sexta-feira, 15 de março de 2013

O Pentecostalismo e o perigo do emocionalismo

Josafá R. Lima

O pentecostalismo é o movimento de ordem religiosa que mais cresce em todas as partes do mundo. Só no Brasil, são 24 milhões de fiéis, o que faz deste país o mais pentecostal do mundo.  O que caracteriza  o pentecostalismo é a crença de que o falar línguas estranhas, fenômeno ocorrido com os discípulos de Jesus no dia de Pentecostes (At 2), está à disposição dos crentes de hoje, ou melhor, esteve à disposição dos crentes de todos os tempos. Para a maioria dos pentecostais, o fenômeno das línguas acontece como evidência do batismo com o Espírito Santo, que consiste no revestimento de poder para evangelizar (At 1.8). Não só o batismo com o Espírito Santo, mas também os dons do Espírito, catalogados por Paulo no capítulo 12 de sua primeira carta aos coríntios, estão ainda hoje em evidência na igreja de Cristo.

Os pentecostais, diferentemente dos protestantes históricos, que defendem a ideia cessacionista (A concessão do batismo e dons do Espírito Santo aos crentes se restringiu aos dias dos apóstolos), acreditam que Deus continua a agir por meio de seu Espírito, da mesma forma que agia na igreja primitiva, batizando crentes com o Espírito Santo, curando enfermos, expulsando demônios, distribuindo dons e bênçãos espirituais, realizando milagres, dialogando com seus servos, interferindo na história e concedendo evidências gritantes de seu supremo poder nos negócios humanos.

Portanto, a ênfase pentecostal está na experiência pós-conversão do batismo com o Espírito Santo (At 2.1ss), com a posterior concessão dos dons espirituais (1Co 12), sendo os principais deles o falar noutras línguas (glossolalia) e os dons de curar. As manifestações desses sinais fazem com que os cultos pentecostais normalmente sejam barulhentos, com movimentos espalhafatosos como saltos, danças, sapateados, carreiras, choros, risos, levantar de mãos e bater de palmas. Os pregadores normalmente mostram uma eloquência que parecem de ordem sobrenatural na pregação, ministram curas, expulsam demônios e declaram  bênçãos.  Em casos mais extremos, acontecem arrebatamentos de sentidos e êxtases. Não é sem razões, portanto, que os pentecostais são  conhecidos como povo barulhento e criticados por alguns seguimentos do cristianismo histórico, alguns chegando mesmo a comparar as manifestações pentecostais com fenômenos ocorridos em trabalhos religiosos afrodescendentes.




ORIGEM DO PENTECOSTALISMO


"Estes sinais seguirão os que creem" (Mc 16.15). E assim, todo indivíduo, independente de seu grau de maturidade, teria o privilégio de se relacionar diretamente com Deus e ser portador dos oráculos divinos. 
A gente pode começar analisando a grande diferença entre o culto do Antigo Testamento e o culto do Novo Testamento. Dois fatores básicos diferenciam um do outro. O primeiro acontece em relação ao número limitado de pessoas que tinham acesso aos oráculos divinos. Lembremos que numa ocasião, quando  dois homens leigos profetizaram no arraial de Israel, o fato causou escândalo entre o povo (Nm 11.25-29). Isso porque apenas alguns "iluminados" recebiam este poder. Então, como se pode ver, alguns gozavam de um relacionamento mais estreito com Deus e eram encarregados de transmitir ao povo a vontade divina. O povo se relacionava com Deus indiretamente por meio do relacionamento dos escolhidos. Invariavelmente, estes escolhidos eram pessoas bem preparadas no que respeitava às suas atribuições e sobre elas pesava grande responsabilidade. Não podiam ser neófitos. No Novo Testamento, porém, de acordo com a profecia de Joel (Jl 2.28,29), o poder do Espírito Santo seria derramado indiscriminadamente sobre todos, até sobre os filhos e os servos. E Deus fez isso para que cada crente se tornasse numa testemunha poderosa do evangelho, para que este mesmo evangelho se disseminasse em todo o mundo (At 1.8). Sem essa descentralização geradora da explosão de poder vista no livro de Atos, a igreja de Cristo não teria alcançado o mundo de então com as boas novas de salvação. Os sinais  deveriam seguir todos os que cressem (Mc 16.15), e assim, todo indivíduo, independente de seu grau de maturidade, teria o privilégio de se relacionar diretamente com Deus e ser portador dos oráculos divinos.

