segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A PROVISÃO DE DEUS NO MONTE DO SACRIFÍCIO

INTRODUÇÃO

O capítulo 22 do livro de Gênesis relata, de forma dramática, a experiência mais difícil da vida de Abraão. O patriarca foi provado no limite de sua capacidade quando Deus lhe ordenou que oferecesse seu filho Isaque em holocausto.  Sua fé, amor e obediência seriam testados como o ouro no forno, revelando muito mais da grandiosidade deste homem e do caráter providencial de seu Deus. O resultado dessa extrema prova de Abraão que o levou a cunhar uma das expressões mais bonitas da Bíblia, o que viraria ditado em Israel depois dele, ditado para ser evocado em tempos difíceis: Deus proverá. Na aula de hoje, extrairemos preciosas lições a partir de três verdades factuais no episódio de Moriá: A primeira é a prova suprema da fé e obediência de Abraão; a segunda é a teologia da providência divina; a terceira é a constatação de que existe uma ponte entre o Moriá e o Calvário.

I.                    FÉ PARA SUBIR O MONTE DO SACRIFÍCIO

1. Abraão é provado. 

E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui (Gn 22:1).

Lloyd Ogilvie, ao discorrer sobre a história de Abraão, divide didaticamente a vida deste patriarca em três fases: 1) uma chamada à fé, 2) o exercício dessa fé e 3) a prova definitiva dessa fé. A terceira fase foi o mais severo teste na vida de Abrão. Após longos anos de amizade com Deus, das muitas experiências de livramentos miraculosos, da constante insistência divina para que Abraão cresse na promessa de que teria um filho por meio do qual se cumpriria a promessa de que Abraão seria pai de multidões, depois do cumprimento dessa promessa na gravidez de uma Sara estéril e idosa, com o posterior nascimento de Isaque, estranhamente Deus ordena a Abraão que suba o monte do sacrifício para imolar seu filho em holocausto. Nestas lancinantes palavras:

“Tome o seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali em holocausto num dos montes que lhe indicarei” (Gn 22.2).

Fico imaginando as indagações que permearam a cabeça do velho Abraão. O que significa isso? Pedir-se-ia tamanho sacrifício de alguém? Deus também compactua com as práticas de sacrifício humano dos cananeus? Incorreria o Senhor num contrassenso, pedindo em sacrifício aquele que é o cumprimento da promessa que me fez?  A dilaceração emocional, a confusão psíquica e o desafio à fé eram demais para suportar. Todavia, Abraão vai, contrariando toda lógica humana, obedecer a ordem divina, dando prova de sua inquestionável fidelidade e devoção ao Seu Amigo e legará com seu ato a beleza e grandiosidade de uma afirmação reveladora  de uma das mais belas manifestações nominais de Deus: YHWHjireh, ou seja, O Senhor Proverá.

Então falou Isaque a Abraão seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto? E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos (Gn 22:7,8).

Você pode notar que Abraão não entendia nada do que estava acontecendo, mas ele se guiava pela convicção de que Deus tinha controle absoluto da situação e proveria todas as coisas ao seu tempo. Esta é a natureza da fé que leva a subir ao monte do sacrifício. Esta fé é também uma provisão-presente de Deus. Nas palavras de Lloyd Ogilvie:

Abraão e Sarai teriam um filho. Abraão achou muito difícil acreditar em tal coisa. Sua idade já atingia a casa dos cem anos, e a de Sarai, a dos 90 anos. Foi então que o Senhor que lhe providenciou um presente, que é dado com liberalidade a todos os que ousam arriscar-se: o dom da fé.[1]

2. Um pedido que beira o limite da capacidade humana. Qual o limite da capacidade e fé de um crente para lidar com as duras provações da vida? Qual o potencial que ainda guardamos após acharmos que não podemos mais? A experiência de Abraão lança luz sobre essas questões fundamentais da vida de fé. Deus estava pedindo o que ele tinha de mais importante (seu único filho), para que ele oferecesse da forma mais dilacerante possível (holocausto), em circunstância totalmente confusa (Isaque era o cumprimento da promessa). Deus deu um presente e depois o pediu de volta.

Ouvi alguém dizer que Deus gosta de exercitar grande fé por meio de grandes provas. Como posto pelo pastor Elienai Cabral, a prova a que Abraão foi submetido fez com que ele chegasse ao máximo de sua capacidade espiritual e emocional. [2] Mas Deus não permite que seu servo seja tentado acima de sua capacidade (1Co 10.13). Quando ele pede é porque sabe que o fiel tem condição de dar. Quando prova, faz porque sabe que o crente tem condição de suportar. Ele sempre providencia o escape em companhia da tentação.

II.                PROVA NO MONTE DO SACRIFÍCIO

1. Amor, obediência e fé no monte do sacrifício. Abraão foi provado em três aspectos de seu caráter em relação a Deus: amor, fé e obediência. Primeiramente em relação ao seu amor a Deus. Ele amava o Senhor acima de todas as coisas? Será que Isaque, filho de sua velhice, tinha um lugar proeminente em seu coração? Havia, porventura, o patriarca esquecido que a sua amizade com Deus precedia o amor que tinha pelo filho? O grande desafio da prova de Abraão era mostrar para Deus e para ele mesmo o que era o centro de sua vida. Mais tarde, o grande mandamento da lei seria: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento” (Lc 10:27). 

