quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre vontade e livre arbítrio

Josafá R. Lima

O homem é livre porque tem vontade e pode, pela própria vontade, escolher entre as várias possibilidades diante de si, isso é fato. Mas o que determina a vontade do indivíduo? Por que que gosto de Português e não de Matemática? Por que gosto de café puro e não com leite? Por que sou cristão e não ateu ou agnóstico? Por que penso a realidade assim e não do jeito do outro? Por que sou demasiadamente hétero? Será que existem algumas escolhas que fazemos na vida, pelas quais somos censurados ou aplaudidos, e que não são, a bem da verdade, legítimas e livres escolhas, mas que forças misteriosas ou naturais nos forçaram a agir daquela maneira e fomos vitimizados pelo engano de achar que somos os próprios responsáveis por tecer a história de nossa vida? Tenho me debatido com essas questões ultimamente.

Se por um lado a ideia de liberdade tem a ver com a faculdade de escolher segundo a própria vontade, arcando, é claro, cada um com as consequências de suas escolhas, por outro lado, a vontade não pode ter origem no nada, ela é determinada por muitos e variados fatores que dão origem a muitas e variadas vontades. Então, se posso escolher de acordo com minha vontade, sou livre, mas se considero que minha vontade é determinada por fatores que desconheço, visto que escapam a minha vontade consciente, sou escravo. Sendo assim, a liberdade só é possível superficialmente, no nível da consciência e da nossa própria conceituação do termo, até onde vai o limite de nosso saber.

Gosto muito da mitologia grega, porque nos oferece uma resposta simples à questão que ora levanto: os deuses gostam de brincar com o destino dos homens, ou seja, os deuses gostam de inventar destino. É assim que Homero se sobressai entre outros escritores por ressaltar em sua literatura essas peripécias dos deuses, principalmente em Odisseu, personagem mitológico que, ao regressar da guerra de Troia para sua pátria, virou brinquedo das divindades enquanto navegava com seus homens. Ele teria dia e hora determinados para chegar e, portanto, tudo o que acontecesse no trajeto, inclusive suas próprias escolhas, bem como a de seus homens, seria um meio de atender aos caprichos dos habitantes do Olimpo. Confesso que tenho observado alguns acontecimentos em minha vida e na vida de pessoas próximas que causam a impressão de que estamos aqui apenas atendendo aos caprichos de divindades, e estas divindades podem ser, como já expuseram muitos pensadores, Deus, o ambiente, o bio-psiquismo, a pressão social ou todos estes fatores juntos. 

Não foram poucos os pensadores se debateram com a questão da livre arbítrio versus determinismo. Alguns questionaram seriamente o pretenso livre-arbítrio humano e atribuíram nossas ações a algum determinismo, sejam de ordem social, biopsíquico ou espiritual - alguns bem radicais, outros nem tanto. Os deterministas naturais acham sua maior expressão em Skinner, pensador que defendia que tudo o que fazemos e somos é invariavelmente determinado pelo ambiente. Skinner defende exaltadamente sua ideia determinista no texto o O Mito da Liberdade. Para ele, nossos desejos, vontades, escolhas e comportamentos são apenas respostas do organismo animal aos estímulos do ambiente físico e social, sendo que aqueles comportamentos que são reforçados tendem a ser perpetuar, gerando os hábitos e a forma como indivíduos e sociedade se configuram. 

Outro grupo de pensadores bem expressivos, porém não tão radicais como Skinner, inclui a figura de Sigmund Freud. O pai da psicanálise atribuía todo o comportamento humano a uma junção de forças inconscientes do aparelho psíquico e eventos fortuitos que, como a própria palavra sugere, fogem totalmente ao controle da vontade e decisões humanas. Para Freud, nós não somos tão senhores de nossa casa assim como pensamos.

Como bom cristão que tento ser, tendo a desenvolver mecanismos de defesa para fazer frente a estes questionadores da liberdade humana e também para preservar a ideia cristã de livre arbítrio e consequente responsabilidade diante de Deus e dos homens pelas escolhas que, consciente e deliberadamente, tomo na vida. Nesta ideia se sustenta todo conceito de pecado, perdão e redenção. Tais mecanismos de defesa se insurgem também contra minhas próprias incertezas e questionamentos, este fantasma da dúvida que me assalta sempre que analiso acontecimentos intrigantes em minha volta. Vejo pessoas cometerem as maiores loucuras, impulsionadas por sentimentos aparentemente indomáveis. Tentado a imaginar que fizeram aquela escolha para as suas vidas, contraponho-me a mim mesmo, rebatendo que ninguém, consciente e deliberadamente, abraçaria uma situação tão deplorável. Mas, na dúvida, prefiro continuar no meio da incerteza, a fim de me valer do benefício da dúvida diante do tribunal de minha consciência. 

Mas consola-me olhar e ver entre teólogos cristãos expressivos aqueles que também lançaram um olhar de questionamento sobre essa pretensa liberdade. Entre os maiores estão Calvino e Edwards. O primeiro concebeu a ideia de uma salvação espiritual totalmente determinista que alcança um grupo de eleitos contemplados desde a eternidade e, por outro lado, uma perdição determinista para os reprovados desde os tempos eternos. Pressupõe-se que este predeterminismo vai gerenciar todos os acontecimentos da vida das pessoas de forma a convergir de forma coerente e auto-explicativa para o destino delas. Edwards não foi tão radical quanto Calvino, mas , ao tentar conciliar livre arbítrio com soberania divina, criou um embaraço ao apregoar que o homem tem vontade e, a partir de sua vontade, faz escolhas livres, mas toda a sua vontade é causada por Deus.

Voltamos, então, às questões levantadas no início de nosso texto: Se a vontade é causada por alguma coisa que não seja a própria vontade, onde está o livre arbítrio? Bom, não tenho respostas. E as questões continuam em discussão. Somos mesmos livres? Se somos, qual o grau de nossa liberdade? Se nossa liberdade é mesmo limitada, por Deus, pelo ambiente, pelos padrões sociais ou qualquer outro fator, isso é, de fato, liberdade? 

 Um dia você acorda com uns questionamentos estranhos! Bate uma vontade de transgredir, de ser você... Tudo bem, você pode dizer NÃO para a sua vontade transgressora ou entregar-se a ela, e isso é livre arbítrio. Mas que influências determinaram a sua vontade de dizer NÃO ou SIM? Sei lá, melhor parar. Parece que Freud, Skinner, Calvino, Edwards e outros DETERMINISTAS voltam, às vezes, do além para assombrar a gente. "