O segundo fator diz respeito ao culto veterotestamentário concentrado em três figuras: 1) numa só pessoa (o sacerdote); 2) um só lugar (o templo); 3) um único dia (o sábado). A ideia de culto concentrado carrega a ideia de culto controlado, uniforme e ordeiro. Um único homem, o sacerdote, arbitrava em relação à manifestação do sagrado, no único lugar que propiciava a manifestação do divino, o Templo, no único dia reservado para tal, o sábado. Com o advento da Nova Aliança, Jesus descentraliza o culto, faz de cada crente um sacerdote do sacerdócio real de Deus (1 Pe 2.9), estabelece que qualquer lugar é lugar de culto (Jo 4.21-24), bastando que dois ou três estejam reunidos em seu nome, em qualquer dia da semana (Mt 18.20). Ademais, o poder extraordinário do Espírito Santo foi conferido a todos os crentes. Desta forma, cada um é árbitro de si mesmo no que se refere à manifestação do divino sobre a sua própria vida. Repito que somente essa concessão indiscriminada do poder do Espírito Santo cumpriria o propósito de Deus de encher o mundo com o conhecimento de sua Palavra (ver At 1.8).


Destarte, na Antiga Aliança, o culto era configurado a partir da compreensão, visão e experiência com Deus de poucos indivíduos. Hoje, cada um tem sua própria experiência com o sagrado, porque na Nova Aliança, cada crente faz um recorte do sagrado de acordo com sua própria experiência, visão e compreensão. Logo, o culto carrega elementos da cultura peculiar de cada indivíduo, de maneira que a manifestação do sagrado é filtrada pela peculiar compreensão e visão de mundo do sujeito envolvido. É a manifestação do Deus infinito pelos multicanais humanos. 


Descentralizado o culto, extrapolando os limites veterotestamentário do Templo, do sábado e do sacerdote, ele tende a ser menos formal e menos racional e cede a uma espiral de emoções fortes que caminha para um emocionalismo preocupante. No culto pentecostal, os rituais acontecem dentro de certa informalidade, com espaços para os leigos catarem, darem testemunhos e fazerem outras apresentações. Por isso, apesar de celebrarmos a descentralização que possibilita que cada um tenha a sua própria experiência com o divino, urge uma necessidade de trazer o culto de volta às rédeas do racionalismo a fim de que as emoções descontroladas, originadas no coração que segundo o profeta Jeremias é enganoso, não lancem as pessoas num emaranhado de enganos. 


A necessidade de limites e ordem no culto (1Co 14).

Os crentes de Corinto começaram a misturar elementos da cultura com as manifestações do divino, gerando um culto exótico e desordenado

 Em um culto em que todos manifestam a dom do Espírito simultaneamente, e as emoções estão nas alturas, faz-se necessário o estabelecimento de diretrizes que tragam o povo de volta à razão mantenedora da ordem.  Na igreja de Corinto, temos um episódio que mostra que os elementos pentecostais podem ser filtrados pela cultura e costumes de um povo. A cidade de Corinto era constituída de um povo festivo, idólatra e irreverente. Quando o evangelho de Cristo chegou ali, formando a primeira igreja, os crentes, batizados com o Espírito Santo e agraciados pelos dons, começaram a misturar elementos da cultura com as manifestações do divino, gerando um culto exótico e desordenado, o que levou o apóstolo Paulo a falar sobre a necessidade de ordem no culto. O que mereceu a correção de Paulo é que cada um fazia o que bem entendia com a graça que havia recebido, cada um ao seu jeito, irracionalmente, totalmente controlados pelas emoções. Paulo os advertiu de que cada um devia ter controle sobre si mesmo, lembrando que o espírito do profeta é sujeito ao profeta (v 32).

O pentecostalismo pós igreja primitiva.

Com exceção de fagulhas isoladas de manifestações pentecostais que aconteciam algures, a igreja passou toda a Idade Média desprovida do poder do Espírito Santo.