O segundo elemento era a obediência do patriarca que estava sendo testada. Obediência é um ato que envolve reconhecimento de dependência, de soberania e senhorio do outro a quem se deve obediência. Nem sempre entendemos ou concordamos com a ordem recebida, mas somos movidos pelo princípio de que o servo obedece, porque teme, ama e confia no seu Senhor. O velho Abraão não compreendeu nada, estava confuso, o coração fora traspassado pelo pedido de Deus, mas ele não tinha alternativa, só podia obedecer.

Em terceiro lugar, o pedido divino era a prova definitiva da fé de Abraão. O patriarca já havia vacilado na fé em alguns momentos. Quando desceu ao Egito, pôs em risco a integridade de Sarai dizendo que ela era sua irmã e não esposa. Posteriormente, atropelou o plano de Deus para a sua vida, tendo um filho com sua escrava Hagar, imaginando que a promessa se cumpriria por meio deste filho ilegítimo. Mas as  experiências o haviam feito crescer e amadurecer na fé, pois em todos os momentos, as intervenções de Deus o salvaram. Por fim, o que parecia impossível e irrisório aconteceu: Deus lhe deu um filho na velhice. Tudo isso contribuiu para a percepção do patriarca de que Deus é absolutamente confiável. Agora, diante da ordem divina para imolar o seu filho, Abraão não podia vacilar. Mesmo não compreendendo, mesmo dilacerado, diante da aparente confusão e paradoxo, precisava confiar que o Eterno sabia o que estava fazendo, que tudo fazia parte do plano. E aí vale ressaltar que a verdadeira fé resulta em obediência. Tiago afirma que Abraão foi justificado por este ato de obediência (Tg 2.21).

2. O clímax da prova. A viagem até a região de Moriá durou cerca de três dias. Quantos pensamentos, quantas indagações, angústias permeavam o coração de Abraão a cada passo do caminho. Quanto clamor silencioso por uma intervenção de Deus. “Abraão, era só um teste, pode voltar”. Mas nada da voz divina. Finalmente a chegada ao local indicado. A separação dos moços que o acompanhavam. A justificativa que usou para aquela separação.

“Eu e o jovem vamos subir para adorar e depois tornaremos a vocês”. Adorar naqueles idos primitivos significava fazer um culto que envolvia sacrifícios cruentos. Um rito em que a garganta de Isaque seria cortada, seu corpo despedaçado, os pedaços do corpo seriam arrumados sobre a lenha e queimados até virar cinzas.

Agora somente pai e filho começam a subir o monte em silêncio. “E tomou Abraão a lenha do holocausto, pô-la sobre Isaque, seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos” (Gn 22:6).

De repente, Isaque quebra o silêncio com a pergunta mais dilacerante que um filho poderia fazer a um pai naquele momento. Acostumado ver a maneira como os sacrifícios de animais aconteciam, percebeu, inocentemente, que havia alguma coisa errada: “Meu pai! eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?” (Gn 22:7). 

Acredito que Abraão respondeu como que impensadamente. É aquela resposta que vem do coração e não da mente. Ele não teria coragem de dizer ao menino que ele, o filho, seria o sacrifício. Era pedir demais para um pai. Então sua resposta saiu automática, dramática, das entranhas de um coração permeado por confiança, perplexidade e angústia: “Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho” (Gn 22:8).

Costumo chamar de “uma resposta para quando não se tem reposta”. Como uma frase que virou praticamente um mantra no meio cristão: “Deus sabe de todas as coisas”.  A gente fala isso quando está dilacerado pela dor da perda, sem entender nada do que está acontecendo. Champlin observa que os intérpretes judeus consideram que Abraão falou como profeta, pois sabia no seu subconsciente que Isaque seria poupado, enquanto que outros entendem que Abraão falou em tom de desespero, como se quisesse dizer: “Logo descobrirás, meu filho, que tu mesmo serás o sacrifício”.

3. O momento decisivo da prova. Às vezes acontece de a gente está indo para algum lugar, mas não querer chegar. Enquanto caminhava monte acima, ainda havia um resquício de esperança em Abraão de que uma intervenção radical de Deus poria fim àquela caminhada horrorosa, que ele não chegaria ao lugar crítico e dramático do sacrifício. Mas cada passo encurtada a distância e, numa proporção inversa, sua angústia e ansiedade cresciam. Finalmente chegaram. Vai começar o ritual horrendo. O pai prepara o altar, arruma a lenha, amarra o filho querido sobre o mesmo, examina o cutelo reluzente e o move ao alto, para finalmente descer sobre o pescoço do menino. Os animais do sacrifício eram amarrados para que não fugissem, mas Isaque não ofereceu nenhuma resistência. Naquele último segundo, pareceu, de fato, ao velho patriarca que a esperança de uma intervenção divina que permeou seu coração durante todo o macabro trajeto acabara ali. Mas eis que, no último momento, no limite, na linha tênue entre a morte e a vida, surge a intervenção de YHWHjireh, o Senhor que provê. Com que excepcional graça o sacro escritor narra a intervenção divina!

Mas o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho. Então levantou Abraão os seus olhos e olhou; e eis um carneiro detrás dele, travado pelos seus chifres, num mato; e foi Abraão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho. E chamou Abraão o nome daquele lugar: o Senhor proverá; donde se diz até ao dia de hoje: No monte do Senhor se proverá. (Gn 22:11-14).

Consigo imaginar o rosto de Abrão. A explosão. O êxtase. A prostração depois de uma pressão quase insuportável. É como se a ficha houvesse caído: “Ah, era isso! No fundo eu sabia”. Será mesmo que Abraão sabia que nunca fora a intenção de Deus que um ato tão horrendo fosse executado? Claro que ele não sabia. E é nisso que reside o fato de que a sua fé foi provada no limite de sua capacidade. Mas, o que dá mais graça ainda à história é que, no fundo, ele sabia. A vida com Deus é assim mesmo, meio paradoxal: é “um não saber consciente” misturado com “um saber que procede do coração”.

