência da morte.

Com a velhice a doença e o sofrimento. A Bíblia afirma que Eliseu encontrava-se doente de sua doença de que morreu, passando por sofrimento tamanho que comoveu o coração de Joás, rei de Israel. “E Joás, rei de Israel, desceu a ele, e chorou sobre o seu rosto, e disse: “Meu pai, meu pai, carros de Israel e seus cavaleiros!” O grande profeta de Israel experimentou plenamente as agonias próprias do envelhecimento e morte, fato comum a todos os mortais.

1.1 A experiência de Eliseu nos mostra que, por mais nobres e grandes que os homens sejam, eles não se livram de sua condição de mortais. Homem de reputação irrepreensível, Eliseu gozava de comunhão singular com Deus evidenciada nos milagres que realizou, sempre em favor de pessoas extremamente necessitadas. De fato, Eliseu foi um homem singular na história de Israel. Pessoas assim são amadas, reverenciadas e idealizadas como se fossem sobre-humanas, e soa inconsequente que elas passem pelo mesmo processo natural da vida por que passam o comum dos homens. Mas a velhice e a doença chegam para todos, e com a doença a morte. Lembro-me de um colega que precisava apresentar um trabalho acadêmico diante de grandes vultos do saber de uma renomada universidade de São Paulo. Na hora da apresentação, o seu temor e nervosismo se faziam perceber nos tremores de suas mãos. Um amigo dele se aproximou e cochichou no seu ouvido: “Não esqueça que seus avaliadores são da mesma espécie que você. Eles e nós temos muita coisa em comum, acredite”.  Pois é isso mesmo. Por maior que seja o homem, por incríveis que sejam as suas realizações, ainda são meros mortais, fadados à lei inexorável do processo natural da vida: nascemos, crescemos e morremos. A grande diferença está no como vivemos e não no como morremos. Como bem lembra o pastor José Gonçalves, “às vezes idealizamos de tal forma os homens de Deus que acabamos nos esquecendo de que eles também são humanos. Envelhecem, adoecem e também morrem. Eliseu fora um grande homem de Deus e ainda era nos dias de sua enfermidade, mas ainda assim era um homem”.

1.2 A experiência de Eliseu nos alerta sobre a brevidade da vida e a eternidade de Deus.

“Quanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo assim floresce. Passando por ela o vento, logo se vai, e o seu lugar não será mais conhecido.” (Salmo 103.15-16).

“Faze-me conhecer, Senhor, o meu fim, e a medida dos meus dias qual é, para que eu sinta o quanto sou frágil” (Sl 34.9).

“Lembra-te também do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles contentamento” (Eclesiastes 12.1).


Os homens de todas as épocas e lugares se debateram com a angústia de pensar sobre a rapidez com que a vida passa. Por outro lado, a coletânea de pensamentos que nos legaram sobre a própria finitude é uma advertência contra a tentação de nos esquecermos desta realidade: A vida passa muito rapidamente. Tiago a comparou a um simples vapor (Tg 4.14), o profeta Isaías à erva do campo (Is 40:6), o rei Davi a comparou a um sopro (Sl 144.4), e  Moisés a compara a um conto ligeiro (Sl 90:9,10). Mas, em contraste com a brevidade da vida humana, há uma eternidade que se desenrola por trás das cortinas da existência terrena. A Bíblia afirma que Deus colocou a eternidade no coração do homem (Ec 3.11). Cada dia vivido aqui nos põe mais perto do fim desta dimensão e nos projeta para mais perto da eternidade (ver 2Co 5.1; 1Jo 2.7). A maneira como vivemos esta vida, como gastamos nossos dias e talentos, como nos relacionamos com Deus determinará o estado de nosso futuro eterno. Eliseu foi um grande exemplo de alguém que em sua curta existência viveu para servir a Deus a ao próximo. 