Finda a evangelização do mundo de então, com a oficialização do Cristianismo como religião do Império Romano, houve o arrefecimento total das manifestações pentecostais. A igreja começou a se envolver em controvérsias teológicas e escanteou  a doutrina do Espírito Santo. Parecia mesmo razoável que com a instituição de igrejas espalhadas por toda a parte e com o grande triunfo do Cristianismo, poderia-se prescindir dos dons do Espírito Santo. Sendo assim, com exceção de fagulhas isoladas de manifestações pentecostais que aconteciam algures, a igreja passou toda a Idade Média desprovida do poder revestidor do Espírito Santo. Somente no final do século 18 e início do século 19, um grande avivamento fez ressurgir o movimento pentecostal como nós o conhecemos hoje, o qual por algum tempo se restringiu aos limites das fronteiras norte americanas, até que ganhou proporções mundiais a partir do histórico Avivamento da Rua Azusa.

O Movimento da Rua Azusa 

O movimento pentecostal na Rua azusa se configura conforme as características do grupo que o iniciou devido a sua capacidade de reinventar.

As manifestações espirituais ocorridas na Rua Azusa entre 1906 e 1913 foram tão intensas e tiveram tanta repercussão que tornou-se um referencial histórico conhecido como O Avivamento da Rua Azusa. Em Azusa street, em um edifício quadrangular, outrora um depósito de cereais, homens e mulheres começaram a se reunir, sob a liderança de W. J. Seymour, para interceder pelos pecadores e clamar por um avivamento (Conde, 2000).

Em resposta às orações sinceras dos que ali se congregavam, Jesus começou a batizar crentes com o Espírito Santo, os quais falavam em outras línguas, chamando a atenção da imprensa local, por se tratar de uma novidade na época. Um repórter do Los Angeles Times foi enviado a Azusa para reportar o que estava acontecendo. A matéria que escreveu tornou-se uma semente em solo fértil. Informados sobre o avivamento, outras pessoas começaram acorrer ao local, alguns desejosos de experiências mais profundas com Deus, outros apenas por curiosidade.

Em Azusa, os cultos eram longos e, de forma geral, espontâneos. Nos seus primeiros dias, a música era à capela, embora um ou dois instrumentos fossem tocados. Os cultos incluíam cânticos, testemunhos dados por visitantes ou lidos daqueles que escreviam para a Missão, oração, momento de apelo para pessoas aceitarem a Cristo, apelo à santificação ou ao batismo no Espírito Santo, e, obviamente, pregação. Os sermões normalmente não eram preparados antecipadamente e eram tipicamente espontâneos (…). A oração pelos enfermos era também uma parte frequente nos cultos. Muitos gritavam. Outros ficavam “rindo no espírito” ou “caídos no poder” Algumas vezes havia momentos de prolongado silêncio ou de cânticos em línguas (…). (Araújo, 2007, p. 605). 

Convém atentar para o fato de que o movimento da Rua Azusa tinha a cara daqueles que o começaram. Era um pequeno grupo de afro descendentes que, sob o poder de Deus, provocavam barulhos eletrizantes e estridentes. Atente para o fato de que começou com um pequeno grupo de crentes afro americanos, expulsos da Primeira Igreja Batista de Los Angeles, liderados primeiramente por uma mulher, depois  por um humilde pregador, filho de ex escravos, sem cultura, com limitados dotes de oratória e cego de um olho. Como observa Aderi Souza de Matos, era o tempo da discriminação racial no sul dos Estados Unidos, e o professor de Seymour era simpatizante deste sistema, permitindo que seu aluno negro assistisse suas reuniões somente no corredor ao lado da sala onde as aulas aconteciam.  

Ou seja, o fenômeno sofre um processo de aculturação, de alguma forma se manifesta muito de acordo com a maneira de ser de um grupo ou povo. O interesse de Deus com o movimento barulhento era atrair a atenção de todos para o que estava acontecendo ali. Deus não faz nada sem propósito. A semente do pentecostalismo havia encontrado terreno fértil para se propagar. 

O Movimento Pentecostal goza de uma diversidade impressionante, por causa de sua capacidade de se reinventar de acordo com a época e as características da comunidade que o recebe. 

Ao chegar no Brasil em 1910, não foi diferente, a mensagem pentecostal encontraria terreno fértil numa nação formada em grande parte por pessoas afro descendente, índios, negros e mulatos, de maioria pobre. Alderi de Matos aponta dentre as razões da expansão pentecostal na América Latina, as vicissitudes históricas da obra evangelística e pastoral católica, o limitado trabalho das denominações protestantes, o misticismo das culturas ibero-americanas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais, ou seja, o pentecostalismo vai proliferar a partir da ineficiência de igrejas históricas, dos graves problemas econômicos e sociais, do misticismo característico de nosso povo e de seu caráter festivo. Inicialmente o crescimento se dá lentamente, até que estoura a partir da década de 50. 