III.             JESUS, O CORDEIRO DE DEUS NO MONTE DO SACRIFÍCIO

Havia uma cruz no coração de Deus quando ele interveio em favor de em favor de Abraão e curou a síndrome do pecado através do sacrifício de Jesus Cristo na cruz.[3]

Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se (Jo 8:56).

1. O sacrifício do Cordeiro de Deus (Jo 1.29). Existe uma ponte entre o Moriá e o Calvário. O escritor aos hebreus afirma que os rituais do Antigo Testamento eram sombra da realidade futura (Hb 8.5. 10.1). Na verdade, tudo apontava para Cristo, o assunto central das Escrituras. No caso específico aqui estudado, Deus tinha um propósito muito grande em submeter Abraão àquela experiência dramática: queria retratar o drama da cruz, ou seja, o sacrifício de seu Filho, Jesus, no monte Calvário em favor da humanidade (Jo 3.16). Ademais, há os que acreditam que a resposta de Abraão a Isaque foi profética. Sendo assim, Deus cumpriu o “Deus proverá” de Abraão no Calvário, quando proveu o Salvador.

Moriá é um tipo do Calvário. Abraão é uma figura do Pai eterno levando seu único Filho, Jesus, para o sacrifício. Isaque é uma figura do Filho de Deus que, calado, deixou-se conduzir ao local do sacrifício. Há quem diga que Isaque é também uma figura da humanidade poupada, substituída na morte do Cordeiro de Deus. O animal preso pelas pontas é figura da provisão de Deus, que providenciou o Cordeiro para morrer em nosso lugar. Por isso dizemos que o sacrifício de Cristo foi vicário. Decerto, a grande diferença que separa Moriá – a sombra, do Calvário – a realidade concreta, é que o filho de Abraão foi poupado, mas o Filho de Deus não. O que ele não permitiu a Abraão fazer, ele mesmo o fez, conforme atesta Ogilvie:

“Acima de tudo, nossa atenção se volta para outro monte: o Calvário. Ali, Deus fez o que era na realidade impossível. Ele deu o seu próprio Filho como sacrifício pelos pecados de todos os povos, em todas as gerações. O que Ele não exigiu de Abraão exigiu de si mesmo, oferecendo Jesus para que pudéssemos conhecer o seu supremo amor e perdão.”  [4]
2. A justificação e reconciliação mediante o sacrifício do Cordeiro. Toda a teologia veterotestamentária aponta na direção de um Cordeiro que seria morto para propiciação pelos pecados. Essa teologia já está em Gênesis, quando Deus mata um animal para, de sua pele, providenciar vestes para Adão e Eva (3.8,21). Porém a figura de um cordeiro sacrificado como parte do drama da redenção humana remonta à páscoa (Ex 121-13), quando Deus veria o sangue aspergido nos umbrais das portas dos filhos de Israel e “passaria por cima” (livraria da morte) daqueles protegidos pela sua marca; ou mais precisamente no dia da Expiação (Lv 16), quando o sacerdote impunha as mãos sobre o sacrifício e, simbolicamente, transferia a culpa dos filhos de Israel para o mesmo.

A figura do animal morto como meio de expiação no Antigo Testamento é transferida a Cristo no Novo. João Batista disse que Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). Paulo se refere a Jesus como a nossa páscoa (1 Co 5.7). Pedro declara que fomos redimidos “com o sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1 Pe 1.19). Felipe explica a um eunuco que a passagem de Isaías, que tratava de um servo que seria levado como um cordeiro ao matadouro, era uma referência a Cristo (At 8. 26ss). Nas regiões celestiais, o Leão da tribo de Judá é louvado como o Cordeiro que fora morto (Ap 5.9). Portanto, por meio do sangue de Cristo, fomos reconciliados, perdoados e justificados (Rm 5.1). Jesus é a providência de Deus no Calvário. 

CONCLUSÃO

Moriá só pode ser compreendido olhando-se para o Calvário. No primeiro monte, Deus providenciou um animal para morrer em lugar de Isaque. No segundo, Deus proveu o Cordeiro, seu próprio Filho, para morrer em favor da humanidade. Há uma ponte entre Moriá e o Calvário.  




[1] OGILVIE, Lloyd John. O Senhor do Impossível. São Paulo: Vida, 2009. P. 25.
[2] In Revista CPAD (professor): O Deus de toda a provisão. 4º trimestre 2016, p. 29.
[3] OGILVIE, Lloyd John. O Senhor do Impossível. São Paulo: Vida, 2009, p. 33.
[4] Ibidem. 

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O TRABALHO E ATRIBUTOS DO GANHADOR DE ALMAS

Leitura bíblica: Atos 8.26-40

TEXTO ÁUREO
“Mas tu sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre teu ministério” (2Tm 4.5).  

VERDADE PRÁTICA
A missão do evangelista é falar de Cristo a todos, em todo lugar e tempo, por todos os meios possíveis.


INTRODUÇÃO

Todos os crentes salvos em Jesus têm a responsabilidades de ganhar almas e fazer discípulos. Mas, para o bom desempenho de sua igreja, o Espírito Santo distribuiu capacidades especiais e diversas para os seus servos realizarem obras diferentes. Segundo Paulo escreveu aos efésios, 4.11, entre os dons ministeriais que foram outorgados à igreja, está o de evangelista, aquele que foi vocacionado e capacitado por Deus para ser um exímio ganhador de almas. A aula de hoje, termos a oportunidade de discorrer sobre este obreiro indispensável para a promoção do Reino de Deus.