II. A PROFECIA FINAL DE ELISEU

1. A ação de Deus na profecia. É muito comum vermos nos cultos pentecostais de hoje uma onda de otimismo que leva ministros a profetizarem toda sorte de bênçãos e vitórias sobre os fiéis da igreja, principalmente sobre aqueles que mais contribuem financeiramente com os projetos da igreja. Muitos usam como referencial o relato bíblico em que Elias profetizou que não choveria em Israel “segundo a minha palavra”, disse o profeta. Já ouvi muitos pregadores, num arroubo de emoções, dizerem no púlpito que, se Elias profetizou segundo a sua própria palavra, e Deus cumpriu o que disse o profeta, ele também tinha autoridade para determinar a bênção sobre o seu ouvinte, crente de que Deus assinaria embaixo. Todavia, do que podemos aprender da Bíblia sagrada, nenhum ministro tem autoridade para determinar o que quer que seja na vida de alguém se não houver recebido determinação do próprio Deus. O caso de Elias não foge a esta regra.  Como informa o pastor José Gonçalves, nenhuma profecia que se ajuste ao modelo bíblico tem seu ponto de partida no querer humano, mas na vontade soberana de Deus (2 Pe 1.20,21).

No caso do profeta Eliseu, ao profetizar a vitória do rei Joás sobre os sírios, ele apenas expressa a vontade do coração de Deus, não a sua própria vontade. Isso está bem evidenciado na expressão “flecha do livramento do Senhor” (2Rs 13.17). A expressão “Assim diz o Senhor”, amiúde usada pelos profetas veterotestamentários, inclusive pelo profeta Eliseu (2Rs 2.21; 3.16), reflete o desígnio divino na profecia e mostra que a origem da profecia está na vontade soberana de Deus e não no homem.

2. A participação humana na profecia (2Rs 13.17-19). Eliseu revelou o desígnio de Deus de que Joás venceria os sírios, mas a profecia dependia da obediência de Joás em atender a ordem do profeta, Primeiramente a ordem para atirar com sua flecha pela janela a esmo, sem ainda mesmo saber do que se tratava. Segundo, a intensidade com que feriria seus inimigos dependeria do número de vezes que o rei, atendendo uma segunda ordem de Eliseu, feriria a terra com seu arco.  Isso nos mostra que, a despeito de a profecia ter sua origem na vontade soberana de Deus, a participação humana de obediência a Palavra profética, empenho e dedicação a causa de Deus, discernimento e perseverança é de fundamental importância. O relato bíblico mostra que Eliseu muito se indignou com Joás porque este feriu a terra poucas vezes, demonstrando pouquíssimo discernimento, falta de fé e perseverança. Mais uma vez recorremos ao comentário feliz do Pastor José Gonçalves para dizer que uma fé tímida obtém uma vitória igualmente tímida, verdade ressaltada por Jesus no Novo Testamento (Mt 9.9).


III. O ÚLTIMO MILAGRE DE ELISEU

1. A eternidade e a fidelidade de Deus. Deus é soberano e eterno e faz coisas que a razão humana não consegue atingir. No texto bíblico da lição de hoje temos o caso de um milagre realizado postumamente por Eliseu. Depois de morto o homem de Deus, e já sepultado, um defunto foi lançado na cova do profeta e, entrando em contato com seus ossos, ressuscitou (2Rs 13.19,20).
É claro que Deus não faz nada sem um propósito firme relacionado às suas criaturas.  Deus não brinca de fazer milagres. Essa passagem revela dois atributos de Deus e está relacionada à promessa feita a Joás antes de Eliseu morrer (2 Rs 13.14-21). Contra o desespero do rei em razão da morte do profeta (sempre fica uma sensação de desamparo quando morre alguém que servia de suporte espiritual para nós), Deus mostra com este último milagre que o encerramento da vida do profeta não põe fim às suas ações, pois o seu poder subsiste a tudo e a todos (Hb 1.8).


“A incondicional prioridade de Deus em seu universo é uma verdade no Antigo e no Novo Testamento. O profeta cantou essa verdade em linguagem de êxtase: ‘Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus, ó meu Santo?’ O apóstolo João a expõe com cuidadosas palavras de denso significado: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.’[...] Não podemos pensar certo sobre Deus enquanto não começamos a pensar nele como estando sempre ali, e ali primeiro, sempre existente antes de tudo mais. Josué teve que aprender isso. Ele fora servo de Moisés, servo de Deus, e com tanta segurança recebera em sua boca a Palavra de Deus, que Moisés e o Deus de Moisés se fundiram na mente dele, em fusão tal que ele mal podia separar os dois pensamentos; por associação sempre apareciam juntos em sua mente. Agora Moisés estava morto e, para que o jovem Josué não seja abatido pelo desespero, Deus lhe fala para dar-lhe segurança: ‘Como fui com Moisés, assim serei contigo.’ Moisés estava morto, mas o Deus de Moisés continuava vivo. Nada mudara e nada se perdera. De Deus nada morre quando morre um homem de Deus.” (A. W.Tozer ,2000, pp.l 1,12) 