Logo, logo, as manifestações pentecostais chamariam a atenção de igrejas históricas que já estavam por aqui e acabaria por gerar cismas e perseguições. 

O movimento pentecostal na esteira da pós modernidade

O Pentecostalismo se prolifera no terreno fértil do pluralismo e hibridismo religioso de nossa época. Estamos também na esteira da Pós modernidade.

Neste novo século, o Movimento Pentecostal vem ganhado proporções impressionantes na esteira de um fenômeno chamado Pós Modernidade. As principais características desta nova época: o pragmatismo, a ênfase no aspecto subjetivo em detrimento da objetividade, a relativização da verdade em detrimentos de valores absolutos, o pluralismo que facilita a troca de ideias, ritos e doutrinas levadas de um lado para outro pela mídia, impossibilitando discernir quais elementos pertencem a qual movimento religioso, a explosão da espiritualidade que chega a lembrar os tempos primitivos, a ênfase no emocionalismo e o paulatino abandono da razão que caracterizou a Idade Moderna, a facilidade de transmissão de informações que mistura costumes e práticas de várias crenças num caldeirão de cultura numa velocidade tão grande que se torna impossível monitorar, a ascensão do movimento Nova Era que dissemina o hibridismo religioso, o misticismo. 

Como podemos ver, todas essas características têm afetado, como não poderia deixar de ser, a igreja de Cristo, principalmente o Movimento Pentecostal que tem vestido roupagem nova de tempos em tempos com a sua capacidade de se reinventar. Precisamos estar atentos e estabelecer limites. É verdade que não tem como não sermos afetados, pois este é o nosso mundo, a nossa época, mas a gente pode e deve estabelecer limites. 

O CULTO PENTECOSTAL E A ÊNFASE NA EMOÇÃO

A religiosidade pentecostal enfatiza ao extremo o aspecto afetivo, a sugestão, as emoções e interpretam com muita facilidade os acontecimentos como intervenções milagrosas de Deus. Isso leva ao risco constante de as fantasias humanas se apresentarem como revelações divinas e de os oráculos se misturarem com compreensões, preconceitos e tendências humanos. São os riscos do emocionalismo.

Há um esforço deliberado no sentido de estimular as emoções por meio de cânticos, fundo musical , danças e outros procedimentos, algo bem parecido com rituais religiosos de povos primitivos. 



“Emocionalismo, segundo Martin Lloyd-Jones, é um estado e uma condição em que as emoções estão descontroladas. As emoções estão no controle. Estão numa espécie de êxtase. E se emocionalismo é ruim, muito pior é a tentativa deliberada de produzi-lo. Portanto, qualquer esforço que deliberadamente tenta estimular as emoções, seja através de cânticos, ou fórmulas, ou qualquer outra coisa, ou, como vemos nos povos primitivos, através de danças e coisas assim – tudo isso, naturalmente é condenado pelo Novo Testamento. Jogar com as emoções é errado. É algo que é condenado através da Bíblia toda. As emoções devem ser constatadas através da compreensão, através da mente, da verdade. E qualquer assalto direto sobre as emoções é necessariamente falso e inevitavelmente resultará em problemas”.



É verdade que a experiência com Deus afeta o indivíduo como um todo, corpo, mente e emoções. Seria bobagem pensar uma religiosidade extremamente racional, pois seria a fragmentação do indivíduo. Como não se emocionar diante da grandeza de Deus, de seu poder, do contato direto com o Espírito Santo? A Bíblia mostra que Davi, diante da Arca de Deus, foi tomado por uma avalanche tão forte de emoções que causou escândalo em Mical, sua esposa. Também no dia de Pentecostes, os discípulos de Jesus, após receberem o batismo com o Espírito Santo, estavam como que embriagados e falavam todos, de uma vez, várias línguas conhecidas daqueles que os ouviam. Jesus se emocionou várias vezes no seu ministério. E sem dúvida, Deus usa essas coisas para chamar a atenção para a obra que Ele realiza. Agora o que não podemos esquecer é que as emoções devem ser sempre controladas pela razão, não o contrário. Quando a ênfase é deliberadamente posta nas emoções e elas ficam descontroladas, perde-se a razão e abre-se caminho para o fanatismo de pessoas que se julgam inspiradas por Deus e para mercenários que promovem essas coisas com o intuito de fazerem os crentes de reféns.  Tomemos cuidado, porque a espiritualidade anda lado a lado e, às vezes, se confunde com emocionalismo, impulsividade e fanatismo.