I. EVANGELISTA, GANHADOR DE ALMAS

1. Definição. Evangelista é aquele que tem como atribuição primordial na vida anunciar o evangelho. Não se trata apenas de um título, mas de uma vocação. Hoje, quando se ouve a palavra “evangelista”, pode-se pensar em três acepções: (i) aquele obreiro que foi promovido de presbítero para evangelista e está hierarquicamente abaixo da função pastor, conforme o modelo de algumas denominações, a Assembleias de Deus, por exemplo. (ii) Pode-se pensar também naquele crente que simplesmente anuncia o evangelho, consciente de que é o seu dever, sendo assim todo crente deve ser um evangelista. (iii) A terceira acepção, da qual tratamos nesta aula, diz respeito aquele crente que recebeu o dom do Espírito Santo para ser um ganhador de almas por excelência, conforme esclarecido por Paulo em Efésios 4.11. O tal vai se destacar no Reino de Deus pelo seu amor irresistível pelas almas, a fim de conduzi-las a Cristo.

2. O evangelista no Novo Testamento.
 Efésios 4.11 - “E ele mesmo deu uns para... evangelistas...”.

II Timóteo 4.5 – “Mas tu sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério”.

Atos 8.5-6 – “E, descendo Filipe à acidade de Samaria, lhes pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao que Filipe dizia, porque ouvia e via os sinais que ele fazia”.

Atos 21.8 – “No dia seguinte, partindo dali Paulo e nós que com ele estávamos, chegamos a cesárea; e, entrando na casa de Filipe, o evangelista, que era um dos sete, ficamos com ele”.

Romanos 10.14-15 – “Como, pois, invocarão aquele a quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não foram enviados? Como esta escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas”.

No Novo Testamento, toda a igreja de Cristo estava dentro de um movimento cuja ênfase era a anunciação do evangelho. Não podia ser diferente uma vez que a igreja estava no seu nascedouro, com todo o trabalho voltado para a Grande Comissão determinada pelo Senhor Jesus (Mc16. 15; Mt 28.18; At1.8). Na dispersão que houve com a morte de Estêvão, por onde os crentes fugitivos iam passando, iam anunciando o evangelho de Cristo (At8.4). Como resultado da grande campanha inicial de evangelização e resultante colheitas de almas, igrejas seriam estabelecidas, abrindo demanda para pastores, mestres e outros. Todavia, vale observar, que desde o início, alguns já se destacavam por sua habilidade extraordinária na tarefa de ganhar almas, sendo Felipe o principal, o qual chegou a ser chamado de evangelista ( At 21.8). Muito pertinente o comentário abaixo.

A palavra grega que é traduzida por "evangelista" nesses versículos é euaggelistes que significa literalmente "um bom mensageiro”, ou "mensageiro do bem”, ou "boas novas”. Desde o início ela foi usada em referência àqueles que pregavam o evangelho”.

“Nesse sentido, todos os apóstolos foram também evangelistas. Apesar disso, essa era somente uma de suas muitas obrigações. Havia aqueles cujos ministérios eram totalmente voltados a pregar o evangelho para trazer a oportunidade de salvação aos não salvos. Filipe, que foi nomeado com Estevão como um dos sete diáconos em Jerusalém, é um exemplo que temos desse ministério no Novo Testamento. Desde Atos oito, o vemos operando, e seu ministério foi conduzir as pessoas à salvação. Nós então vemos no apogeu desse avivamento na cidade, Filipe sendo levado a pregar o evangelho a somente um homem no deserto. Isso requereria uma notável sensibilidade e obediência ao Espírito, assim como uma submissão ao ministério que Deus havia dado a outros, isto é, aos apóstolos”.[1]

3. O evangelista na era da igreja. Na história da igreja, houve, de tempos em tempos, grandes colheitas de almas, quando o Espírito Santo usou poderosamente pessoas comissionadas e preparadas com o dom de ganhar almas. Só para ficar com alguns, citaremos abaixo uma lista de nomes cujas biografias o aluno fará bem em conhecer a fundo.

John Wesley – séc. XVIII -
Evangelista inglês. Revolucionou sua época com pregações e apelos públicos à santidade.

Jônatas Edwards – sé XVIII.
Teólogo e filósofo estadunidense. É muito conhecido no meio cristão pelo seu famoso sermão “Pecadores nas mãos de um Deus irado”. Conta-se que enquanto pregava em Enfield, onnecticut, a convicção acaiu de tal forma sobre o público que muitos se agarravam às colunas do prédio, suplicando que os livrassem do inferno.

D. L. Moody – séc XIX.
Evangelista batista norte-americano, pregava a salvação em Cristo de modo diferente. Pregava a plenitude do Espírito Santo e uma vida cristã cheia do poder do alto. Acerca da sua marcante cruzada cristã evangelística de Londres, em 1873 escreveu Robert Boyd: “Moody pregou à tarde no Auditório da Associação Cristã de Moços, em Sunderland. Em pleno culto houve manifestação de línguas estranhas e profecia”.

C. H. Spurgeon - séc. XIX    
Pastor Batista. Inicia jornada de pregação aos 17 anos, pregando nos EUA e Inglaterra, não somente em igrejas, mas, teatros, escolas, e praças livres.

Billy Graham – séc. XX
Pastor Batista, conhecido por suas cruzadas internacionais, falando a mais de 2 bilhões de pessoas em muitos países no mundo.