Em segundo lugar, este último milagre evidencia a fidelidade de Deus. Ele não depende de circunstância, profeta A ou profeta B para cumprir seus propósitos. É verdade que ele instrumentaliza pessoas, algumas de maneira extraordinária, mas é Ele quem opera tudo em todos. Morrendo o profeta, trocando-se o sacerdócio, mudando-se os tempos e os reinos, suas promessas continuam de pé.  Portanto, “ao permitir que o toque nos restos mortais de Eliseu desse vida a um morto, Deus mostrava ao rei Joás que a morte de Eliseu não iria impedir aquilo que há algum tempo ele havia prometido a ele” - palavras do pastor José Gonçalves.

2. A honra de Eliseu. Há homens que deixam marcas indeléveis na história e são honrados, lembrados e amados séculos depois de sua morte. Em se tratando de grandes homens de Deus, como Eliseu, o próprio Deus dá testemunho deles depois de finda a sua vida aqui. É assim que o eterno dá testemunho de Noé, Moisés, Samuel, Daniel e Jó, séculos depois da morte destes:

“Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, não estaria a minha alma com este povo” ( Jeremias 15:1)

“(...) ainda que estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça, livrariam apenas a sua própria vida, diz o Senhor Deu” (. Ezequiel 14:14).

No caso do milagre póstumo realizado por Eliseu, além do objetivo de mostrar sua fidelidade e eternidade, Deus objetivava honrar a memória de seu servo, honrando-o mesmo depois de morto. Séculos depois de sua morte, o nome de Eliseu continuaria sendo lembrado como um homem de Deus. Existem sempre algumas peculiaridades envolvendo a vida e a morte de grandes homens de Deus. Como destacado pelo pastor José Gonçalves, Elias subiu ao céu vivo, Eliseu deu vida mesmo estando morto. Os intérpretes destacam que esse milagre de Eliseu mostra que o Senhor possui planos diferenciados para cada um de seus filhos e que, portanto, não devemos fazer comparações nem questionar os atos divinos (Jo 21.19-23). A Bíblia fala de homens cujas ações continuam falando mesmo depois de suas mortes (Hb 11.4).

IV. O LEGADO DE ELISEU

1. Legado sociocultural. O legado sociocultural de Eliseu está bem apresentado nas palavras do pastor José Gonçalves. Já estudamos que Eliseu supervisionava a escola de profetas (2 Rs 6.1). Esse sem dúvida foi um dos seus grandes legados. Todavia Eliseu fez muito mais. Ele teve uma participação ativa na vida social da nação. Enquanto Elias era um profeta do deserto, Eliseu teve uma atuação mais urbana. Eliseu tinha acesso aos reis e comandantes militares e possuía influência suficiente para deles pedir algum favor (2 Rs 4.13). Como povo de Deus não podemos viver isolados da vida social da nação, mas aproveitar as oportunidades para abençoar os menos favorecidos.

2. Legado espiritual. As façanhas realizadas por Eliseu em nome do Deus de Israel seriam contadas e recontadas no decorrer da história, para fortalecer e enlevar a fé  dos crentes. Tais façanhas enunciam o legado espiritual de um homem que viveu para fazer a vontades de Deus. Ouvi de certo pregador a seguinte afirmativa: “O mundo precisa ver o que Deus pode fazer com um homem totalmente entregue em suas mãos”. Os contemporâneos de Eliseu viram Abertura do Jordão (2 Rs 2.13,14); a purificação da nascente de água (2 Rs 2.19-22); a multiplicação do azeite da viúva (2 Rs 4.1-7); a ressurreição do filho da sunamita (2 Rs 4.8-37); a cura da panela envenenada (2 Rs 4.38-41); A multiplicação dos pães e das sementes (2 Rs 4.42-44); a cura de Naamã (2 Rs 5); o machado que flutuou (2 RS 6.1-7); o caso de Dotã (2 Rs 6.11-23); escassez e festa em Samaria (2 Rs 6.24—7.20); revelação a Hazael (2 Rs 8.7-15); profecia ao rei Jeoás (2 Rs 13.14-19) e a ressurreição de um homem (2 Rs 13.21). É, de fato, um grande legado espiritual.


