sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A busca pela felicidade

Felicidade é um assunto discutido desde a antiguidade,tanto por grandes filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, como por mestres das religiões, como Jesus, Buda, Maomé e outros. O primeiro grupo, os filósofos, via na filosofia o caminho para a felicidade. 

      Para Aristóteles, o entendimento da ideia de felicidade passa pelo entendimento da ideia de virtude. Para o estagirita, a dedicação à contemplação, sabedoria e conhecimento pode conferir uma felicidade duradora, algo que vai além dos prazeres efêmeros e da inconstância da honra. E ainda, o homem é feliz se vive bem e age bem, tendo em vista que a felicidade está ligada à boa vida e à boa ação. 

       O segundo grupo, mestres religiosos, apregoaram uma busca por uma transcendência que justifique todo sofrimento aqui em nome de uma vida plena numa época escatológica ou numa encarnação vindoura ou mesmo numa espécie de vida consciente do lado de lá da vida. Verdade é que para este segundo grupo, a ideia de felicidade não pode prescindir da crença numa Divindade. Santo Agostinho (354 - 430 d. C.),filósofo e um dos pais da igreja, por isso, representante dos dois grupos acima, no diálogo De Beata Vita (A vida feliz)  apresenta um conceito de felicidade que consiste no conhecimento de Deus, ou seja, somente quem conhece a Deus é feliz. Para ele, o porto da felicidade é a posse de Deus. Ademais disso, na obra em apreço, o bispo de Hipona defende que essa busca por Deus acontece num processo que parte do exterior para o interior, do inferior para o superior. É na introspecção, no olhar para dentro dele mesmo que o indivíduo encontra a Divindade (ou a felicidade). 

      Fui solicitado a apresentar um conceito moderno a partir de uma crítica  aos pensamentos de Agostinho e dos demais filósofos supramencionados. A filosofia é mesmo um caminho para a felicidade? Ou este bem supremo só pode ser alcançado pela apropriação da vida de Deus?

       Acho extremamente difícil responder a esta questão, mas acho que devo tentar, ao menos externar um ponto de vista. A questão deve ser abordada sob dois prismas. Primeiro, deve ser vista sob o prisma  da vida individual, ou seja, o que é próprio deste ou daquele indivíduo. Deste ponto de vista, felicidade é um estado relativo que se apresenta em um recorte momentâneo que depende do dia, do tempo e do humor do momento. Ninguém diz que é feliz ao atravessar uma grande contrariedade na vida, um luto por exemplo. Por outro lado, ninguém é infeliz no êxtase de um momento apaixonante de amor ou numa explosão de fé num momento de culto. Por isso as pessoas falam de momentos bons e felizes. 

      Segundo, o assunto deve ser visto num sentido ontológico, ou seja, que é próprio da condição essencial do ser, neste caso a condição humana. Sob este prisma,  a felicidade tem a ver com uma busca constante por sentido para a vida e tudo o que acontece nela. Outro dia, um velho sábio foi questionado por seu discípulo que estava em grande sofrimento acerca do sentido da vida:

 _Mestre, qual o sentido da vida?. 
 _Você não sabe? _ retrucou o sábio. 
_Não, não faço nenhuma ideia. Por isso estou aqui neste processo de aconselhamento.
_E o que você está, de fato, fazendo aqui? _ persistiu o mestre.
_Estou buscando algum sentido para esta vida amorfa _ murmurou o discípulo. 
_Você acabou de achar, disse o sábio. O sentido é esta busca incessante por um sentido que nunca aparece. Não aparece porque no dia em que a gente achar, a vida para e, parada, adoece de morte. 

Acho difícil compreender e conceituar "felicidade" fora desses dois prismas.  Por isso, entendo que o conceito estático de felicidade de Agostinho, segundo o qual, a felicidade está numa busca que leva a encontrar o supremo Bem, Deus, e somente quem o encontra e passa a ter comunhão com ele é feliz, isso é por demais simplista. O que mais próximo pode estar de uma vida feliz é o movimento incessante por uma vida feliz, é o caminho, o jeito de ir, e não o destino.

Também vale lembrar a ideia de Agostinho segundo a qual a busca deve acontecer de fora para dentro, num processo que parta do exterior para o interior para o superior. Este pensamento não parece consensual com as ideias contemporâneas de busca por sentido e felicidade.  A própria psicologia vai na direção de que muito do que  está dentro de nós é uma absorção do que está fora. E a própria Bíblia, onde o pensamento de Agostinho se fundamenta, orienta a que se olhe para fora ( Is 45.22).

        Em relação ao pensamento aristotélico de felicidade, não me convém que felicidade se relacione estreitamente com virtude, contemplação e sabedoria e conhecimento, ideia que possivelmente Aristóteles concebeu tendo como pressuposto, além da experiência pessoal, o homem grego livre de seu tempo, descompromissado de qualquer trabalho laborioso (o que era dispensado aos escravos) para viver uma vida dedicada à política e filosofia ou qualquer outro ramo de saber de então. Deveria ser momentaneamente muito prazeroso. Acho um fundamento muito simplista para se conceituar felicidade. 

      Acho que o mundo moderno com suas angústias, incertezas e frustrações não comporta mais uma definição redonda de felicidade ou um caminho para se chegar a este bem supremo, nem na filosofia nem em qualquer outra ciência fora dela. Aliás toda filosofia iluminista que advogou que a razão traria felicidade à humanidade se viu frustrada diante de duas grandes Guerra Mundiais

       Por isso advogo que nem na filosofia nem fora dela apresenta-se um meio absoluto para se chegar lá. O que é, então, a felicidade? Depende. Tem que ver com o individual, momentâneo e relativo, como cada pessoa significa sua própria vida. Como encontrar a felicidade? Ela não está em lugar nenhum, ela acontece, no processo, na busca.

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