II. ATRIBUTOS DE UM EVANGELISTA

1.      Amor às almas.
O que primariamente caracteriza um evangelista é seu desejo ardente de ganhar almas. Se o cristão não tem desejo dessa natureza, pode ser tudo menos evangelista. O evangelista vocacionado arde de desejo pelas almas a fim de trazê-las a Cristo. Ele faz disso seu grande objetivo da vida, porque o Espírito Santo assim o despertou (Ef 4.11).

Jesus é um exemplo fantástico de paixão pelas almas: “E Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Ao ver as multidões, Jesus sentiu grande compaixão pelas pessoas, pois que estavam aflitas e desamparadas como ovelhas que não têm pastor. Então, falou aos seus discípulos: “De fato a colheita é abundante, mas os trabalhadores são poucos” (Mt 9.35-37).

Paulo, grande ganhador de almas da igreja primitiva, chega mesmo a sentir dores como que de parto como se estivesse a dar filhos à luz (Gl 4.19). Numa compulsão que só pode ser provocada pela ação do Espírito, o apóstolo dos gentios disse que não poderia, de maneira nenhuma, deixar de pregar o evangelho. O sentido da expressão paulina em 1Co 9.16 dá  a entender que o apóstolo em apreço vivia consumido pelo desejo de pregar: “[...] me é imposta essa obrigação, e ai de mim se não anunciar o evangelho”.

O evangelista pensa em almas para dormir e acorda para pensar em almas. Foi este sentimento que moveu também os grandes avivalistas da história da igreja. Veja as orações e declarações “desesperadas” de alguns por almas.

Paulo: E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. (1 Coríntios 9:20-22)

John Knox orou: "Senhor, dá-me a Escócia ou eu morro!".

Whitefield orava com afinco: "Se não queres dar-me almas, retira a minha!"

John Bunyan declarou: "Na pregação não podia contentar-me sem ver o fruto do meu trabalho".

Matheus Henry: "Sinto o maior gozo em ganhar uma alma para Cristo, do que em ganhar montanhas de ouro e de prata, para mim mesmo".

D. L. Moody: "Usa-me, então meu Salvador, para qualquer alvo em qualquer maneira que precisares. Aqui está meu pobre coração, uma vasilha vazia, enche-a com tua graça".

Henrique Martyn, ajoelhado na praia da Índia, onde fora como missionária, dizia: "Aqui quero ser inteiramente gasto por Deus".

John Mckenzie, ajoelhado a beira do Lossie, clamava: "Ó Senhor, manda-me para o lugar mais escuro da terra!".

Prayine Hyde, missionário na Índia, suplicava: "Ó Deus, dá-me almas ou eu morrerei!".

David Brainerd: "Eis-me aqui, Senhor. Envia-me a mim! Envia-me até os confins da terra: Envia-me aos selvagens habitantes das selvas; envia-me para longe de todo conforto terrestre; envia-me mesmo para morte, se for para teu serviço e para progresso do Teu reino".  "Lutei pela colheita de almas, multidões de pobres almas. Lutei para ganhar cada uma, e isto em muitos lugares. Sentia tanta agonia, desde o nascente do sol até o anoitecer, que ficava molhado de suor por todo o corpo. Mas, ó meu querido Senhor suou sangue pelas pobres almas. Com grande ânsia eu desejava ter mais compaixão".

João Wesley, não raro ficava prostrado no chão, chorando e lutando com o Senhor, por seu povo. Quando sua esposa implorava que explicasse a razão da sua ânsia, respondia: "Tenho que dar conta de três mil almas e não sei como estão".

D.L. Moody ouviu alguém dizer: "Nossa época ainda está para ver o que Deus pode fazer usando um homem cuja vida seja inteiramente comprometida com Ele". Moody disse: "Eu serei esse homem". E foi assim que multidões se converteram a Cristo por meio de Moody.

É muito tocante ler a história desses homens. Melhor ainda é construirmos a nossa própria história. Os nossos desafios hoje são bem maiores. Ganhemos almas.

2. Conhecimento da Palavra de Deus. O evangelista não precisa ser um exímio, mas precisa conhecer a fundo as doutrinas basilares da soteriologia que foi chamado para anunciar. Este conhecimento não consiste em apenas saber intelectual, mas também e, principalmente, experiencial.  Sendo assim, ele precisa primeiramente conhecer a natureza do evangelho, cujo pano de fundo abrange desde a queda do homem (Gn 3), a consequente pecaminosidade universal (Rm 3.23), a consequente morte eterna (Mt 25.46), e cuja figura central  é a providência de Deus para a salvação da humanidade por meio de seu Filho (Jo 3.16).

Para a igreja primitiva e, principalmente para Paulo, o evangelho é uma pessoa: Cristo crucificado e ressurreto, assunto ao céu, assentado à direita de Deus, de onde intercede por sua igreja e de onde voltará para buscá-la (ver 1Co 15.3; Mc 4.62; Rm 1.1-3; Hb 4.14).

Segundo, precisa ter sido transformado pela mensagem que prega. Nesse particular, temos em Paulo um grande modelo. Primeiro, a mensagem dele era Cristo crucificado (1Co 2.2). Segundo, ele mesmo já havia tido sua própria experiência com o evangelho, o que lhe rendia convicção inabalável na pregação (Rm 15.18).

Destarte, precisa-se manejar bem a Palavra de Deus (1Tm 2.15) para que, como Felipe, tenha a habilidade para conduzir as pessoas a Cristo (At 8.35) e responder, com mansidão e temor, àqueles que pedirem a razão de nossa esperança (1Pe 3.15).