CONCLUSÃO
Foi o evangelista Moody que ouviu certa vez de um pregador: “O mundo precisa ver o que Deus pode fazer com um homem totalmente entregue em suas mãos”. Os contemporâneos de Eliseu viram de perto. Nós vemos através do relato bíblico. 

BIBLIOLOGIA
GRUDEM, Wayne. O Dom de Profecia — do Novo Testamento ao nossos dias. Editora Vida.
SORMS, C. Samuel. In: Cessaram os Dons Espirituais? — quatro pontos de vista. Org. Wayne Grudem. Editora Vida.
TOZER, A. W. A Conquista Divina: a necessidade de ter Cristo como Senhor na vida. Editor Mundo Cristão, São Paulo, 2000.
Lições Bíblica CPAD / Elias e Eliseu, um ministério de poder para a igreja / 1° trimestre de 2013.


sexta-feira, 15 de março de 2013

O Pentecostalismo e o perigo do emocionalismo

Josafá R. Lima

O pentecostalismo é o movimento de ordem religiosa que mais cresce em todas as partes do mundo. Só no Brasil, são 24 milhões de fiéis, o que faz deste país o mais pentecostal do mundo.  O que caracteriza  o pentecostalismo é a crença de que o falar línguas estranhas, fenômeno ocorrido com os discípulos de Jesus no dia de Pentecostes (At 2), está à disposição dos crentes de hoje, ou melhor, esteve à disposição dos crentes de todos os tempos. Para a maioria dos pentecostais, o fenômeno das línguas acontece como evidência do batismo com o Espírito Santo, que consiste no revestimento de poder para evangelizar (At 1.8). Não só o batismo com o Espírito Santo, mas também os dons do Espírito, catalogados por Paulo no capítulo 12 de sua primeira carta aos coríntios, estão ainda hoje em evidência na igreja de Cristo.

Os pentecostais, diferentemente dos protestantes históricos, que defendem a ideia cessacionista (A concessão do batismo e dons do Espírito Santo aos crentes se restringiu aos dias dos apóstolos), acreditam que Deus continua a agir por meio de seu Espírito, da mesma forma que agia na igreja primitiva, batizando crentes com o Espírito Santo, curando enfermos, expulsando demônios, distribuindo dons e bênçãos espirituais, realizando milagres, dialogando com seus servos, interferindo na história e concedendo evidências gritantes de seu supremo poder nos negócios humanos.

Portanto, a ênfase pentecostal está na experiência pós-conversão do batismo com o Espírito Santo (At 2.1ss), com a posterior concessão dos dons espirituais (1Co 12), sendo os principais deles o falar noutras línguas (glossolalia) e os dons de curar. As manifestações desses sinais fazem com que os cultos pentecostais normalmente sejam barulhentos, com movimentos espalhafatosos como saltos, danças, sapateados, carreiras, choros, risos, levantar de mãos e bater de palmas. Os pregadores normalmente mostram uma eloquência que parecem de ordem sobrenatural na pregação, ministram curas, expulsam demônios e declaram  bênçãos.  Em casos mais extremos, acontecem arrebatamentos de sentidos e êxtases. Não é sem razões, portanto, que os pentecostais são  conhecidos como povo barulhento e criticados por alguns seguimentos do cristianismo histórico, alguns chegando mesmo a comparar as manifestações pentecostais com fenômenos ocorridos em trabalhos religiosos afrodescendentes.