CUIDADO COM NOSSAS EMOÇÕES


O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo? (Jr 17.9).


1. Nossas emoções podem nos levar a confundir o que é nosso com aquilo que é de Deus. Nossas frustrações, questões e ansiedades vão querer aparecer como sendo expressão da vontade de Deus e revelação do Espírito.


2. Nossos preconceitos vão querer aparecer como verdade absoluta vinda da parte de Deus mediante iluminação do Espírito. Pedro em 10 de Atos.


3. Nossos interesses vão querer aparecer como expressão da vontade e interesse de Deus. Exemplo da jovem que pede uma orientação sobre seu relacionamento ou o desejo de querer ver alguém curado. Um rosto triste é um chamariz de profecias.


4. Nossa sede de poder e necessidade de se impor vão querer buscar endossamento nos dons do Espírito Santo.


5. Muitos dos movimentos repetidos no culto podem ser comportamentos aprendidos e condicionados que respondem automaticamente a determinados estímulos, principalmente os musicais, o que muitos pregadores conhecem muito bem e usam e abusam disso. 


6. A exploração de nossas emoções pode nos tornar vulneráveis a toda sorte de mercenários (técnica de hipnose, sugestionabilidade, etc.).


Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (Cl 2.8).

7. A ênfase nas emoções faz dos pentecostais uma massa facilmente manipulável. Nós, pentecostais, somos mais movidos a paixões que à razão.  Os que têm mais esclarecimento entre eles jogam com as emoções, abusam de ideologia e de supostas revelações para manipular um povo simples cuja maioria é constituída por gente de baixíssima instrução.



CONCLUSÃO

Precisamos estar atentos para não prescindir do poder que Deus colocou à disposição de sua igreja com o intuito de promover seu Reino, mas também para não virarmos reféns dos enganos de nosso próprio coração, confundindo aquilo que é nosso com o que é de Deus. Cuidemos para que nossas emoções não nos façam presas dos mercenários de plantão que entendem das técnicas psicológicas adequadas de manipulação das massas. É verdade que se emocionar faz parte da constituição do indivíduo, principalmente quando da experiência com o divino, mas a razão tem que estar sempre no controle, aliás, o espírito do profeta deve estar sempre sujeito ao próprio profeta (1 Co 14.32).  


Por isso que o movimento pentecostal goza de uma diversidade impressionante, por causa de sua capacidade de se reinventar de acordo com a época e as características da comunidade que o recebe. 



terça-feira, 12 de março de 2013

Este Deus, esta vida






O mistério, a incompreensão, a finitude absurda... O que se concebe atrás dos limites das palavras e compreensão humanas?  O que se esconde após a linha divisória que a vã ciência não pode transpor? Dá-se o nome de mistério.  Diante da ignorância incomensurável, resta-nos viver, experimentar e se maravilhar com o mistério. Talvez se compreendêssemos a vida, ela perderia a sentido. Da mesma forma que Deus só é Deus porque está envolto em mistério, a vida só é vida porque está cercada de neblina.

Dia destes me impressionei com o título de uma conferência promovida por uma dessas igrejas pentecostais. Numa faixa grande, com letras garrafais, ladeado pelos preletores do evento, eu li o título CAÇADORES DE DEUS. Na primeira impressão, antes de ser controlado pela reflexão, me posicionei otimista em meus sentimentos pela ideia genial de caçar Deus até encontrá-lo. Um amigo até comentou, em tom de brincadeira, que estava preocupado com a integridade física de Deus, pois caçadores costumam ser cruéis. Fiz coro com aqueles que acham que o esforço humano pode forçar uma aproximação e capturamento da Divindade, tentado a simpatizar com a ideia de um Deus capturável, passível de ser analisado, compreendido e, finalmente, espreitado. Todavia, logo que a reflexão me acudiu, matutei como seria um Deus que pode ser caçado como uma presa de quem se pode ficar à espreita, e tudo parecia se chocar com o conceito lógico de Divindade, porque um ser passível de ser compreendido e capturado parece não compatibilizar com a ideia original de DEUS. 