3. Espiritualidade plena. Precisa saber que o oxigênio de sua mensagem, que a propaga e a torna poderosa é o poder do Espírito Santo. Por isso que o batismo com o Espírito Santo é imprescindível para o exercício deste ministério. Foi Jesus mesmo quem orientou seus discípulos a não se ausentarem de Jerusalém até que do alto fossem revestidos de poder para serem testemunhas (At 1.8).
Vemos que Filipe era homem cheio do Espírito Santo (At 6.2-4), por isso tinha um ministério com pregação acompanhada de sinais extraordinários (At 8.6-7). Estêvão pregava a mensagem de Cristo com tanta unção e graça que aqueles que o ouviam não podiam lhe resistir (At 6.10). Paulo declarou aos romanos que a sua pregação não consistiu em palavras de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e em poder (Rm 2.4). Somente para fechar a lista, visto ser muito intensa, Pedro, em um só sermão, arrebanhou quase três mil almas, isso porque os que o ouviam se compungiram em seus corações, pois não podiam resistir àquelas palavras (At 2.37).

Portanto, quem evangeliza precisa ter uma vida plena, resultado de uma busca constante pelo poder do Espírito para que sua pregação não consista em meras palavras de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e poder. Para um pregador de vida vazia, a mensagem da cruz pode soar como mais um conto entre tantos da imaginação humana.

4. Disponibilidade. Claro está que o evangelista, para ter um ministério maximizado, precisa de tempo disponível. Até porque ganhar almas tornou-se a grande prioridade de sua vida. Ele precisa estar à disposição do Espírito Santo. Isso não significa descuidar de outras áreas importantes da vida. Na verdade, disponibilidade tem mais a ver com prontidão para, abertura para... É criar oportunidades e estar atento a cada uma que surgir para falar do amor de Deus. Há pessoas que vivem integralmente para a obra de Deus, outras que não, pois tem de se ocupar com o trabalho secular e outras atividades. Todavia, vale ressaltar, muitos que tem o dom de evangelista e estão exercendo vários papéis sociais, onde aproveitam as oportunidades que têm e ganham muitas almas para Jesus.

Jesus nunca desperdiçou uma oportunidade de pregar. Jesus pregava em todos os lugares, a todas as pessoas. Ninguém era tão sábio ou indouto que pudesse ser dispensado de sua pregação. Ele pregou para um mestre de Israel chamado Nicodemos (Jo 3.1-21); como também para uma mulher simples de Samaria (Jo 4.1-30). Ele pregava a grandes multidões (Mc 6.34), a pequenos grupos e também individualmente (Lc 24.27; Jo 3 e 4). Em todos os lugares, eis o incansável Mestre pregando: nas sinagogas (Mc 6.2), em casas particulares (Mc 2.1; Lc 5.17), no templo (Mc 12.35) e nas aldeias (Mc 6.6). Para ser alvo de sua pregação, bastava está em seu caminho.

III. O TRABALHO DE UM EVANGELISTA

1. Proclamação do evangelho. Todo obreiro do Senhor precisar ter consciência plena de sua vocação no corpo ministerial da igreja. Não dá para fazer tudo e com profundidade. Por isso que Deus chamou cada um com uma vocação. Assim como ao mestre deve haver dedicação ao ensino, ao evangelista cabe dedicação na proclamação do evangelho de Cristo. Ele não pode se perder em firulas, em controvérsias teológicas, coisas que podem gerar embaraços no exercício de seu ministério. A orientação de Paulo ao evangelista Timóteo é para que este faça, de fato, o trabalho de um evangelista (1Tm 4.5).

2. Apologia da fé cristã. No próprio exercício ministerial de anunciar a Cristo, o evangelista se deparará, não raro, com ocasiões em que precisará apresentar uma defesa inteligente e sistemática da fé, ou seja, atuará como apologista. Tal desafio acontecerá quando se deparar com corações mais reticentes, inclinados a debates e questionamentos.  Jesus fez muito isso (Jo 3.1-13; Lc 10.33). Paulo várias vezes teve que apresentar uma defesa sistemática da fé (At 17; ver Fl 1.15). Ressalte-se também o fato de que muitos trabalham na evangelização de pessoas de outras religiões e seitas e, portanto, ficam diante dos mesmos desafios que a igreja primitiva enfrentava em relação aos judeus e gregos (ver 1 Co 1.23).
Destarte, o evangelista deve estar pronto, a partir do exercício constante do estudo e da oração para apresentar, sempre que necessário a defesa inteligente e sistemática da fé que prega.

3. Integração do novo convertido. O evangelista não é pastor, mas ele trabalha em conjunto com este, pois cabe a ele ganhar as almas e integrá-la a uma igreja local a fim de que as mesmas sejam discipuladas e se tornem outros obreiros eficientes na promoção do reino de Deus.  Pegando Paulo como modelo, ele, onde passava, ganhava almas, estabelecia igrejas, entrega-as a pastores e seguia sua jornada missionária. De tempos e tempos, visitava aquelas igrejas e ou lhes escrevia cartas. É isso.

CONCLUSÃO
Vimo na aula de hoje que o Espírito Santo vocaciona alguns na igreja para serem grandes ganhadores de almas, os evangelistas. Também vimos a história de homens que, sendo vocacionados por Deus, fizeram a diferença na obra da evangelização, com destaque para Felipe, arrebanhado muitas almas para o aprisco do Salvador. Mas não podemos ficar só nisso. Cabe a nós, em nossa geração tão carente, usar as armas do Espírito para anunciar o evangelho de Jesus e fazer a diferença em nossa geração.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Claudionor. O desafio da evangelização: obedecendo ao ide do Senhor Jesus de levar as boas novas a toda a criatura. Lições Bíblicas CPAD, 3º trimestre de 2016.
MACARTNEY, Clarence E. (org.). Grandes Sermões do mundo. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
BOYER, Orlando. Heróis da fé: vinte homens extraordinários que incendiaram o mundo. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
DUEWEL, Wesley. Heróis da vida cristã: a inspiradora trajetória de grandes nomes do cristianismo. São Paulo: Vida, 2004.