ORIGEM DO PENTECOSTALISMO


"Estes sinais seguirão os que creem" (Mc 16.15). E assim, todo indivíduo, independente de seu grau de maturidade, teria o privilégio de se relacionar diretamente com Deus e ser portador dos oráculos divinos. 
A gente pode começar analisando a grande diferença entre o culto do Antigo Testamento e o culto do Novo Testamento. Dois fatores básicos diferenciam um do outro. O primeiro acontece em relação ao número limitado de pessoas que tinham acesso aos oráculos divinos. Lembremos que numa ocasião, quando  dois homens leigos profetizaram no arraial de Israel, o fato causou escândalo entre o povo (Nm 11.25-29). Isso porque apenas alguns "iluminados" recebiam este poder. Então, como se pode ver, alguns gozavam de um relacionamento mais estreito com Deus e eram encarregados de transmitir ao povo a vontade divina. O povo se relacionava com Deus indiretamente por meio do relacionamento dos escolhidos. Invariavelmente, estes escolhidos eram pessoas bem preparadas no que respeitava às suas atribuições e sobre elas pesava grande responsabilidade. Não podiam ser neófitos. No Novo Testamento, porém, de acordo com a profecia de Joel (Jl 2.28,29), o poder do Espírito Santo seria derramado indiscriminadamente sobre todos, até sobre os filhos e os servos. E Deus fez isso para que cada crente se tornasse numa testemunha poderosa do evangelho, para que este mesmo evangelho se disseminasse em todo o mundo (At 1.8). Sem essa descentralização geradora da explosão de poder vista no livro de Atos, a igreja de Cristo não teria alcançado o mundo de então com as boas novas de salvação. Os sinais  deveriam seguir todos os que cressem (Mc 16.15), e assim, todo indivíduo, independente de seu grau de maturidade, teria o privilégio de se relacionar diretamente com Deus e ser portador dos oráculos divinos.

O segundo fator diz respeito ao culto veterotestamentário concentrado em três figuras: 1) numa só pessoa (o sacerdote); 2) um só lugar (o templo); 3) um único dia (o sábado). A ideia de culto concentrado carrega a ideia de culto controlado, uniforme e ordeiro. Um único homem, o sacerdote, arbitrava em relação à manifestação do sagrado, no único lugar que propiciava a manifestação do divino, o Templo, no único dia reservado para tal, o sábado. Com o advento da Nova Aliança, Jesus descentraliza o culto, faz de cada crente um sacerdote do sacerdócio real de Deus (1 Pe 2.9), estabelece que qualquer lugar é lugar de culto (Jo 4.21-24), bastando que dois ou três estejam reunidos em seu nome, em qualquer dia da semana (Mt 18.20). Ademais, o poder extraordinário do Espírito Santo foi conferido a todos os crentes. Desta forma, cada um é árbitro de si mesmo no que se refere à manifestação do divino sobre a sua própria vida. Repito que somente essa concessão indiscriminada do poder do Espírito Santo cumpriria o propósito de Deus de encher o mundo com o conhecimento de sua Palavra (ver At 1.8).


Destarte, na Antiga Aliança, o culto era configurado a partir da compreensão, visão e experiência com Deus de poucos indivíduos. Hoje, cada um tem sua própria experiência com o sagrado, porque na Nova Aliança, cada crente faz um recorte do sagrado de acordo com sua própria experiência, visão e compreensão. Logo, o culto carrega elementos da cultura peculiar de cada indivíduo, de maneira que a manifestação do sagrado é filtrada pela peculiar compreensão e visão de mundo do sujeito envolvido. É a manifestação do Deus infinito pelos multicanais humanos. 


Descentralizado o culto, extrapolando os limites veterotestamentário do Templo, do sábado e do sacerdote, ele tende a ser menos formal e menos racional e cede a uma espiral de emoções fortes que caminha para um emocionalismo preocupante. No culto pentecostal, os rituais acontecem dentro de certa informalidade, com espaços para os leigos catarem, darem testemunhos e fazerem outras apresentações. Por isso, apesar de celebrarmos a descentralização que possibilita que cada um tenha a sua própria experiência com o divino, urge uma necessidade de trazer o culto de volta às rédeas do racionalismo a fim de que as emoções descontroladas, originadas no coração que segundo o profeta Jeremias é enganoso, não lancem as pessoas num emaranhado de enganos. 


A necessidade de limites e ordem no culto (1Co 14).