Nenhuma teologia, por mais profunda que seja, dá conta de esclarecer a natureza do Divino. Tudo o que se diz sobre Deus não passa de uma aproximação distante da Supra Realidade Infinita. O pastor Ricardo Gondim expressa melhor o que acabei de dizer: "Teologia não pode ser uma ciência que estuda Deus, porque Deus, por definição, excede a capacidade de qualquer ciência de estudá-lo". Ou como compreende Steiner, "O que está além da palavra humana fala de Deus". É da própria natureza deste Ser Infinito, Criador e Sustentador do Universo, nos escapar e nos pôr diante do mistério inescrutável. Por isso, acho muito divertido ver estudiosos da Bíblia apresentarem uma definição de Deus de tal maneira a colocá-lo dentro de uma forma, apresentando conceitos e parâmetros de como Deus se manifesta e age, como Ele é e se apresenta.

A teologia tradicional e sistemática prescreve uma cartilha de como o fiel deve se relacionar com Deus a partir do entendimento de uma Divindade capturável que se formata à nossa maneira de pensar. Mas a verdade é que Deus, na sua grandeza, nos escapa sempre, porque a gente O conhece dentro dos limites bem estreitos da pequenez de nosso entendimento. Em nosso relacionamento com Ele, vamos como que entrando numa trilha, bosque adentro, e chega um momento em que não dá mais para avançar, quando esbarramos no mistério insondável, que a nossa mente não dá conta,  e então a única saída diante do mistério é poder se maravilhar. Aliás, os mistérios existem para explorar nossa capacidade de se maravilhar, como bem definiu Leonardo Boff, "o ministério nos mantém sempre na admiração até o fascínio, na surpresa até a exaltação".

Entre os orientais, a compreensão de insondabilidade da Divindade está expressa na competição do brahmodya, prática que acontecia entre os brâmanes e consistia em um retiro na floresta entre os participantes, os quais realizavam execícios espirituais que possibilitavam a alteração do nível de consciência. Depois, um desafiante fazia uma pergunta enigmática sobre a Divindade ao seu adversário, e este último teria que dar uma reposta adequada , porém inescrutável. O objetivo do duelo era esgotar todas as possibilidades de encontrar uma forma verbal que definisse o brahman (divindade para eles) e, portanto, colocar o opositor diante do silêncio do inescrutável. Quem reduzisse o oponente ao silêncio venceria a competição. E era somente neste momento de silêncio, quando a insuficiência das palavras e a consequente impotência do discurso humano se faziam evidentes, o brahman se revelava.

O silêncio arrebatador dos brâmanes não dava espaço para interpretação e compreensão conscientes.Talvez seja mesmo o rigor da interpretação que nos afasta da essência dos objetos de nossa visão e relacionamento. Existe uma maneira intuitiva de se capturar as coisas, que nos permite a lisura delas e que dispensa as interpretações racionais que nós, reles mortais, precisamos fazer para dar sentido ao mundo. Talvez possamos dizer que se trata de uma interpretação intuitiva, fora do nível racional da consciência. Bonhoffer, ao descrever sua impressão diante de uma obra de arte, comentou que "uma obra de arte, vista com clareza, inteligência e compreensão, atinge o inconsciente", de sorte que "ou se vê a coisa intuitivamente ou não se vê (...), por isso deve-se esforçar para se entender a obra enquanto se olha para ela, porque interpretação em demasia não significa melhor compreensão artística".**

Temo que o rigor da interpretação nos esteja pondo cada vez mais distante de Deus, pois a apreensão do Divino, segundo a maneira de pensar bonhoffiana, é como se deslumbrar diante de uma obra de arte, independe de quaisquer estratégias  de captura ou de diretrizes que direcionem nossa busca, acontece da maneira mais natural, mais intuitiva, num momento microscópico, no campo do sentimento, na primeira vista do primeiro encontro, como um viajante que, ao virar a curva, se depara com uma árvore frondosa e florida, deslumbrante. Neste encontro repentino, ele apenas sente o objeto de sua visão, ele não pensa sobre, mas passada a primeira e mui rápida impressão, quando ele pensa sobre o objeto de sua visão, aí a informação do objeto já está distorcida por influências de seus preconceitos. Por isso me aproximo da teologia com cuidado, porque ela é apenas um pensar sobre Deus, permeado por séculos de tradições e preconceitos humanos. Chego, às vezes, a desconfiar que o Deus de nossas pregações seja somente o acúmulo de roupagens com que as várias culturas e tradições, cada qual com seus preconceitos e interesses egoístas, vestiram a percepção original, simples e pura da Divindade.