[1] Ministério Profético e apostólico. A função do evangelista. Disponível em http://quadrangularmedeiros.blogspot.com.br/2010/03/funcao-do-evangelista.html. Acesso em 16.07.2016. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

TODAVIA HÁ AINDA UM RESQUÍCIO DE HUMANIDADE NOS HUMANOS

Hoje, enquanto ouvia as notícias acerca de tanta violência e crueldade no Brasil e no mundo, fiquei me perguntando se ainda vale a pena continuar acreditando neste projeto chamado humanidade que, segundo uma certa Declaração Universal dos Diretos Humanos, tem direitos que são inalienáveis, como o direito à vida, dignidade e igualdade. 
Não por acaso, enquanto refletia sobre o  ódio e a banalização da vida que acomete as sociedades humanas, estava lendo o célebre texto de Martin Luther King: 

Eu tenho um sonho. 

Eu tenho um sonho de que um dia, esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro significado de seus princípios: "Achamos que estas verdades são evidentes por elas mesmas, que todos os homens são criados iguais". 

Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. 

Eu tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça. 

Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter.

King pregou este sermão em uma ocasião quando combatia a segregação racial no sul dos Estados Unidos. Apesar da dura realidade e da vergonhosa segregação racial vigente naqueles dias, mais vergonhosa ainda pelo fato de aquela nação arrogar para si o título de uma nação fundamentalmente cristã e livre, ele não desistiu de continuar lutando e fazendo o que ele achava mais adequado para que a liberdade pudesse estrugir nos ouvidos negros daquela nação. Ele usa nada mais nada menos que a estratégia usada por Jesus e por Gandhi, da conscientização do algoz acerca de quão deletério é o preconceito, a partir do método da não violência. Esta técnica consiste numa auto-doação à fúria das feras a ponto de causar horror à própria fera.  Ele, no fundo, sabia que a própria humanidade, cega pelo ódio e preconceito, seria despertada e poria fim aquela mancha. E foi o que aconteceu. King apelou para um possível resquício de humanidade perdido no meio do cipoal de ódio, discriminação e preconceito do homem branco, porque ele sabia que este resquício humano, capaz de despertar um sentimento de vergonha e horror às própria ações é próprio da condição humana, assim como é próprio de sua condição adoecer pelo ódio quando sua cultura e ambiente favorecem este ódio. 

É exatamente isso que devemos fazer em nossos dias, ainda de tanto desrespeito ao direito, de tanta violência, discriminação e preconceito,continuar acreditando e lutando, disseminando o amor, altruísmo e respeito, o direito e os deveres, claro, sem desconsiderar as sanções da lei aos infratores quando necessário. É isso.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A busca pela felicidade

Felicidade é um assunto discutido desde a antiguidade,tanto por grandes filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, como por mestres das religiões, como Jesus, Buda, Maomé e outros. O primeiro grupo, os filósofos, via na filosofia o caminho para a felicidade. 

      Para Aristóteles, o entendimento da ideia de felicidade passa pelo entendimento da ideia de virtude. Para o estagirita, a dedicação à contemplação, sabedoria e conhecimento pode conferir uma felicidade duradora, algo que vai além dos prazeres efêmeros e da inconstância da honra. E ainda, o homem é feliz se vive bem e age bem, tendo em vista que a felicidade está ligada à boa vida e à boa ação. 

       O segundo grupo, mestres religiosos, apregoaram uma busca por uma transcendência que justifique todo sofrimento aqui em nome de uma vida plena numa época escatológica ou numa encarnação vindoura ou mesmo numa espécie de vida consciente do lado de lá da vida. Verdade é que para este segundo grupo, a ideia de felicidade não pode prescindir da crença numa Divindade. Santo Agostinho (354 - 430 d. C.),filósofo e um dos pais da igreja, por isso, representante dos dois grupos acima, no diálogo De Beata Vita (A vida feliz)  apresenta um conceito de felicidade que consiste no conhecimento de Deus, ou seja, somente quem conhece a Deus é feliz. Para ele, o porto da felicidade é a posse de Deus. Ademais disso, na obra em apreço, o bispo de Hipona defende que essa busca por Deus acontece num processo que parte do exterior para o interior, do inferior para o superior. É na introspecção, no olhar para dentro dele mesmo que o indivíduo encontra a Divindade (ou a felicidade). 

      Fui solicitado a apresentar um conceito moderno a partir de uma crítica  aos pensamentos de Agostinho e dos demais filósofos supramencionados. A filosofia é mesmo um caminho para a felicidade? Ou este bem supremo só pode ser alcançado pela apropriação da vida de Deus?

       Acho extremamente difícil responder a esta questão, mas acho que devo tentar, ao menos externar um ponto de vista. A questão deve ser abordada sob dois prismas. Primeiro, deve ser vista sob o prisma  da vida individual, ou seja, o que é próprio deste ou daquele indivíduo. Deste ponto de vista, felicidade é um estado relativo que se apresenta em um recorte momentâneo que depende do dia, do tempo e do humor do momento. Ninguém diz que é feliz ao atravessar uma grande contrariedade na vida, um luto por exemplo. Por outro lado, ninguém é infeliz no êxtase de um momento apaixonante de amor ou numa explosão de fé num momento de culto. Por isso as pessoas falam de momentos bons e felizes. 