Os crentes de Corinto começaram a misturar elementos da cultura com as manifestações do divino, gerando um culto exótico e desordenado

 Em um culto em que todos manifestam a dom do Espírito simultaneamente, e as emoções estão nas alturas, faz-se necessário o estabelecimento de diretrizes que tragam o povo de volta à razão mantenedora da ordem.  Na igreja de Corinto, temos um episódio que mostra que os elementos pentecostais podem ser filtrados pela cultura e costumes de um povo. A cidade de Corinto era constituída de um povo festivo, idólatra e irreverente. Quando o evangelho de Cristo chegou ali, formando a primeira igreja, os crentes, batizados com o Espírito Santo e agraciados pelos dons, começaram a misturar elementos da cultura com as manifestações do divino, gerando um culto exótico e desordenado, o que levou o apóstolo Paulo a falar sobre a necessidade de ordem no culto. O que mereceu a correção de Paulo é que cada um fazia o que bem entendia com a graça que havia recebido, cada um ao seu jeito, irracionalmente, totalmente controlados pelas emoções. Paulo os advertiu de que cada um devia ter controle sobre si mesmo, lembrando que o espírito do profeta é sujeito ao profeta (v 32).

O pentecostalismo pós igreja primitiva.

Com exceção de fagulhas isoladas de manifestações pentecostais que aconteciam algures, a igreja passou toda a Idade Média desprovida do poder do Espírito Santo.

Finda a evangelização do mundo de então, com a oficialização do Cristianismo como religião do Império Romano, houve o arrefecimento total das manifestações pentecostais. A igreja começou a se envolver em controvérsias teológicas e escanteou  a doutrina do Espírito Santo. Parecia mesmo razoável que com a instituição de igrejas espalhadas por toda a parte e com o grande triunfo do Cristianismo, poderia-se prescindir dos dons do Espírito Santo. Sendo assim, com exceção de fagulhas isoladas de manifestações pentecostais que aconteciam algures, a igreja passou toda a Idade Média desprovida do poder revestidor do Espírito Santo. Somente no final do século 18 e início do século 19, um grande avivamento fez ressurgir o movimento pentecostal como nós o conhecemos hoje, o qual por algum tempo se restringiu aos limites das fronteiras norte americanas, até que ganhou proporções mundiais a partir do histórico Avivamento da Rua Azusa.

O Movimento da Rua Azusa 

O movimento pentecostal na Rua azusa se configura conforme as características do grupo que o iniciou devido a sua capacidade de reinventar.

As manifestações espirituais ocorridas na Rua Azusa entre 1906 e 1913 foram tão intensas e tiveram tanta repercussão que tornou-se um referencial histórico conhecido como O Avivamento da Rua Azusa. Em Azusa street, em um edifício quadrangular, outrora um depósito de cereais, homens e mulheres começaram a se reunir, sob a liderança de W. J. Seymour, para interceder pelos pecadores e clamar por um avivamento (Conde, 2000).

Em resposta às orações sinceras dos que ali se congregavam, Jesus começou a batizar crentes com o Espírito Santo, os quais falavam em outras línguas, chamando a atenção da imprensa local, por se tratar de uma novidade na época. Um repórter do Los Angeles Times foi enviado a Azusa para reportar o que estava acontecendo. A matéria que escreveu tornou-se uma semente em solo fértil. Informados sobre o avivamento, outras pessoas começaram acorrer ao local, alguns desejosos de experiências mais profundas com Deus, outros apenas por curiosidade.

Em Azusa, os cultos eram longos e, de forma geral, espontâneos. Nos seus primeiros dias, a música era à capela, embora um ou dois instrumentos fossem tocados. Os cultos incluíam cânticos, testemunhos dados por visitantes ou lidos daqueles que escreviam para a Missão, oração, momento de apelo para pessoas aceitarem a Cristo, apelo à santificação ou ao batismo no Espírito Santo, e, obviamente, pregação. Os sermões normalmente não eram preparados antecipadamente e eram tipicamente espontâneos (…). A oração pelos enfermos era também uma parte frequente nos cultos. Muitos gritavam. Outros ficavam “rindo no espírito” ou “caídos no poder” Algumas vezes havia momentos de prolongado silêncio ou de cânticos em línguas (…). (Araújo, 2007, p. 605). 

Convém atentar para o fato de que o movimento da Rua Azusa tinha a cara daqueles que o começaram. Era um pequeno grupo de afro descendentes que, sob o poder de Deus, provocavam barulhos eletrizantes e estridentes. Atente para o fato de que começou com um pequeno grupo de crentes afro americanos, expulsos da Primeira Igreja Batista de Los Angeles, liderados primeiramente por uma mulher, depois  por um humilde pregador, filho de ex escravos, sem cultura, com limitados dotes de oratória e cego de um olho. Como observa Aderi Souza de Matos, era o tempo da discriminação racial no sul dos Estados Unidos, e o professor de Seymour era simpatizante deste sistema, permitindo que seu aluno negro assistisse suas reuniões somente no corredor ao lado da sala onde as aulas aconteciam.  