Eu já tive a experiência frustrante de tentar capturar o incapturável, de conter Deus numa forma e entender a maneira como Ele opera. Sai da escola de teologia com uma imagem formatada de Deus e fui para o relacionamento com Ele em oração, pensando que o repertório de conhecimentos que adquiri o tornaria capturável, mas, para minha surpresa, Ele sempre acabava escapando. Com essas experiências, a agente percebe, felizmente, a nossa limitação, restando-nos como única saída adorar, maravilhado ante o mistério insondável.

Deus e mistério têm tudo a ver um com o outro, por isso o mistério é essencial para a concepção de Deus. Isso mesmo: Ele se concebe essencialmente no mistério. O encanto, perplexidades e controvérsias a seu respeito residem no mistério, nas fantasias originadas da curiosidade pelo desconhecido que persiste em não se revelar. Se se revela, desencanta, perde o provocar do suspense e acaba no lugar comum. É lá que Deus se concebe, está e se esconde: no lugar inacessível do mistério mais profundo, revelando aqui e ali apenas uma partícula microscópica de si, para aguçar nossa curiosidade e atiçar nossas fantasias em relação a Ele. Ele se esconde para inspirar sentimento de adoração nos mortais. Porque só se rende adoração ao mistério, ao incapturável, ao inacessível. Se a Divindade se revelasse plenamente, não levaria muito tempo para que fosse desprezada e, talvez, a nossa frustração e intolerância a dependurassem novamente numa cruz.  

Mas eu diria que Deus é incapturável porque a própria vida ou existência que, à minha maneira de enxergar, é o ponto de partida para a busca da compreensão de Deus, é também incapturável.  Às vezes eu me pego angustiado tentando relacionar fatos, experiências, querendo montar um quebra cabeça que revele uma compreensão satisfatória da vida, mas depois de tanto sofrimento, me deparo com um mistério insondável. E concluo que a vida é este quebra-cabeça imontável desfalcado das peças dos   livros que não conseguirei ler, dos lugares que nunca visitarei, das amizades que não farei, das pessoas que não poderei conhecer e... enfim, das possibilidades que nunca conseguirei explorar, para me pôr diante da cruel angústia dessa incapturabilidade da existência.

O nó que não desata é esta perplexidade ante a dimensão infinita de possibilidades que se contrasta com a nossa vil e absurda finitude. O mistério, a incompreensão, a finitude absurda....  Não será essa curiosidade insaciável  que nos move? Diante da ignorância incomensurável, resta-nos viver, experimentar e se maravilhar com o mistério. Talvez se compreendêssemos a vida, ela perderia o sentido. Da mesma forma que Deus só é Deus porque está envolto em mistério, a vida só é vida porque está cercada de neblina.

Mas para dar conta da angústia do mistério, tanto em relação a Deus quanto em relação à vida, nós desenvolvemos a capacidade de recorte/de síntese. O mistério somente se pode desvendar dentro do limitado recorte da realidade que fazemos. Foi assim que os antigos criaram os mitos e as religiões, cada qual com seus dogmas e crenças, como metáforas de uma realidade em si mesma insondável. E nós criamos nossos conceitos em relação à vida, nossos hábitos e crenças que são compartilhados por uma sociedade, grupo ou  então peculiar ao indivíduo. Porque a vida só pode ser compreendida e capturada dentro da metáfora da religião que abraçamos, dos acordos sociais que fazemos, dos mitos e fantasias que constituem os indivíduos que somos. Da mesma forma este Deus, Ele só se pode ser compreendido, amado e capturado dentro do recorte que fazemos, de acordo com as limitações que temos. Se suspendemos o recorte, tudo vira mistério. E de vez em quando é preciso abrir mão do recorte, das metáforas, dos conceitos, dos preconceitos, essas coisas por demais pequenas,  e deixar o mistério nos tocar, nos maravilhar, impressionar... para que possamos dar a verdadeira e devida adoração a Deus e possamos celebrar devidamente a vida.