      Segundo, o assunto deve ser visto num sentido ontológico, ou seja, que é próprio da condição essencial do ser, neste caso a condição humana. Sob este prisma,  a felicidade tem a ver com uma busca constante por sentido para a vida e tudo o que acontece nela. Outro dia, um velho sábio foi questionado por seu discípulo que estava em grande sofrimento acerca do sentido da vida:

 _Mestre, qual o sentido da vida?. 
 _Você não sabe? _ retrucou o sábio. 
_Não, não faço nenhuma ideia. Por isso estou aqui neste processo de aconselhamento.
_E o que você está, de fato, fazendo aqui? _ persistiu o mestre.
_Estou buscando algum sentido para esta vida amorfa _ murmurou o discípulo. 
_Você acabou de achar, disse o sábio. O sentido é esta busca incessante por um sentido que nunca aparece. Não aparece porque no dia em que a gente achar, a vida para e, parada, adoece de morte. 

Acho difícil compreender e conceituar "felicidade" fora desses dois prismas.  Por isso, entendo que o conceito estático de felicidade de Agostinho, segundo o qual, a felicidade está numa busca que leva a encontrar o supremo Bem, Deus, e somente quem o encontra e passa a ter comunhão com ele é feliz, isso é por demais simplista. O que mais próximo pode estar de uma vida feliz é o movimento incessante por uma vida feliz, é o caminho, o jeito de ir, e não o destino.

Também vale lembrar a ideia de Agostinho segundo a qual a busca deve acontecer de fora para dentro, num processo que parta do exterior para o interior para o superior. Este pensamento não parece consensual com as ideias contemporâneas de busca por sentido e felicidade.  A própria psicologia vai na direção de que muito do que  está dentro de nós é uma absorção do que está fora. E a própria Bíblia, onde o pensamento de Agostinho se fundamenta, orienta a que se olhe para fora ( Is 45.22).

        Em relação ao pensamento aristotélico de felicidade, não me convém que felicidade se relacione estreitamente com virtude, contemplação e sabedoria e conhecimento, ideia que possivelmente Aristóteles concebeu tendo como pressuposto, além da experiência pessoal, o homem grego livre de seu tempo, descompromissado de qualquer trabalho laborioso (o que era dispensado aos escravos) para viver uma vida dedicada à política e filosofia ou qualquer outro ramo de saber de então. Deveria ser momentaneamente muito prazeroso. Acho um fundamento muito simplista para se conceituar felicidade. 

      Acho que o mundo moderno com suas angústias, incertezas e frustrações não comporta mais uma definição redonda de felicidade ou um caminho para se chegar a este bem supremo, nem na filosofia nem em qualquer outra ciência fora dela. Aliás toda filosofia iluminista que advogou que a razão traria felicidade à humanidade se viu frustrada diante de duas grandes Guerra Mundiais

       Por isso advogo que nem na filosofia nem fora dela apresenta-se um meio absoluto para se chegar lá. O que é, então, a felicidade? Depende. Tem que ver com o individual, momentâneo e relativo, como cada pessoa significa sua própria vida. Como encontrar a felicidade? Ela não está em lugar nenhum, ela acontece, no processo, na busca.

Fé e razão conciliadas em Santo Agostinho

A filosofia medieval tem sua origem na teologia patrística, ou seja, a teologia dos pais da igreja, desenvolvida entre o século II e o século IX, período denominado Alta Idade Média. No início da fé cristã, a nova doutrina que fora ensinada por Jesus e seus discípulos imediatos, os apóstolos, sofreria ataques ferozes, tanto de dentro como de fora do arraial da igreja. Neste contexto, os pais da igreja, assim chamados por serem os substitutos imediatos dos apóstolos, começaram a desenvolver a apologética cristã, tendo em vista explicar e defender a “nova” doutrina dos ataques dos hereges. Para tal, usaram como ferramenta a filosofia platônica, chegando a fazer uma síntese entre esta filosofia e a doutrina cristã.
O destaque vai para o nome de Santo Agostinho, que vai recorrer a conceitos da filosofia platônica para elucidar, entre outras coisas, a compatibilidade entre a verdade da fé e a verdade da razão, ou seja: Como explicar racionalmente alguns mitos do cristianismo, considerando que a filosofia já havia se dado ao trabalho de separar, em sua constituição primeira, estes dois polos – a razão e o mito? 
O bispo de Hipona estende um paralelo entre a teoria das ideias, de Platão, e a iluminação divina necessária ao entendimento das Escrituras. Assim sendo, para ele, o mundo das ideias exprime a perfeição e seria o equivalente às ideias divinas, que exprime a verdade, enquanto que e mundo sensível seria uma cópia imperfeita do mundo inteligível, o equivalente às ideias mundanas, que são as opiniões.
Segundo a agostiniana teoria da iluminação, só é possível ao homem pensar correto porque e quando ele recebe de Deus a iluminação acerca do conhecimento das verdades eternas, tal como o sol ilumina e reflete a imagem dos objetos do mundo, possibilitando que sejam capitados pela visão. Em Platão, o sol ilumina a ideia de Bem. Em Agostinho, Deus ilumina as verdades eternas.

Para Agostinho, a fé é o meio primeiro pelo qual o homem pode chegar a verdade, o que se traduz na expressão: “Creio para que possa entender”. Não que a razão não seja importante, haja vista que ele se vale da filosofia, mas, em Agostinho, a razão servirá como auxiliar da fé e estará sempre subordinada a esta.