Ou seja, o fenômeno sofre um processo de aculturação, de alguma forma se manifesta muito de acordo com a maneira de ser de um grupo ou povo. O interesse de Deus com o movimento barulhento era atrair a atenção de todos para o que estava acontecendo ali. Deus não faz nada sem propósito. A semente do pentecostalismo havia encontrado terreno fértil para se propagar. 

O Movimento Pentecostal goza de uma diversidade impressionante, por causa de sua capacidade de se reinventar de acordo com a época e as características da comunidade que o recebe. 

Ao chegar no Brasil em 1910, não foi diferente, a mensagem pentecostal encontraria terreno fértil numa nação formada em grande parte por pessoas afro descendente, índios, negros e mulatos, de maioria pobre. Alderi de Matos aponta dentre as razões da expansão pentecostal na América Latina, as vicissitudes históricas da obra evangelística e pastoral católica, o limitado trabalho das denominações protestantes, o misticismo das culturas ibero-americanas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais, ou seja, o pentecostalismo vai proliferar a partir da ineficiência de igrejas históricas, dos graves problemas econômicos e sociais, do misticismo característico de nosso povo e de seu caráter festivo. Inicialmente o crescimento se dá lentamente, até que estoura a partir da década de 50. 

Logo, logo, as manifestações pentecostais chamariam a atenção de igrejas históricas que já estavam por aqui e acabaria por gerar cismas e perseguições. 

O movimento pentecostal na esteira da pós modernidade

O Pentecostalismo se prolifera no terreno fértil do pluralismo e hibridismo religioso de nossa época. Estamos também na esteira da Pós modernidade.

Neste novo século, o Movimento Pentecostal vem ganhado proporções impressionantes na esteira de um fenômeno chamado Pós Modernidade. As principais características desta nova época: o pragmatismo, a ênfase no aspecto subjetivo em detrimento da objetividade, a relativização da verdade em detrimentos de valores absolutos, o pluralismo que facilita a troca de ideias, ritos e doutrinas levadas de um lado para outro pela mídia, impossibilitando discernir quais elementos pertencem a qual movimento religioso, a explosão da espiritualidade que chega a lembrar os tempos primitivos, a ênfase no emocionalismo e o paulatino abandono da razão que caracterizou a Idade Moderna, a facilidade de transmissão de informações que mistura costumes e práticas de várias crenças num caldeirão de cultura numa velocidade tão grande que se torna impossível monitorar, a ascensão do movimento Nova Era que dissemina o hibridismo religioso, o misticismo. 

Como podemos ver, todas essas características têm afetado, como não poderia deixar de ser, a igreja de Cristo, principalmente o Movimento Pentecostal que tem vestido roupagem nova de tempos em tempos com a sua capacidade de se reinventar. Precisamos estar atentos e estabelecer limites. É verdade que não tem como não sermos afetados, pois este é o nosso mundo, a nossa época, mas a gente pode e deve estabelecer limites. 

O CULTO PENTECOSTAL E A ÊNFASE NA EMOÇÃO

A religiosidade pentecostal enfatiza ao extremo o aspecto afetivo, a sugestão, as emoções e interpretam com muita facilidade os acontecimentos como intervenções milagrosas de Deus. Isso leva ao risco constante de as fantasias humanas se apresentarem como revelações divinas e de os oráculos se misturarem com compreensões, preconceitos e tendências humanos. São os riscos do emocionalismo.

Há um esforço deliberado no sentido de estimular as emoções por meio de cânticos, fundo musical , danças e outros procedimentos, algo bem parecido com rituais religiosos de povos primitivos. 



“Emocionalismo, segundo Martin Lloyd-Jones, é um estado e uma condição em que as emoções estão descontroladas. As emoções estão no controle. Estão numa espécie de êxtase. E se emocionalismo é ruim, muito pior é a tentativa deliberada de produzi-lo. Portanto, qualquer esforço que deliberadamente tenta estimular as emoções, seja através de cânticos, ou fórmulas, ou qualquer outra coisa, ou, como vemos nos povos primitivos, através de danças e coisas assim – tudo isso, naturalmente é condenado pelo Novo Testamento. Jogar com as emoções é errado. É algo que é condenado através da Bíblia toda. As emoções devem ser constatadas através da compreensão, através da mente, da verdade. E qualquer assalto direto sobre as emoções é necessariamente falso e inevitavelmente resultará em problemas”.



É verdade que a experiência com Deus afeta o indivíduo como um todo, corpo, mente e emoções. Seria bobagem pensar uma religiosidade extremamente racional, pois seria a fragmentação do indivíduo. Como não se emocionar diante da grandeza de Deus, de seu poder, do contato direto com o Espírito Santo? A Bíblia mostra que Davi, diante da Arca de Deus, foi tomado por uma avalanche tão forte de emoções que causou escândalo em Mical, sua esposa. Também no dia de Pentecostes, os discípulos de Jesus, após receberem o batismo com o Espírito Santo, estavam como que embriagados e falavam todos, de uma vez, várias línguas conhecidas daqueles que os ouviam. Jesus se emocionou várias vezes no seu ministério. E sem dúvida, Deus usa essas coisas para chamar a atenção para a obra que Ele realiza. Agora o que não podemos esquecer é que as emoções devem ser sempre controladas pela razão, não o contrário. Quando a ênfase é deliberadamente posta nas emoções e elas ficam descontroladas, perde-se a razão e abre-se caminho para o fanatismo de pessoas que se julgam inspiradas por Deus e para mercenários que promovem essas coisas com o intuito de fazerem os crentes de reféns.  Tomemos cuidado, porque a espiritualidade anda lado a lado e, às vezes, se confunde com emocionalismo, impulsividade e fanatismo.




CUIDADO COM NOSSAS EMOÇÕES


O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo? (Jr 17.9).


1. Nossas emoções podem nos levar a confundir o que é nosso com aquilo que é de Deus. Nossas frustrações, questões e ansiedades vão querer aparecer como sendo expressão da vontade de Deus e revelação do Espírito.


2. Nossos preconceitos vão querer aparecer como verdade absoluta vinda da parte de Deus mediante iluminação do Espírito. Pedro em 10 de Atos.


3. Nossos interesses vão querer aparecer como expressão da vontade e interesse de Deus. Exemplo da jovem que pede uma orientação sobre seu relacionamento ou o desejo de querer ver alguém curado. Um rosto triste é um chamariz de profecias.


4. Nossa sede de poder e necessidade de se impor vão querer buscar endossamento nos dons do Espírito Santo.


5. Muitos dos movimentos repetidos no culto podem ser comportamentos aprendidos e condicionados que respondem automaticamente a determinados estímulos, principalmente os musicais, o que muitos pregadores conhecem muito bem e usam e abusam disso. 


6. A exploração de nossas emoções pode nos tornar vulneráveis a toda sorte de mercenários (técnica de hipnose, sugestionabilidade, etc.).


Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (Cl 2.8).

7. A ênfase nas emoções faz dos pentecostais uma massa facilmente manipulável. Nós, pentecostais, somos mais movidos a paixões que à razão.  Os que têm mais esclarecimento entre eles jogam com as emoções, abusam de ideologia e de supostas revelações para manipular um povo simples cuja maioria é constituída por gente de baixíssima instrução.



CONCLUSÃO

Precisamos estar atentos para não prescindir do poder que Deus colocou à disposição de sua igreja com o intuito de promover seu Reino, mas também para não virarmos reféns dos enganos de nosso próprio coração, confundindo aquilo que é nosso com o que é de Deus. Cuidemos para que nossas emoções não nos façam presas dos mercenários de plantão que entendem das técnicas psicológicas adequadas de manipulação das massas. É verdade que se emocionar faz parte da constituição do indivíduo, principalmente quando da experiência com o divino, mas a razão tem que estar sempre no controle, aliás, o espírito do profeta deve estar sempre sujeito ao próprio profeta (1 Co 14.32).  


Por isso que o movimento pentecostal goza de uma diversidade impressionante, por causa de sua capacidade de se reinventar de acordo com a época e as características da comunidade que o recebe.